Há dois momentos históricos "catalizadores" do monoteísmo que viria mais tarde a ser universal. A venda de José ao Faraó do Egito - uma alegoria da entrada deste povo, os "hapirus", no país do Nilo - e o contato dos hebreus com as novas idéias da Era Amarniana (aqui compreendida como o período que se estende do avô até o próprio Akhenaton, fundador de Akhetaton, atual Tel-El-Amarna) e que introduz Moisés como personagem.
Para Bernard Lazare ("Antisemitism - Its history and causes. Nebraska. Nebraska Press, 1995"), "É certo que os filhos de Jacob que vieram à terra de Goshen sob o Faraó Pastor Aphobis, foram tratados pelos egípcios nos mesmos termos que seus irmãos, os Hicsos, aos quais se referem os textos hieroglíficos como 'leprosos' e 'praga', 'peste' em outras inscrições. Eles chegaram justamente no momento em que um sentimento nacional extremamente forte se manifestou contra os invasores asiáticos, odiados por sua crueldade; o que levou à guerra de independência de Ahmos I (Amosis I) e à escravidão dos hebreus" (tradução própria).
Federico Arboria Mella, no seu "Egito dos Faraós - História, Civilização e Cultura. São Paulo. Ed. Hemus, 1998"), é magistral ao pintar com o mais vivo colorido as turbulências daquele momento histórico, que cobria as XV e XVI dinastias, segundo a lista de Mâneton (1). Durante as duas dinastias anteriores a estabilidade da coroa se tornara precária, com uma série de lutas dos pretendentes ao trono, as fronteiras do país eram porosas e sujeitas a invasões. Surgiram até mesmo duas dinastias distintas, uma em Tebas, outra em Xóis, no Delta.
Não era de se estranhar que, "Os asiáticos, que há muito atacavam as fronteiras orientais, especialmente me períodos de carestia, visando a alimentar seus rebanhos, nas pradarias do Delta, eram acolhidos e colocados em algumas zonas para eles reservadas. Aproveitando-se agora da falta de controles, faziam migrações mais numerosas, autorizadas ou não. Tempos atrás este fato não teria despertado preocupações, pois tratava-se de pacíficas tribos de pastores nômades que, uma vez superada a carestia, retornavam a seus países de origem. Mas depois de vinte ou trinta anos de imigrações sucessivas, havia-se formado uma grande contingência".
Exoticamente, "em certa ocasião, elegeram o próprio Rei, Ciarak (Saratis), o qual mandou buscar seus patrícios, destronou o negro Nehesi e assumiu o título de 'Rei dos dois países', surgindo a XV dinastia. Estes eram denominados por José o Hebreu de "hicsos" ("os Reis Pastores") e pelos egípcios de Hika-Khasut, os "chefes de países estrangeiros". Eram um cadinho de semitas e indoeuropeus cujo primeiro núcleo partiu do Cáucaso em torno de 1900 a.c., sujeitou o Retenu (2) e, após, consolidou um império no Egito com centro em Àvaris.
É este, indubitavelmente, o período de José no Egito. Há duas razões pelas quais não poderia ser outro: a) não há documentos autenticamente egípcios que citem um vizir de nome Yussuf (José), mesmo avaliando-se a mudança de nome promovida em Gênesis XLI pelo Faraó, que o batizou de "Doador da Vida" ou "Tsafnatpahaneah"; b) No Egito independente um homem como José jamais seria condecorado com tal cargo. Orgulhosos, os egípcios denominavam apenas a si "os homens" e desprezavam do fundo da alma os asiáticos. Segundo um papiro de Merikare, da X dinastia, citado por Mella, "Observa o miserável asiático (...) ele não vive num lugar fixo, suas pernas são feitas para andar no deserto. Sempre lutou, mas nunca conquistou nada (...) não pode vencer nem pode ser vencido; pode roubar uma pessoa numa estrada solitária, mas jamais combater contra uma cidade".
Pessoalmente, não creio em uma crença monoteísta no Deus Yaveh entre os "hapirus" (hebreus), antes da entrada no Egito. Entrementes, a existência de um personagem histórico a quem se pode conferir o epíteto de "José", aos olhos de hoje, é um fato. Nem que fosse tão somente uma vaga alusão à entrada daquele povo "asiático" no Egito e seu primeiro contato com uma nova, mais antiga e brilhante civilização. Se houve um José de carne e osso, não importa. Alguns detalhes de sua vida, descritos na Bíblia - como o episódio da mulher de Potifar - são ecos de antiqüíssimas narrativas egípcias, como a "História dos dois irmãos", encontrada no Papiro d'Orbiney (Museu Britânico, 10183), da XIX dinastia (Anúbis era casado e sua mulher tentou seduzir o irmão Bata, que a repudiou e foi acusado de assédio).
Naqueles tempos em que as estruturas milenares do Egito eram convulsionadas pela desordem e as migrações maciças de hordas ignaras de invasores asiáticos, uma centelha das modernas religiões monoteístas se acendeu. Ela viria a se tornar uma poderosa labareda alguns anos mais tarde, em outra ocasião de rotunda mudança social, cultural e política, quando o faraó Akhenaton, precedido por seus antepassados imediatos, procedia à maior reviravolta no mundo egípcio até então vista. A adoração a Aton, o Disco Solar e a fundação definitiva da primeira religião monoteísta histórica.
Notas:
Para Bernard Lazare ("Antisemitism - Its history and causes. Nebraska. Nebraska Press, 1995"), "É certo que os filhos de Jacob que vieram à terra de Goshen sob o Faraó Pastor Aphobis, foram tratados pelos egípcios nos mesmos termos que seus irmãos, os Hicsos, aos quais se referem os textos hieroglíficos como 'leprosos' e 'praga', 'peste' em outras inscrições. Eles chegaram justamente no momento em que um sentimento nacional extremamente forte se manifestou contra os invasores asiáticos, odiados por sua crueldade; o que levou à guerra de independência de Ahmos I (Amosis I) e à escravidão dos hebreus" (tradução própria).
Federico Arboria Mella, no seu "Egito dos Faraós - História, Civilização e Cultura. São Paulo. Ed. Hemus, 1998"), é magistral ao pintar com o mais vivo colorido as turbulências daquele momento histórico, que cobria as XV e XVI dinastias, segundo a lista de Mâneton (1). Durante as duas dinastias anteriores a estabilidade da coroa se tornara precária, com uma série de lutas dos pretendentes ao trono, as fronteiras do país eram porosas e sujeitas a invasões. Surgiram até mesmo duas dinastias distintas, uma em Tebas, outra em Xóis, no Delta.
Não era de se estranhar que, "Os asiáticos, que há muito atacavam as fronteiras orientais, especialmente me períodos de carestia, visando a alimentar seus rebanhos, nas pradarias do Delta, eram acolhidos e colocados em algumas zonas para eles reservadas. Aproveitando-se agora da falta de controles, faziam migrações mais numerosas, autorizadas ou não. Tempos atrás este fato não teria despertado preocupações, pois tratava-se de pacíficas tribos de pastores nômades que, uma vez superada a carestia, retornavam a seus países de origem. Mas depois de vinte ou trinta anos de imigrações sucessivas, havia-se formado uma grande contingência".
Exoticamente, "em certa ocasião, elegeram o próprio Rei, Ciarak (Saratis), o qual mandou buscar seus patrícios, destronou o negro Nehesi e assumiu o título de 'Rei dos dois países', surgindo a XV dinastia. Estes eram denominados por José o Hebreu de "hicsos" ("os Reis Pastores") e pelos egípcios de Hika-Khasut, os "chefes de países estrangeiros". Eram um cadinho de semitas e indoeuropeus cujo primeiro núcleo partiu do Cáucaso em torno de 1900 a.c., sujeitou o Retenu (2) e, após, consolidou um império no Egito com centro em Àvaris.
É este, indubitavelmente, o período de José no Egito. Há duas razões pelas quais não poderia ser outro: a) não há documentos autenticamente egípcios que citem um vizir de nome Yussuf (José), mesmo avaliando-se a mudança de nome promovida em Gênesis XLI pelo Faraó, que o batizou de "Doador da Vida" ou "Tsafnatpahaneah"; b) No Egito independente um homem como José jamais seria condecorado com tal cargo. Orgulhosos, os egípcios denominavam apenas a si "os homens" e desprezavam do fundo da alma os asiáticos. Segundo um papiro de Merikare, da X dinastia, citado por Mella, "Observa o miserável asiático (...) ele não vive num lugar fixo, suas pernas são feitas para andar no deserto. Sempre lutou, mas nunca conquistou nada (...) não pode vencer nem pode ser vencido; pode roubar uma pessoa numa estrada solitária, mas jamais combater contra uma cidade".
Pessoalmente, não creio em uma crença monoteísta no Deus Yaveh entre os "hapirus" (hebreus), antes da entrada no Egito. Entrementes, a existência de um personagem histórico a quem se pode conferir o epíteto de "José", aos olhos de hoje, é um fato. Nem que fosse tão somente uma vaga alusão à entrada daquele povo "asiático" no Egito e seu primeiro contato com uma nova, mais antiga e brilhante civilização. Se houve um José de carne e osso, não importa. Alguns detalhes de sua vida, descritos na Bíblia - como o episódio da mulher de Potifar - são ecos de antiqüíssimas narrativas egípcias, como a "História dos dois irmãos", encontrada no Papiro d'Orbiney (Museu Britânico, 10183), da XIX dinastia (Anúbis era casado e sua mulher tentou seduzir o irmão Bata, que a repudiou e foi acusado de assédio).
Naqueles tempos em que as estruturas milenares do Egito eram convulsionadas pela desordem e as migrações maciças de hordas ignaras de invasores asiáticos, uma centelha das modernas religiões monoteístas se acendeu. Ela viria a se tornar uma poderosa labareda alguns anos mais tarde, em outra ocasião de rotunda mudança social, cultural e política, quando o faraó Akhenaton, precedido por seus antepassados imediatos, procedia à maior reviravolta no mundo egípcio até então vista. A adoração a Aton, o Disco Solar e a fundação definitiva da primeira religião monoteísta histórica.
Notas:
(1) Autor de célebre tábua dos Reis e dinastias do Egito.
(2) Retenu era como os egípcios daqueles tempos denominavam uma Região do Oriente próximo atualmente formada por territórios de Israel, Líbano, Síria e parte do reino da Jordânia.
OBS: Foto da múmia do Faraó Amósis I
(2) Retenu era como os egípcios daqueles tempos denominavam uma Região do Oriente próximo atualmente formada por territórios de Israel, Líbano, Síria e parte do reino da Jordânia.
OBS: Foto da múmia do Faraó Amósis I
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