Gurdjieff

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segunda-feira, julho 31, 2006

Regras e o "Dharma" - I

A idéia do “dharma” é bem anterior ao budismo e está arraigada nas tradições milenares da Índia, é o pilar sobre o qual se assenta o sistema de castas de Manu, discrimina os compromissos entre as castras e no seu interior e a “profissão” de fé, o “código de comportamento” para todas as sub-castas, calculadas atualmente em mais de 3.000, as quais se desdobram da original divisão quíntupla em Brâmanes (sacerdotes), Shatrias (guerreiros), Vaishias (comerciantes), sudras (artesãos) e os parias ou intocáveis.

Esta expressão é usada em muitas filosofias e religiões indianas, surgindo primeiramente nos Vedas como Dharman. No hinduismo, Yama, o Deus da Morte, é também conhecido como “Dharma”, trabalhando segundo as leis do Karma e moralidade, reguladas por princípios divinos. É familiar aos hindus, aliás, a personificação do Dharma em Ram, um dos avatares de Vishnu. Dharma também pode dizer respeito à religião hindu e no budismo aos ensinamentos do Senhor Buda, embora muitas vezes seque equivalente a “fenômeno”, uma unidade básica de existência.

O “dharma” ou “obrigação” é o núcleo do modo hindu de pensar; enfatizando a responsabilidade pessoal. A palavra vem do sânscrito “dhri”, ou seja “sustentar”. É o “dharma” que sustenta a ordem cósmica (Rita) do Universo. O “dharma” se alia à doutrina do Sansara, o ciclo de nascimentos e renascimentos e ao “karma”, a idéia de que cada ação tomamos causa outras no futuro e estas dependem daquelas que foram tomadas no passado. A vida em cada um nasce pode ser relacionada á dos outros quanto à posição social (as “três cores” ou castas), ocupação (jati), estágio de vida ou maturidade e para cada um destes itens são prescritos deveres e obrigações.

Assume-se que esta vida é uma conseqüência necessária de vidas passadas e ações passadas, seguindo-se que se deve executar os deveres prescritos para sua vida irrestritamente. Assim, a organização social e as funções e obrigações de cada grupo social são justificados não por sua eficácia em si, mas pela consciência de que sua própria vida e obrigações de que se incumbem os homens são manifestações no mundo de uma ordem moral primeva do Universo.

A doutrina do Buda também se assenta em “três jóias”, entre elas a do “dharma”. Budha, a iluminação, Dharma, o preceito e Sangha, a união com outras pessoas que também buscam o caminho. Dharma em sentido lato significa um conjunto de regras, princípios, normas, a “religião externa” que regula os atos individuais, atrelando-os a determinada ética, a ética do Budha. No “Mahayanauttarantrashastra”, “A Continuidade Imutável da Verdadeira Natureza” lemos dos versos nove a 12 uma didática apresentação do significado do “Dharma”.

9. (...) Eu me prostro ao sol do Darma
Que não é nem existência nem não-existência
Nem uma combinação de existência e não-existência
Nem algo além de existência e não-existência;
O inexaminável, além de toda definição verbal, auto-cognoscente, pacífico,
Impoluto, brilhante com a luz de jnana, que destrói completamente
Avidez, Aversão ou Torpor em relação aos objetos mentais.
10. O Darma é aquilo que está imbuído
Das características intrínsecas das duas verdades:
Aquilo que é aquilo que prozuz liberdade do cativeiro.
Inconcebível, não-dual e isento de conceitos,
Pureza, claridade e remédio.
11. ‘Liberdade de cativeiro’ se aplica à verdade da cessação
É a verdade do caminho. Cada uma com três qualidades, respectivamente:
12. É inconcebível (por não ser examinada através do pensamento,
é indizível e conhecimento restrito aos plenamente realizados).
É uno e isento de conceitos, paz.
É pureza, claridade e sanidade, sendo estas três como o sol
”.

Iluminados, os Budas passam a ensinar o “Dharma”, caminho que leva a iluminação dos demais seres que é o segundo ponto “vajra” (diamantino). Como explica Khenchen Thrangu Rimpochê:

A palavra ‘Dharma’ pode ter dois significados diferentes: qualquer afirmação verdadeira, como dizer que o céu é azul; ou o corpo de ensinamentos passados pelo Buda Sakiamuni aos seus discípulos. Este último, o Darma, inclui as palavras efetivamente pronunciadas pelo Buda (sutras) e os textos explanatórios (shastras), que foram escritos para explicar os sutras. Estes se dividem nos chamados ‘três cestos’ ou ‘triptaka’: ensinamentos Vinaya, destinados a libertar-nos do apego; Sutra, destinados a libertar-nos da agressão; e abhidarma, destinados a libertar-nos da ignorância. Estes três cestos contêm oitentar e quatro mil diferentes aspectos do Darma transmitido diretamente pelo Buda Sakiamuni e explicados por seus discípulos. O propósito é eliminar os oitenta e quatro mil tipos de emoções perturbadoras latentes na mente.
A palavra Dharma é mais freqüentemente usada para designar ‘ensinamento’. No Uttaratantra, contudo, Darma se refere à realização ou consumação das qualidades. Este uso da palavra se refere àquilo que tem capacidade de eliminar todas as impurezas e produzir a plena frutificação de jnana (a mais alta e pura forma de conhecimento e inteligência). O Darma da realização é o resultado direto da prática do está no corpo dos ensinamentos, como, por exemplo, a realização de todas as qualidades descritas. O Darma dos ensinamentos explícitos é apenas uma ferramente indireta usada para adquirir as qualidades iluminadas, enquanto que todas as qualidades de pureza podem ser diretamente atingidas através do Darma de realização
”. (que tem dois aspectos, a verdade da cessação e a do caminho).

segunda-feira, julho 24, 2006

A Morte

O Dalai Lama e os tibetanos meditam anos a fio para enfrentar o momento derradeiro, a morte. O islamismo sufi ensina a seus seguidores a importância de preparar-se para o instante final, vendo-o como deleitoso. Porém, não há quem não tema a morte e tente contrariar os seus desígnios. O homem deseja prolongar os seus dias sobre a terra, nem que seja através de aparelhos mecânicos, quilos de medicamentos e assistência médica permanente que combinados, atenuam a dor e multiplicam seus dias na terra. Mesmo como uma massa invalida de carne o indivíduo médio anseia por dilatar sua permanência nesta esfera, ainda que às custas de redução significativa na qualidade de existência.

Tudo isso porque os homens, mesmo os religiosos, do católico ao hindu e o teósofo – alimentam dúvidas sobre o que segue após a morte. Nem sequer o ateu confesso ou o materialista vulgar podem asseverar com fortaleza de ânimo convincente que nada, absolutamente ocorre após a morte (“post mortem nihil”).

Ironicamente, o crente cego, em geral, sofre mais com a morte que o ateu ou o agnóstico. O budista lamenta com grito atroz a perda de um parente ou amigo, apesar do Buda lhe ter ensinado o “nobre caminho óctuplo” e o desapego como caminho para livrar-se da “roda de Sansara”, da existência condicionada e do ciclo de reencarnações. O espírita cardecista embora tenha lhe sido explicado pelo “livro dos mortos” que esta existência não é única e que reencarnamos por sucessivas gerações, lamenta-se sempre que algum ente querido parte deste mundo. O que penetra no intelecto não pode descer ao coração, por mais que as seitas e religiões insistam em assegurar o contrário.

A comparação entre a fraqueza do religioso prostrado diante da morte não é mordaz, nem exagerada. Buscamos a religião e a espiritualidade, desde tempos imemoriais, porque tememos a morte. Jamais a compreendemos e, “cientificamente” – se é que se pode dizer assim – ninguém nos disse o que ocorreu depois dela. Só há conjeturas, aparições aqui e acolá de “espíritos” dificilmente verificáveis, descrições das assim chamadas “experiências de quase morte” e assim por diante. Nada, porém, conclusivo, tirante opiniões dos clarividentes e médiuns que muito usualmente remetem-se ao assunto em termos fantasiosos relegados ao terreno do incrível e inacreditável.

quinta-feira, julho 20, 2006

A Importância do Não Arrependimento

O arrependimento cresce como erva daninha no campo do desconhecimento de si. Alguém que tenha alcançado uma compreensão, ainda que mínima, do seu SER e seu papel no mundo jamais se arrepende de seus atos, pois tanto estes, quanto suas palavras e ações vêem-se orientados por um determinado propósito. O arrependimento como o concebemos, o "olhar para trás" e envergonhar-se de erros pretéritos simplesmente não está na agenda do homem realmente sábio.
Quando nos "arrependemos" de algo, isto é, comportamo-nos como ingênuos expectadores do passado sem a real capacidade de avaliar a extensão do que fizemos e porque aquilo nos molesta - não apenas deixamos que se escoe da "máquina humana" um imenso manancial de energia vital como também erigimos barreiras internas ao processo de compreensão de nossas limitações e à exploração do EU desconhecido. Arrepender-se sem a noção do obstáculo que este ato representa para nossa própria "jihad" (guerra) interior é cometer um dos piores erros do ponto de vista humano, é sepultar todas as esperanças de progresso ulterior.
Quando nos debruçamos sobre o que a nossa pobre percepção julga serem "equívocos", palavras vãs ou atos inopinados criamos freios à atuação do processo interno de auto-conhecimento. O que fizemos, pensamos ou dissemos pode ter sido bom e funcionado como um "despertador" interno mas não o percebemos e o sentimento de desconforto que se segue à noção inconsciente de uma grande verdade que emerge em uma palavra dura dita a alguém, ou uma atitude de ferocidade inexplicável, este amargo fel do "day after" ( o dia posterior), seria a "chave do segredo" que empurramos para baixo do tapete.
Pode ressoar como chocante a afirmação de um assassino que diz não sentir remorsos (arrependimento) por ter matado alguém, como aconteceu há cerca de um mês atrás quando o matador confesso de seu amante e da mãe deste confirmou sua firme intenção de executar o antigo companheiro e "financiador" de suas farras. Para o bem ou para o mal, não havia naquele homem uma nesga de dúvida sobre a motivação de seus atos, fossem vis ou nobres, ele os praticava cônscio do que fazia e do que lhe aguardava. Não era um autômato, mas alguém que chafurdado na vileza da nossa moral atuava segundo um plano determinado.
Quando o indivíduo desenvolve a sua vontade - que não é um dom liberal, mas sempre um troféu arduamente conquistado - ele abole na sua relação consigo mesmo e com o outro qualquer vestígio de um possível arrependimento, a idéia mesma de voltar atrás. Passos em falso deixam de ocorrer e mesmo o piscar de olhos ele percebe como um evento relevante. Não importa se este homen é um salteador do cáucaso, um traficante de escravos do Magreb ou um "sadhu" (santo) indiano. A guerra de conquista da vontade é impessoal e indiferente à moral corriqueira.
A "posse de si" descarta qualquer tônica moralista. Não há moral ou danação eternas para aquele que atingiu o âmago do seu ser. Este é aquele que acendeu em si a centelha do divino. Nas antigas mitologias havia a certeza de que o encontrar-se a si próprio correspondia ao ideal da realização do sobrenatural e da comunhão com a deidade. Não há heróis mitológicos, um Hércules, um Aquiles, um Agamênon que se furte ao dever frente a uma missão, nem que seja o sacrifício de uma filha.
Entretanto, um pouco de cautela é sempre algo bem vindo. Há dois tipos de "arrependimento", um deles ruim do ponto de vista da formação pessoal, outro bom, se é que a linguagem comum com todas as suas imprecisões seja capaz de expressá-lo. Um "arrependimento" mau é aquele que se dá na esfera da não-consciência, da ignorância de si mesmo. Este tipo de atitude pode levá-lo para o abismo e mergulhá-lo no pior dos males, a depressão. Outro tipo de "arrependimento" - ou melhor dizendo, "avaliação" de si, se dá em uma escala tonal superior, no nível da consciência de si ou a "meio caminho" dela. Este não só é positivo como é topicamente aconselhável. Ao arrependimento desta espécie é que nos referimos aqui.