Bem, às vésperas do natal encontro esta matéria no UOL, tradução do "Le
Monde." Tomei a liberdade de reproduzi-la não só pelo interesse intrínseco mas por
envolver o destino de uma pequena comunidade naquele país, que luta a duras penas para sobreviver. No Iraque era Saddam
Hussein, por incrível que pareça e por motivos políticos que não vale a pena
discutir, que mantinha a liberdade religiosa. Com a saída dos
americanos, os cristãos estão sendo perseguidos e correm o risco de ser extintos
no país. Esta é uma das mais antigas comunidades cristãs da Terra. Eles são tão
tradicionais no Iraque que pertencem à uma comunidade que poucos de nós conhem
no Ocidente, os "Aissores", descendentes diretos dos antigos Assírios. Isto me
impressiona mais ainda porque há anos atrás, no livro "Encontros com Homens
Notáveis", Gurdjieff falava precisamente sobre os "aissores", que são os
mesmíssimos assírios da Alta Antiguidade e compunham um grupo já perseguido desde então (e oprimido por alguns séculos)
que tendia a migrar. Os "yezidas" ou "adoradores de diabo" (assim chamados por
mera intolerância e preconceito) eram também conhecidos dele e são mencionados
neste artigo.
24/12/2011 -
A difícil e arriscada condição de cristão em Bagdá
Christophe Ayad, enviado especial a Bagdá
-
Militares observam carro queimado em ataque com bombas realizado na região central de Bagdá
Este ano, o Natal será comemorado secretamente no Iraque, em respeito
ao luto xiita em andamento, mas sobretudo por medo de atentados. Retrato de uma
comunidade que tem ficado cada vez menor.
Aos poucos, o Natal também está desaparecendo do Iraque. Pelo segundo ano
consecutivo, os cristãos de Bagdá não comemorarão realmente o aniversário do
nascimento de Cristo. Nada de guirlandas nas janelas, nada de luzinhas nas
igrejas, nada de festas em casas noturnas ou em hotéis. Haverá, sim, uma missa
no sábado (24), mas não à meia-noite, por razões de segurança, e depois cada um
voltará para sua casa.
No ano passado, a comunidade estava de luto após o ataque, no dia 31 de
outubro de 2010, à igreja Sayedat al-Najat (Nossa Senhora do Perpétuo Socorro),
que havia traumatizado os fiéis: os jihadistas do Exército Islâmico no Iraque
tomaram reféns, e depois o exército realizou um ataque; 46 fiéis e dois padres
morreram nessa chacina, e 60 pessoas ficaram feridas.
Este ano, é por outra razão: em respeito à comunidade xiita, que está em
pleno mês de Moharram, que marca o luto de Hussein, o imame mais reverenciado, o
Natal será comemorado discretamente. A decisão foi tomada pela administração
encarregada da gestão dos bens das igrejas cristãs (‘awqaf), um órgão
semipúblico. Em voz baixa, os cristãos de Bagdá ressaltam que esse órgão não
está habilitado a tomar esse tipo de decisão. “O chefe dos ‘awqaf cristãos
estava sendo pressionado por histórias de corrupção”, observa um membro do clero
que prefere não se identificar. “Ele tomou essa decisão para ser bem visto pelo
primeiro-ministro [xiita], Nouri al-Maliki”.
“De qualquer forma”, suspira o padre Saad Hanna, da igreja caldeia de São
José, “não há clima para festa”. Na quinta-feira (22), quinze atentados
simultâneos resultaram em mais de 60 mortos e 200 feridos em Bagdá, lembrando a
capital dos piores momentos da guerra civil, em 2006-2007. “Toda essa violência
dizimou nossa comunidade desde 2003. Muita gente foi embora. Nós éramos em 750
mil a 800 mil, e agora somente 450 mil.”
Em Bagdá, havia 350 mil cristãos, e agora não passam de 100 mil. “Nós somos
um alvo fácil para os gângsteres e os terroristas”, explica o padre Saad Hanna.
“Não há nenhuma tribo ou milícia para nos defender. Os americanos nos deixaram
em paz, então os fundamentalistas das duas alas nos tomaram como representantes
do Ocidente ímpio.”
O padre Saad Hanna, 40, fala com conhecimento de causa. Ele foi sequestrado
de sua paróquia de Doura, no dia 15 de agosto de 2006, “provavelmente por um
grupo extremista sunita”, e solto 28 dias depois. No dia seguinte, o papa Bento
16 pronunciava seu polêmico discurso de Regensburg sobre o islamismo. “Não
acredito na sorte, mas sim na providência”, diz o eclesiástico, em um eufemismo.
Pouco depois, ele deixava o Iraque para estudar filosofia em Roma, durante dois
anos. Restaram dez padres em Bagdá, e 24 tomaram o caminho do exílio, nos
Estados Unidos, no Canadá e na Europa.
Quando voltou para o Iraque em 2008, como a igreja onde ele oficiava em
Doura havia sido incendiada, o padre Saad Hanna foi parar na São José, no bairro
chique de Kerrada, no centro de Bagdá. Não longe da sede da comissão
anticorrupção, alvo na manhã de quinta-feira (23) do atentado mais sangrento do
dia (23 mortos). Tampouco longe da catedral assíria de Sayedat al-Najat, hoje
cercada por altos muros antibombas e vigiada por soldados. Ademais, é impossível
entrar ali, ninguém quer receber jornalistas estrangeiros. Provavelmente por
medo de uma declaração mal colocada, em um país onde os cristãos mal se sentem
tolerados. Uma em cada duas sacadas das mansões dos arredores é decorada com
bandeiras pretas em homenagem a Hussein, o líder dos xiitas. Enquanto os sinais
visíveis do cristianismo, protegido sob a ditadura de Saddam Hussein, estão se
apagando, o xiismo militante se encontra em plena expansão religiosa e
política.
“O problema não vem do governo”, corrige o padre Saad Hanna, sério e
sorridente. Desde o ataque de Sayadat al-Najat, sua igreja é vigiada como uma
fortificação. As autoridades enviaram 600 homens a mais para os locais de culto
cristãos em Bagdá. “É a sociedade que está doente. Sob Saddam Hussein, ninguém
podia fazer nada. Desde que ele saiu, todos estão correndo atrás de sua
identidade. Todos estão transmitindo a seus filhos seus medos, seus
preconceitos, seu ódio pelo outro”. Ele apresenta como prova o fato de que
professores se recusaram a mudar os exames de fim de semestre programados para o
dia 25 de dezembro...
Na rua principal de Kerrada, um vendedor de flores vende alguns pinheiros
de plástico e guirlandas luminosas para o Natal. Duas clientes passam fazendo
compras. Uma muçulmana sem véu diz: “É uma pena que os cristãos não decorem mais
as ruas. Sinto falta disso, então decidi decorar meu apartamento pelo menos para
o Ano Novo”. Depois a cristã, de cabelos escondidos por um lenço, diz,
constrangida: “Não faz mal, comemoramos no ano que vem. Devemos respeitar o luto
de Moharram.” A muçulmana: “Mas nem os sunitas estão celebrando o Moharram! Por
que vocês o fariam?”
As três lojas de bebidas alcóolicas da rua fecharam: duas explodiram, e a
terceira preferiu fechar de vez. Abou Sandy, também cristão, proprietário do
restaurante Al-Nour, um dos mais famosos de Kerrada, perdeu dois terços de sua
família, que foram para o exterior: “Todos os dias meus dois filhos me
perguntam: ‘Quando vamos embora?’ Mas tenho esse restaurante, é toda minha vida.
Dez funcionários trabalham aqui. O que vai ser deles se eu for embora? Se todo
mundo for embora, acabaremos como os judeus do Iraque. Vamos desaparecer.”
Yonadam Kanna se recusa a se render a esse pessimismo. Deputado, presidente
do Movimento Democrático Assírio, o único partido político cristão representado
no Parlamento, é um homem enérgico de otimismo um pouco forçado e de humor
bastante negro. “Sim, as pessoas vão embora, mas é normal em tempos de guerra.
Os cristãos voltarão quando tudo estiver melhor. Veja o que aconteceu no
Líbano!” O Movimento Democrático Assírio, que tem cinco deputados e um ministro
(do Meio Ambiente), está instalado em uma antiga sede dos fedayins de Saddam
Hussein, um braço temido da inteligência ligado ao filho mais velho do
ex-ditador iraquiano, Uday.
Para ele, o ataque contra a igreja de Sayedat al-Najat parece um
“genocídio”. Mas o que mais o desencorajou foi a reação dos países europeus: “A
França e a Alemanha lançaram um apelo para que os cristãos emigrassem do Iraque.
Foi uma correria até os consulados. O que querem os europeus? Que a gente suma
do Iraque? Quer nos lançar contra os muçulmanos, que têm a maior dificuldade em
conseguir vistos? E de quê vão viver nossos compatriotas na Europa, dos impostos
dos outros? Naquele dia, Koucher [então ministro das Relações Exteriores]
deveria ter pensado melhor antes de falar.” Desde então, o ritmo do êxodo
diminuiu, segundo Yonadam Kanna, “apesar de cristãos continuarem a ser ameaçados
pela máfia imobiliária, que quer forçá-los a partir para comprar suas casas por
uma bagatela.”
No Parlamento, o deputado assírio lutou para conseguir medidas de urgência.
Entre outras coisas, ele arrancou a promessa de que os cristãos não seriam mais
discriminados quando se candidatassem a cargos no Exército ou na polícia. Em
compensação, seu pedido pela criação de uma polícia privada para proteger as
populações dos vilarejos cristãos da região de Mossoul não foi atendido. Assim
como seu pedido pela restituição de 8 mil donums (800 hectares) confiscados por
Saddam Hussein a vilarejos cristãos. Quando se trata de armas ou de dinheiro, a
solicitude do Estado iraquiano acaba rápido.
Yonadam Kanna está certo disso: no novo Iraque, a segurança dos cristãos
depende da obtenção de uma província só deles, a ser dividida com outras
minorias religiosas perseguidas, os yazidi (originada do zoroastrismo), os
shabak (majoritariamente xiita), os turcomanos. Tanto que o Curdistão, refúgio
preferido dos cristãos, acaba de sofrer uma onda de violência anticristã no
início de dezembro. “Bastariam dois distritos e meio, 3 mil quilômetros
quadrados no total. Poderíamos administrar nossa segurança, nossos impostos”. Há
um único problema, mas é dos grandes: esse território se encontra na província
de Nínive, predominantemente árabe e sunita, e ela mesma está pedindo a
autonomia para um governo central já mais do que reticente.
Tradução: Lana Lim
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