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quarta-feira, abril 11, 2012

Pedro Nava e a Maçonaria em Juiz de Fora

Pedro Nava foi um médico e escritor natural de Juiz de Fora, pioneira cidade industrial que ganhou o merecido epíteto de "Manchester Mineira". No livro "Baú de Ossos" descreve com elegância e bom humor a percepção de algumas pessoas no início do Século XIX sobre a Maçonaria e os maçons na cidade. Transcrevo para apreciação dos interessados dois divertidos parágrafos traçados pelo imortal juizforano.


TRECHO


Foto da antiga Loja Maçônica Fidelidade Mineira, fundada em 1848.
A oficina atual ocupa um andar em prédio mais moderno.
Ouvi pela primeira vez a palavra greve – dita por uma das minhas tias, tão baixo e com um ar de tal escândalo, que pensei que fosse uma indecência igual às que tinha aprendido no Machado Sobrinho, e corei até as orelhas. Mas pior, muito pior que as fábricas onde os descontentes queriam ganhar mais do que precisavam; pior que o Cinema Farol e a Politeama onde se tentavam timidamente os ensaios precursores da bolina (o Politeama viu o primeiro mártir dessa arte nacional desmaiar de dor na sua platéia; marido furibundo lhe empolgara com um alicate dedo da mão audaciosa que se insinuara nas anáguas da mulher, para apertá-lo tão duramente e em tão demorado silêncio que ficaram esmagadas as carnes e quebrados os ossos do moço advogado), pior que os bordéis, pior que os colégios leigos e que o desaforo do colégio metodista para meninas, pior que a Cervejaria Weiss animada por Brant Horta, Amanajós de Araújo e Celso D’Ávila com guitarras, descantes, declamação de versalhada e as chegadas dos tílburis carregados de “mulheres-damas” – era a maçonaria. Sua loja ficava em plena rua Direita, entre as do Imperador e da Imperatriz, como desafio permanente ao clero diocesano e aos cristãos-novos e velhos do alto dos Passos.

Para cólera-que-espuma da sogra (“Cachorrão”! Coitada da minha filha...”), repugnância das cunhadas (“Pobre de nossa irmã, casada com bode preto!), consternação de minha Mãe (“Nossa Senhora, que pecado!) e escândalo da cidade (“Pobre moça! Também casar com nortista...) e animado por nosso primo Mário Alves da Cunha Horta, pedreiro-livre emérito, meu Pai ousara tripingar-se! Primeiro, cavaleiro da rosa-cruz. Depois da águia branca e negra. E freqüentava noitantemente a casa maldita, sempre escura, de janelas e portas herméticas. Lembro-me bem quando lhe passava em frente, com minha Mãe, ela descrevia uma curva prudente, largava o passeio e tomava a sarjeta para distanciar-se dos óculos gradeados do porão onde, diziam, havia um negro caprino cevado com carne podre de anjinhos e cujo bafo enxofrado era fatal.

Era de arrepiar ouvir o Mário descrever as cerimônias iniciáticas daquele oriente... Nada, absolutamente nada se comparava aos horrores por que ele tinha passado. Pura brincadeira o que o Tolstoi descrevia na Guerra e Paz. Pilhéria, água com açúcar, o que Alexandre Dumas traçava no José Bálsamo. Ele mesmo, Mário, filho do Coronel Chico Horta e D. Regina Virgilina, ali, em Juiz de Fora, depois de provações tremendas, de contatos cadavéricos, de ordálias de gelo, fogo, escuridão e vácuo, exausto, sentira-se finalmente arrebatado pelos cabelos, pelas orelhas, e esfocinhado à beira de um vórtice profundo. Os olhos, vendados, pés e mãos lhe fugindo na ribanceira movediça. E o vento. Em rodamoinhos, fazendo ruflar mortalhas e pendões. Ele não sabia bem se estava no morro do imperador, nos altos da Mantiqueira, no pico do Cauê ou serrotes do Itatiaia. “Pula, irmão” – ordenava-lhe voz cavernosa, “Pula, irmão” – retomavam em coro outras vozes sepulcrais que o eco repetia de quebrada em quebrada. Sem hesitação ele se atirara abismo abaixo, escuridão abaixo, morte abaixo... Mas não caiu nem dois palmos. Sentiu logo um perfume inebriante, alcatifa sob os pés, o amparo de braços amigos, luz, aconchego, vozes conhecidas: “Seja bem-vindo, irmão”.

Um comentário:

Magno disse...

A Fidelidade Mineira foi fundada em 1870, e não em 1848, conforme a legenda da foto.