Socrates - A Man for our Times
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O livro
“Socrates – A Man for our Times” (“Sócrates – um
Homem para nossos Tempos”) do historiador Paulo Johnson, lançado
pela Penguin Books em 2011 (e ainda sem edição brasileira) é
trabalho de alto nível e que instiga o leitor a vôos mais altos.
Não faltaram críticos como David Mikics acusando Johnson de
simplificar excessivamente seu retratado ou vestir-lhe como um
“conservador” dos nossos tempos, mas a despeito do que se diga do
livro ele tem ao meu ver três méritos notáveis: isola o que poderia ser o
verdadeiro Sócrates, cujas opiniões e abordagem são bem distintas
do “boneco articulado” criado por seu discípulo Platão, aponta
sua condição de simples cidadão ateniense e escrutinador da
natureza interna dos homens, de todas as classes sociais e esclarece com maestria inúmeros pontos obscuros da trajetória do
filósofo entre sua condenação e a morte por ingestão da taça de
cicuta.
Sócrates
sempre estava de bom humor. Andava com as pernas arqueadas, para os padrões da Hélade era feio como um sátiro e, volta e meia, via-se identificado com horrendo e mitológico Sileno, ostentando na velhice uma pança significativa. Não dava atenção à vestimenta ou a
aquisição de bens materiais, preferindo um bom pedaço de pelo para
confeccionar sapatos a um lote para erigir sua moradia. Bom soldado,
sua coragem em batalha fora exaltada por Alcebíades. Lutava descalço
e sem qualquer proteção sob o rigor do inverno ático, com aspecto
tão duro que amendrotava os combatentes inimigos. Pai de família e
admirador da sabedoria feminina (celebrou o espírito e amou a companhia intelectuais e filósofas notáveis como Diotima e Aspásia), Sócrates era um cidadão
ateniense exemplar. Amava sua cidade, na qual era louvado por
amigos, políticos e homens simples de
diferentes ocupações. Outros o odiavam e caricaturavam, entre eles alguns professores e catedráticos muito parecidos com os sacripantas dos atuais departamentos universitários (os sofistas) e autores como
Aristófanes (que o pintara como um sátiro maléfico e astuto em “As
Nuvens). É claro que dada a inclinação da massa medíocre à manipulação mentirosa - que tal como hoje, em menor escala, também surtia seu efeito danoso - não era pequeno o número de seus detratores e algozes.
Não
conhecemos com exatidão o que Sócrates realmente disse. O que nos
chegou veio através de Platão, que projetara a si mesmo em seus
diálogos, parindo um “golem”, um “boneco articulado”
que alguns analistas apelidaram de “PlatSoc”. Não era o Sócrates de carne e osso que falava amíude, mas a criatura com os cordões puxados pelo
ventríloquo platão, salvo em raríssimas oportunidades como na
“Apologia”, um registro “verbatim” do que dissera a seus
interlocutores como defesa em seu próprio o julgamento.
Este Sócrates cuja
vida fora tão misteriosa quanto a morte, nada escreveu. Não criou
academias ou liceus, como Platão e Aristóteles. Nada afirmou de
peremptório e jamais sustentou apego a crenças sobre o além túmulo angariadas nos
cultos de mistérios, como Platão. Não há um “sistema
socrático”, mas apenas o dever, inspirado por seu “daimon”
pessoal de examinar os homens e “partejar” a verdade que se
encontra em seu interior empregando o “elenchos”, técnica
semelhante à que os juízes empregam nos tribunais para extrair a
verdade. O objeto de Sócrates era a virtude, nada mais que isso. Seu
ensinamento condenava o relativismo moral tão ao gosto dos
atenienses e que servia de matéria-prima a alguns sofistas, aos
quais era maliciosamente associado (ou por pura ignorância, como era
o caso de Aristófanes).
Sua obra
era a construção de homens e mulheres bons, virtuosos. Nada mais
que isso. Nesta tarefa, para a qual recebeu a paga que todo o mundo conhece, foi mestre de ilustres cidadãos atenienses
como Critias e Alcibíades, que implicados, respectivamente, no
violento governo dos “Trinta Tiranos” e na ardilosa manobra que
conduzira a cidade à guerra da Sicília (o maior dos desastres militares atenienses) representaram sua ruína. O que Johnson especula – na
falta de indicações mais precisas – é que no clima de revolta e
dor que se seguira à mortandade de supostos inimigos do Estado
(durante a tirania), Meletos lançara a acusação infundada de
impiedade (isto é, não adorar os deuses que o Estado adora) e corrupção da
juventude como forma de encontrar, na pessoa de Sócrates, um bode
expiatório para seus próprios erros. Mercê de sua fidelidade às próprias ideias e à fina ironia com que conduziu
sua defesa (que irritara sobremodo o júri) – o filósofo
recebeu sua pena, escolhendo a morte por cicuta em lugar de abandonar
sua querida cidade.
Sem comparar Sócrates
a Jesus (ou Platão a Paulo), a obra mais uma vez cala fundo no
coração deste leitor. O que se depreende da vida e morte daquele
que se atingira a glória de ser o maior filósofo do Ocidente é que
todos aqueles que cultivam princípios e os partilham, ao invés de
submeter-se à mesquinhez dos tiranetes de plantão, convertem-se em sérios
candidatos ao cadafalso pelo inexpiável crime de não adorar os deuses da cidade
(ou os voláteis princípios ideológicos de ocasião impostos por pequenos grupos de pressão e interesses políticos miúdos) e “corromper a
juventude” (proclamando-lhe os princípios necessários ao enfrentamento das manobras conduzidas pelas mesmas minorias que controlam o
aparato social).
Ofereçamos um galo a Asclépio!
Ofereçamos um galo a Asclépio!
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