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terça-feira, janeiro 03, 2012

Paul Johnson. Sócrates - Um Homem para nossos Tempos ("Socrates - A man for our times")



Socrates - A Man for our Times
O livro “Socrates – A Man for our Times” (“Sócrates – um Homem para nossos Tempos”) do historiador Paulo Johnson, lançado pela Penguin Books em 2011 (e ainda sem edição brasileira) é trabalho de alto nível e que instiga o leitor a vôos mais altos. Não faltaram críticos como David Mikics acusando Johnson de simplificar excessivamente seu retratado ou vestir-lhe como um “conservador” dos nossos tempos, mas a despeito do que se diga do livro ele tem ao meu ver três méritos notáveis: isola o que poderia ser o verdadeiro Sócrates, cujas opiniões e abordagem são bem distintas do “boneco articulado” criado por seu discípulo Platão, aponta sua condição de simples cidadão ateniense e escrutinador da natureza interna dos homens, de todas as classes sociais e esclarece com maestria inúmeros pontos obscuros da trajetória do filósofo entre sua condenação e a morte por ingestão da taça de cicuta.

Sócrates sempre estava de bom humor. Andava com as pernas arqueadas, para os padrões da Hélade era feio como um sátiro e, volta e meia, via-se identificado com horrendo e mitológico Sileno, ostentando na velhice uma  pança significativa. Não dava atenção à vestimenta ou a aquisição de bens materiais, preferindo um bom pedaço de pelo para confeccionar sapatos a um lote para erigir sua moradia. Bom soldado, sua coragem em batalha fora exaltada por Alcebíades. Lutava descalço e sem qualquer proteção sob o rigor do inverno ático, com aspecto tão duro que amendrotava os combatentes inimigos. Pai de família e admirador da sabedoria feminina (celebrou o espírito e amou a companhia intelectuais e filósofas notáveis como Diotima e Aspásia), Sócrates era um cidadão ateniense exemplar. Amava sua cidade, na qual era louvado por amigos, políticos e homens simples de diferentes ocupações. Outros o odiavam e caricaturavam, entre eles alguns professores e catedráticos muito parecidos com os sacripantas dos atuais departamentos universitários (os sofistas) e autores como Aristófanes (que o pintara como um sátiro maléfico e astuto em “As Nuvens). É claro que dada a inclinação da massa medíocre à manipulação mentirosa - que tal como hoje, em menor escala, também surtia seu efeito danoso - não era pequeno o número de seus detratores e algozes. 

Não conhecemos com exatidão o que Sócrates realmente disse. O que nos chegou veio através de Platão, que projetara a si mesmo em seus diálogos, parindo um “golem”, um “boneco articulado” que alguns analistas apelidaram de “PlatSoc”. Não era o Sócrates de carne e osso que falava amíude, mas a criatura com os cordões puxados pelo ventríloquo platão, salvo em raríssimas oportunidades como na “Apologia”, um registro “verbatim” do que dissera a seus interlocutores como defesa em seu próprio o julgamento.

Este Sócrates cuja vida fora tão misteriosa quanto a morte, nada escreveu. Não criou academias ou liceus, como Platão e Aristóteles. Nada afirmou de peremptório e jamais sustentou apego a crenças  sobre o além túmulo angariadas nos cultos de mistérios, como Platão. Não há um “sistema socrático”, mas apenas o dever, inspirado por seu “daimon” pessoal de examinar os homens e “partejar” a verdade que se encontra em seu interior empregando o “elenchos”, técnica semelhante à que os juízes empregam nos tribunais para extrair a verdade. O objeto de Sócrates era a virtude, nada mais que isso. Seu ensinamento condenava o relativismo moral tão ao gosto dos atenienses e que servia de matéria-prima a alguns sofistas, aos quais era maliciosamente associado (ou por pura ignorância, como era o caso de Aristófanes).

Sua obra era a construção de homens e mulheres bons, virtuosos. Nada mais que isso. Nesta tarefa, para a qual recebeu a paga que todo o mundo conhece, foi mestre de ilustres cidadãos atenienses como Critias e Alcibíades, que implicados, respectivamente, no violento governo dos “Trinta Tiranos” e na ardilosa manobra que conduzira a cidade à guerra da Sicília (o maior dos desastres  militares atenienses) representaram sua ruína. O que Johnson especula – na falta de indicações mais precisas – é que no clima de revolta e dor que se seguira à mortandade de supostos inimigos do Estado (durante a tirania), Meletos lançara a acusação infundada de impiedade (isto é, não adorar os deuses que o Estado adora) e corrupção da juventude como forma de encontrar, na pessoa de Sócrates, um bode expiatório para seus próprios erros. Mercê de sua fidelidade às próprias ideias e à fina ironia com que conduziu sua defesa (que irritara sobremodo o júri) – o filósofo recebeu sua pena, escolhendo a morte por cicuta em lugar de abandonar sua querida cidade.

Sem comparar Sócrates a Jesus (ou Platão a Paulo), a obra mais uma vez cala fundo no coração deste leitor. O que se depreende da vida e morte daquele que se atingira a glória de ser o maior filósofo do Ocidente é que todos aqueles que cultivam princípios e os partilham, ao invés de submeter-se à mesquinhez dos tiranetes de plantão, convertem-se em sérios candidatos ao cadafalso pelo inexpiável crime de não adorar os deuses da cidade (ou os voláteis princípios ideológicos de ocasião impostos por pequenos grupos de pressão e interesses políticos miúdos) e “corromper a juventude” (proclamando-lhe os princípios necessários ao enfrentamento das manobras conduzidas pelas mesmas minorias que controlam o aparato social).

Ofereçamos um galo a Asclépio!

Um comentário:

Dr. Keller Filgueiras disse...
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