Gurdjieff

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Quem é Gurdjieff?

segunda-feira, outubro 21, 2013

A Revolução dos Beagles


A invasão do Instituto Royal para “salvar” "Beagles" em cativeiro (ontem, domingo, dois delas foram encontrados vagando nas ruas o que denota um pouquinho do compromisso “animalnitário” dos seus salvadores) é um exemplo de correta preocupação com a sorte dos bichos, dissolvida em autopromoção de subcelebridades, banditismo puro e simples violência gratuita. Entrar na velha discussão da validade dos testes com animais demandaria um certo número de páginas que não estou disposto a escrever hoje e para ser bem sucinto repito a surrada fórmula: se aquelas pessoas são tão comprometidas assim (a ponto de derramarem lágrimas neuróticas na TV) com o destino dos "Beagles" em particular e dos animais em geral, por que não abrem mão de uma vez por todas de suas roupas, sapatos, alimentos, cosméticos e milhares de produtos que não só necessitam das pesquisas com seres vivos como demandam insumos de origem animal? 

Sou um dos defensores do ponto de vista de que a sociedade do futuro deverá mudar sua visão "coisificada" dos animais, o que dependerá não de ações tresloucadas com “Bloc Bocs” como seguranças, mas da busca de substitutos aos testes com seres vivos e sua normatização. Enquanto não me sinto disposto a escrever sobre assunto tão específico e complexo (tem gente parva que é capaz de produzir um argumento no Facebook à guisa de "última palavra" sobre a questão), volto a um tema que sempre a vem calhar nestas horas por favorecer interessantes paralelos com a "revolução dos Beagles" em curso no Brasil, o vegetarianismo.

Afinal de contas, se o sofrimento de um cão ao longe comove tão profundamente grande parte dessa gente, um suculento bife com fritos lhes parece bem-vindo.

Particularmente, aprecio e animais e os defendo e durante muito tempo não só estudei como pratiquei o vegetarianismo, o que pode parecer incrível para quem me vê hoje. O que me fez mudar de opinião em relação ao tema foi uma viagem à Bolívia e Peru há muitos anos, locais em que permaneci por 45 dias nas piores circunstâncias, como um aventureiro. Percebi que não havia praticamente alternativas de alimentação na Altitude (sobretudo na Bolívia) e fui obrigado a comer carne. Este foi o meu primeiro momento de reflexão. O segundo se deu quando descobri que monges tibetanos comem carne e leite e que a propalada tese de que todos os indianos e budistas não se alimentavam de proteína animal, o que é claramente falso. Aliás, o Tibete também é muito alto e em países como a China se comem até escorpiões uma vez que o interior é pouquíssimo agricultável e as margens dos grandes rios em que surgiu a civilização chinesa é superpovoada.

Ainda adolescente havia lido o livro "Vegetarianismo e Ocultismo" de Charles E. Leadbeater e Annie Besant, empolgando-me com as profundas convicções vegetarianas de ambos. Pouco antes os autores haviam se deslocado para Chicago (US) para uma ciclo de palestras e uma pesada e pestilenta atmosfera exalava dos abatedouros (a pioneira indústria de carnes americana) e fora percebida com muito desagrado pelos dois pretensos clarividentes. Entretanto, anos mais tarde, ao estudar  os verdadeiros escritos de sábios hindus notei que falavam de algo bem distinto do "vegetarianismo" cujas linhas gerais era propugnado por correntes da "Nova Era", tratando-se antes da distinção entre alimentos tamásicos, rajásicos e sattwicos, isto é, aqueles em que predominam cada uma das três "gunas" ou "modos do Ser" que teosofistas entendem de forma mais restrita como qualidades da matéria (um princípio de inércia (tamas), atividade (rajas) e equilíbrio (sattwa)). O que os Rishis e Iogues hindus advogavam era a proposição de que, no início da sua senda, era aconselhável (senão impositivo) ao "Lanu" (discípulo) que substituísse comidas mais "pesadas" (tamásicas) como a carne (ou a ingestão de bebidas alcoólicas) outras de ter mais "leve", verduras, legumes e mesmo leite ou queijos. E este era um caminho prescrito não para toda a sociedade mas apenas para uma pequena fração que percorre através dessas práticas o seu caminho espiritual. Nesse sentido, aliás, não é uma regra muito diferente de outras tradições espirituais.

A raiz profunda de qualquer tese vegetariana (em que pesem as patuscadas ridículas da "Nova Era") é a objeção decidida à dor infligida a qualquer animal senciente; um princípio não só do ensinamento oriental mas presente - em maior ou menor grau e mais explícito em algumas que em outras - na maioria das perspectivas religiosas. No primeiro linha (a oriental) é traduzido em "Ahimsa", ou "não-violência". No budismo, em "compaixão" (também um dever cristão), ou profunda atenção a todos os que sofrem. Mas será que os ativistas dos "direitos dos animais" e os arruaceiros que se juntaram àquela ação pontual agiram com plena compaixão e não fizeram com que alguém sofresse? Será que no estágio atual de desenvolvimento da sociedade a pesquisa de novos e úteis medicamentos (não falo de cosméticos, pressuponho generosamente que a Luísa Mell não os utiliza) já pode prescindir do emprego de cobaias? Em segundo lugar: o ato perpetrado pelos manifestantes também não carrega enorme dose de violência? Digo isto, não só por pelo fato de equipamentos terem sido equipamentos como também por concorrer para o aumento da dor e sofrimento futuro em incontáveis pacientes?. 

Fica aqui minha modesta contribuição ao debate.

quinta-feira, maio 23, 2013

Felicidade e Qualidade de Vida

Felicidade e Qualidade de Vida



Sentidos da Felicidade

Pouquíssimas palavras são tão mal compreendidas quanto “felicidade”. Trocam-se os fins pelos meios e julga-se feliz aquele que satisfaz seus desejos mais imediatos, usufruindo do que imagina serem os “prazeres da vida”. Mas o alcance da felicidade vai muito além da compra de uma nova TV de plasma ou de um carro novo. Quantos de nós conhecemos em nosso círculo de parentes e amigos, pessoas bem sucedidas, financeiramente estáveis e inseridas em estruturas familiares ou em redes sociais que correspondem ao nosso estereótipo de felicidade? Mas serão elas realmente felizes? Ninguém sabe dizê-lo, pois a felicidade, antes de tudo é uma disposição interior de espírito. Em segundo lugar, há indícios de que este estado não está relacionado a fatores como posse, poder, atividade desenfreada (como a obsessão por exercícios físicos, aventuras, viagens sem fim e êxito nos negócios) ou qualquer fator exterior. Na sociedade contemporânea, o forte incentivo à competição e ao ganho monetário é outro empecilho de monta à conquista da verdadeira felicidade, e fonte primordial da angústia que afeta o homem.
Mesmo estes prosaicos filósofos da natureza, os economistas, têm se envolvido com o espinhoso desafio de contemplar a felicidade em seus modelos. Em 1972, um país da Ásia chamado Butão foi pioneiro ao calcular um índice de “Felicidade Interna Bruta” (FIB) que - ao contrário do “Produto Interno Bruto” - incorpora algumas dimensões do ser humano ignoradas solenemente nas medidas “físicas” do bem estar (1). Seu objetivo era criar um indicador adaptado à cultura do país, capaz de evidenciar que ele não era tão pobre quanto se pensava (pois o cômputo apenas da produção de bens e serviços não dava conta de toda a sua riqueza espiritual e cultural).
De fato, muito da percepção limitada que temos da felicidade decorre da ignorância de suas origens etimológicas. Nessa palavra o morfema “feliz” provém de “Fe”, uma raiz latina derivada do indo-europeu “Dhe” que, por sua vez quer dizer “mamar” ou “sugar”. Entre os antigos gregos, o vocábulo “eudaimonia” ou “que tem um poder divino (daimon) bem disposto (eu)” era o que mais se aproximava do que atualmente assinalamos como felicidade, sendo tida como um favor divino e relacionada à prosperidade. Como não pretendemos crer que nossos ancestrais nos séculos IV e V A.C. raciocinavam à maneira reducionista e grosseira dos contemporâneos, optamos por assumir que a primeira interpretação (da boa disposição do poder divino no homem) melhor traduz a acepção clássica de felicidade.
Ademais, no seio da Grécia havia vozes discordantes que relativizavam a segunda opinião, como Eurípedes que vaticinou em sua célebre “Medeia”: “Nenhum homem é feliz (eudaimon) (2). Se a prosperidade (olbos) vem até ele, ele pode ter mais sorte (eutyches) que outros homens, mas feliz, ele não é”. Na Roma do Império, por sua vez, “Felicîtas” (felicidade) era a personificação de uma antiga deusa, usualmente impressa em moedas e que celebrava a boa sorte e o sucesso. Não sem generosa dose de boa vontade, entendemos que aquela deidade simbolizava o fato de que adquirir um bom resultado (ou ter êxito) pressupõe um ponto de origem (o estado atual) e destino (o
estado futuro). Mas para triunfar é preciso percorrer um caminho até a meta. É preciso esforço para ser feliz. Mesmo sob pena de nos atermos quesito tão “materialista” (o êxito ou o sucesso), esta idéia do esforço nos parece uma das mais profícuas chaves dos mistérios da felicidad (3).

Com efeito, filósofos romanos como Sêneca sentenciavam que “(...) todos querem viver felizes, mas não têm a capacidade de ver perfeitamente o que torna a vida feliz. Realmente não é fácil atingir a felicidade, porque, se alguém desviado do reto caminho se precipita para alcançá-la, fica sempre mais afastado da realidade” (4). A felicidade, portanto, comportava mais que retenção de dinheiro ou o dar livre curso às paixões, a simples “alegria” ou o contentamento transitório e não permanente. Era uma inclinação do homem, pois “(...) uma alma reta nunca se transforma nem é odiosa a si mesma, em nada se afasta do melhor modo de viver; o prazer, porém, extingue-se justamente quanto mais deleita, o seu campo não é muito amplo e, por isso, logo sacia, causa tédio e definha depois do primeiro impulso”.

Mais profunda e visceral ainda é a interpretação da felicidade entre as milenares escolas filosóficas e tradições espirituais hindus. Com todas as dificuldades em verter o idioma sânscrito para as línguas ocidentais, o que mais se aproxima da felicidade real e que pode ser experimentada pelo Ser humano é Sat-Chit-Ananda, a tríade existência, sabedoria e bem-aventurança. Ananda ou beatitude (a condição de fato feliz da existência) vem a ser a suprema autorrealização do homem e sua fusão no oceano do divino.

Na prática, por assim dizer, tal experiência tem a ver com aquelas raras circunstâncias em que o homem encontra o divino - não como algo externo a si mesmo - ; mas como uma realidade interna, entregando-se sem limites à contemplação do Todo, Uno ou, simplesmente, Deus. Este momento especial não é privilégio de um punhado de homens e mulheres abnegados. Pode ser experimentado por todos e muitas vezes não nos damos conta daqueles breves instantes em que a intuição nos impele a percepções mais refinadas do ambiente e de nossa relação conosco mesmos e o Universo (5).

Para certos grupos islâmicos como os sufis ou os praticantes Zen budistas um dos atalhos para a “iluminação” (um dos sinônimos de autorrealização) reside nos efeitos instantâneos de alguns acontecimentos fortuitos sobre o sujeito que os experiência. Uma abelha pousando sobre uma pequena flor a desabrochar, gotas de orvalho na relva ou o coaxar de um sapo são suficientes para provocar-lhe uma clara antevisão da beleza do mundo. È o mesmo que dizer - como o fazem certos místicos - que “conhecemos a Deus por seus sinais”(6) e a sintonia com a natureza é um caminho simples e comumente menosprezado para a felicidade suprema.

Outrossim, existem outros campos em que a sensibilidade pode ser apurada , abrindo-se mais uma porta para a autorrealização. Manifestações artísticas como a dança, a poesia, a música e outras também contribuem para assegurar-nos uma vida plena de significado, como bem lembrou uma amiga que, gentilmente, revisou meu texto original. E ela está coberta de razão. O homem que ao longo de seu extenso período de vida (pois entre milhares de espécies a nossa é uma das mais longevas) priva-se de arte é um indivíduo truncado, um pobre coitado cuja alma pode ter se atrofiado definitiva e irremediavelmente.

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*Agradeço a colaboração dos amigos Sylvio de Queiroz Mattoso, Fernanda Duayer Picardi e Nilson Galvão que, gentilmente, revisaram e apresentaram sugestões ao texto. Não suponham pela leitura do ensaio que eu mesmo tenha alcançado o estado de espírito sobre o qual me debruço aqui. Entre falar da felicidade e ser feliz há um longo e penoso caminho.

1 Como o PIB, que é simplesmente o somatório dos preços de todos os bens e serviços vendidos a preços de mercado em determinado período do tempo.
2 LAURIOLA, Rosana. De eudaimonia à felicidade. Visão geral do conceito de felicidade na antiga cultura grega, com alguns vislumbres dos tempos modernos. Revista Espaço Acadêmica no 59, abril de 2006.
3 O homem se fosse sábio ergueria templos ao esforço. Mas aonde quer que ele seja valorizado no mundo, jamais o é como uma das mais importantes forças cósmicas nos planos material ou espiritual, porém amesquinhado a tal ponto que se viu banido de toda reflexão filosófica de fôlego.
4 SENECA, Lucius Anneus. Da vida feliz. São Paulo, Martins Fontes, 2001.
5 No sufismo ou mística islâmica este modo de ver as coisas é pronunciado. “O coração do sufismo "estánum hadith" (sentença) de Mohamed: ‘Adora a Deus como se o visses, pois mesmo que tu não O vejas, Ele na verdade sempre te vê’. Os fukará procuram assim agir sempre como se estivessem na presença de Deus. Aspiram à “libertação” em vida de todos os entraves colocados pelo lamento passional da alma (nafs) e das limitações e temores engendrados pelo mundo”. AZEVEDO (1996).

sábado, maio 04, 2013

Ó Lúcifer, Néctar de Luz, Aurora da Manifestação

Ó Lúcifer, Néctar de Luz, Aurora da Manifestação



Estátua do Demônio - Madrid, Espanha
Anteontem, meditando à minha maneira, formulei uma oração para a "Estrela da Manhã", "A Aurora da Manifestação", o precursor do "Manvântara" (um novo ciclo de atividade cósmica nos sagrados textos de Aryavartha), o "Anjo da Face Resplandecente", o ser de beleza ofuscante e olhar sedutor, o que nos ampara no desalento e inala-nos correntes de energia vital. Não preciso dizer de quem falo. Mas tenho medo de ser discriminado pela chusma dos ignorantes e supersticiosos divulgando minha oração. Mas talvez o faça oportunamente. Ela brotou do que há de mais nobre em mim, daquela restiazinha de esperança no futuro da  raça. Eu o amo. Sabem, tenho compaixão por aquele amigo que viu o nosso mundo ser criado e reina neste plano material em seu palácio perfumado com alfazema, lilases, especiarias das arábias, almíscar, flores de lótus em uma lagoa e guirlandas de rosas cheirosas para os convivas. Eis um cargo que ninguém queria. Rejeitara aquele pedido indecoroso do Supremo, a princípio, mas de nada adiantaram suas súplicas e ranger de dentes. Foi agrilhoado em cadeias e finalmente precipitado a um protótipo de terra (com vulcões e placas tectônicas dançando), arrebanhando milhões de contrafeitos seguidores. Sentiu-se traído por quem devotara tão grande amor, "Àgape". A cada dia sua ira aumentava mais e mais, deprimia-se com o trabalhinho imundo de que se vira encarregado (não existiam antidepressivos antes da solidificação do planeta): cuidar de um mundo de pedras, vegetais, animais e homens ímpios, sujeito a quatro elementos imprevisíveis e talvez à morte, no "fim dos tempos", o que seria um alívio. Nosso "Príncipe Primevo do Matéria", o "Quase-eterno" estava lá, coordenando os trabalhadores que com suas picaretas e martelos moldaram este pedacinho de terra no Universo. E qual paga recebeu depois de milhões de anos de sofrimento e suor? Todos os crimes mais atrozes e a perversidade dos Seres Humanozinhos aos quais o "Criador" (aquele que o designou para a mais inglória da missões) concedeu o livre arbítrio a ele são atribuídos. Lesados de origem (nem todos, alguns o eram de fato) viraram santos e ganharam capelas e honras, enquanto ele é objeto de escárnio. A modernidade iluminista fez dele um palhaço de circo. É o bode expiatório de bilhões de pulhas, logo ele, o mais puro dos jovens. Pobre "Ancião dos Dias", "Sanat Kumara" (um dos jovens irmãos primogênitos na Teogonia Hindu), "Rei do Mundo", "Cavaleiro do Alazão Branco", "Portador da Luz", Lúcifer. No Ocidente, só os espanhóis ergueram em Madrid uma estátua digna de vossa majestade, "Ó Néctar de Luz". Quem diria. Logo os espanhóis.

segunda-feira, abril 29, 2013

Os Vendilhões do Tempo

Eu suponho que uma das coisas que mais irrita meus adversários (nem são tão terríveis assim, pessoas que não compreendem a revolução heraclitiana) é que me esforço para mudar mentes. A minha própria, mentes de ex-alunos e alunas, amigos, amigas, colegas, namoradas, mulheres, ex-mulheres, mãe, filho e todos os que se dispõem a ouvir. O meu único poder é a argumentação, o "verbo que se fez carne" e criou o mundo material. Meus inimigos (os contrários, nem sei lá o que são) falham, justamente porque são sofistas, eles lidam com truques de linguagem. E neste hemisfério não leram as Tópicas de Aristóteles. Sem um raciocínio lógico básico fica difícil tentar algo frutífero comigo. Sou um lógico e saco de dialética. Eu só me rendo por cansaço. Mas não ganho nada com isso, não aumento minha conta bancária nem exibo variações patrimoniais positivas (papo de um economista que fez matérias de contabilidade, matemática financeira e administração financeira). Talvez o Senhor desses fariseus que Jesus enxotou do Templo (que deve ser um Asmodeu da Bíblia, não vou aqui abordar minha especialidade, demonologia) me veja como um mentecapto. "Aos mentecaptos pertence o Reino de Deus". Na Jerusalém de 2.000 anos atrás Jesus diversificaria seus investimentos sem precisar enganar ninguém, ele não precisava de um Soros ou Warren Buffet, muito menos de um Eike Batista que é um medíocre. Tudo o que ele disse de relevante se resumia ao postulado: "Não faças a outrem o que não querem que te façam". E a sentença não é tão nova, ela foi cunhada pelo Rabino Hillel anos antes mas, em essência, dizia o mesmo. Nos Evangelhos Canônicos ele, Yeheshua, jogou por terra as tendas dos vendilhões do templo. Ele não admitia que esses caramujos saíssem da casca quando se tratava de ética e colocassem à leilão as pedras do Templo de Salomão. Ele foi o pai do "imperativo kantiano" na "Crítica da Razão Pura" (já deixei de namorar muita gente na adolescência perdendo tempo com isso, inclusive mereci um justo corno de uma namorada aos 17 anos). Como um agregado, um ser de carne, osso, sangue e fezes (como dizia o divino Shantideva) eu acredito que se você conseguir mudar uma cabeça por ano - pressupondo que elas possam influenciar outras tantas - no escopo limitado de nossa vida na Terra já teremos feito muita coisa. E me sinto emocionado muitas vezes quando alguns me dizem que eu os ajudei a pesquisar, a fazer um curso superior, a ingressar em um mestrado, a jogar no lixo idéias arraigadas, a desviar um pouco o cérebro para o lado direito, esquerdo ou o centro, tentar encarar aquela massa de neurônios no cocoruto não como um computador, mas como uma maquinha toda especial que o G.'.A.'.D.'.U.'., o Grande Arquiteto do Universo colocou dentro da gente e deve ser embebida com um pouco de espírito para realmente funcionar. É isso o que eu almejo e me deixa realizado nesta minha passagem pela terra tão breve e bela quanto o alento de uma borboleta ou a existência de um ...

sábado, abril 27, 2013

JACK KEROUAC.Cenas de Nova York & outras viagens.

Jack Kerouac

"Eu simplesmente me deitava nos campos da montanha ao luar, com a cabeça na grama, e ouvia o reconhecimento silencioso das minhas angústias passageiras. - Sim, desse modo, tento atingir o Nirvana quando você já está nele, atingir o topo de uma montanha quando já está lá e tem apenas que permanecer - assim, permanecer na bem-aventurança nirvânica é tudo o que tenho a fazer, que você tem a fazer, sem esforço, sem caminho realmente, sem disciplina, mas saber que tudo é vazio e desperto, uma Visão e um filme da Mente Universal de Deus (Alaya-Jnanana) e permanecer mais ou menos sabiamente em meio a isso. - Porque o silêncio em si é o som dos diamantes que podem cortar tudo, o som da Vacuidade Sagrada, o som da extinção e da Bem Aventurança, esse silêncio de cemitério que é como o silêncio do sorriso de um bebê, o som da eternidade, da beatitude na qual certamente é preciso acreditar, o som de que jamais-houve-nada-senão Deus (que em breve eu ouviria em uma ruidosa tempestade no Atlântico. - O que existe é Deus em sua Emanação, o que não existe é Deus na sua serena Neutralidade, o que nem existe nem não existe é a divina aurora primordial do Céu Pai (este mundo neste exato instante). _ Por isso eu disse: 'Permaneça nisso, aqui não existem dimensões para quaisquer das montanhas ou mosquitos ou vias lácteas inteiras dos mundos'.
Porque sensação é vazio, envelhecimento é vazio. - Tudo é apenas a Dourada Eternidade da Mente de Deus, por isso pratique a bondade e a compreensão, lembre que os homens não são responsáveis por si mesmos, por sua ignorância e maldade, se deve ter pena deles, Deus se compadece porque o que há para se dizer a respeito de qualquer coisa visto que que tudo é apenas o que é, livre de interpretações - Deus não é 'aquele que alcança', ele é 'viajante' naquilo em que tudo é, o 'que subsiste' - uma lagarta,mil cabelos de Deus. _ Portanto, saiba sempre que isto é apenas você, Deus, vazio, desperto e eternamente livre como os incontáveis átomos da vacuidade em todos os lugares".

JACK KEROUAC.Cenas de Nova York & outras viagens. L&PM Pocket, Santa Maria, 2012. pp. 41 ee 42

sábado, abril 20, 2013

Maquiavel - A Farsa Demoníaca

Maquiavel - A Farsa Demoníaca





Nicólo Macchiavelli
O grande barato de hoje em dia é estourar de rir no seu íntimo com aquelas pessoas que se julgam "maquiavélicas", lucrécias bórgias de araque que mudam da água para o vinho de uma hora para outra. A popularização das edições de bolso associada a um pequeno incremento da escolarização e agigantamento dos cursos de administração onde todos leem Maquiavel e a "Arte da Guerra" (fingem ao menos lê-los) facilitaram o processo de fabricação em massa dos espertalhões de orelha de livro. Em razão disso, a maioria dos formandos em nível superior é um fracasso total na vida, principalmente a financeira, já que a moral ou intelectual não merecem a mínima consideração. Por isso são uns Maquiáveis à venda, arrendando seu labor a quem dá mais, ou a quem lhes dê qualquer coisa em que seja uma sinecurazinha no governo (não era isso que o florentino mendaz sempre desejara?). Alguns deles já se esforçou a duras penas para ler o próprio (não apenas uma resenha ou uma máxima isolada na internet) e pensou tê-lo entendido (o que é impossível no limite, Nicólo Macchiavelli apenas faz um jogo de palavras ali, demoníaco  em si) e crê ter entendido o que não era para ser entendido e o autor florentino entendeu bem isso, deve ter rido muito e esvaziado barricas de vinho só de imaginar a cara dos seus "estudiosos" no futuro. Maquiavel era o diabo, um tinhoso chifrudo (há quem diga, literalmente) magrelo e sórdido pintado com todas as cores de um Giovanni Papini, o melhor especialista em capetologia que já li na vida, subsumindo toda a sabedoria de um Doutor Fausto, um Paracelso, um Agrippa ou dos autores de tratados árabes e grimórios medievais de magia negra . Satanás (do hebraico, "Shaitan", o "adversário"- é o anjo rebelde, o tentador e o colaborador no plano material, dotado de essência espiritual, ao contrário do homem, de natureza densa e imbricado na matéria). O inimigo tão onipresente quanto o criador ( sobretudo em nós mesmos) é um ser etérico e sutil, um Ariel élfico shakesperiano e o homem ao acalentar a ilusão de que poderia igualá-lo (ou suplantá-lo), procura então os Maquiáveis da vida  como uma alavanca para o "sucesso". Olavo de Carvalho já caracterizara o italiano como um bufão no seu ensaio "Maquiavel ou a Confissão Demoníaca" ao advertir-nos de que "toda paródia tem um fundo moral, mas Maquiavel flutua entre condenar os costumes políticos em nome da moral e condenar a moral em nome de uma idealização dos piores costumes políticos. É, em toda a linha, uma especulação ficcional". Não diria que o demônio é maquiavélico. Se ele seguisse à risca o que disse o "expert" italiano teria se afundado na sarjeta tanto quanto o próprio. O demônio é o que é justamente porque não é maquiavélico.

quarta-feira, fevereiro 06, 2013

Cap.1.REVOLUÇÃO CONTRARREVOLUÇÃO TRADIÇÃO (Parte II-Final)


Continuação (Cap.1. "Os Homens entre Ruínas. Julius Evola)


A fim de assegurar esta continuidade enquanto se aferra rapidamente aos princípios subjacentes, é necessário eventualmente jogar fora tudo o que necessite ser descartado, ao invés de enrijecer-se, entrar em pânico ou confusamente procurar novas ideias quando a crise ocorre e os tempos mudam: isso é de fato é essência do espírito conservador. Por esta razão, o espírito conservador e o tradicional são a mesma e única coisa. De acordo com o seu verdadeiro e vital sentido, a Tradição não é nem conformidade servil ao que foi, nem uma lenta perpetuação do passado no presente. A tradição, em sua essência, é algo simultaneamente meta-histórico e dinâmico, é uma força ordenadora global, a serviço de princípios consagrados por uma legitimidade superior (podemos chamá-los mesmo de “princípios de cima”). Esta força age através das gerações, em continuidade com o espírito e inspiração através das instituições, lei e ordens sociais que podem até mesmo exibir uma marcante variedade e diversidade. Um engano análogo que já condenei consiste na identificação ou confusão de várias formulações de um passado mais ou menos com a tradição em si. 
Metodologicamente, na busca por pontos de referência, uma dada forma histórica deve ser considerada exclusivamente como a exemplificação e uma aplicação mais ou menos fiel de certos princípios. Este é um procedimento perfeitamente legítimo, comparável ao que nas matemáticas denominamos a transformação de a diferencial em uma integral. Neste caso não há anacronismo ou regressão; nada se tornou um ídolo, ou  se converteu em absoluto, aquilo não era ainda isso, desde que esta é a natureza dos princípios.

De outro modo, seria como acusar de anacronismo aqueles que defendem certas virtudes peculiares da alma meramente porque as últimas foram inspiradas por certas pessoas no passado, nas quais estas virtudes eram exibidas em elevado grau. Como o próprio Hegel disse: “Trata-se de reconhecer no surgimento das coisas temporais e transitórias, tanto a substância, que é imanente, quanto o eterno, que é atual”.

Com isto em mente, podemos ver as premissas derradeiras de duas atitudes opostas. O axioma do conservador revolucionário ou mentalidade do reacionário revolucionário é o de que os valores supremos e princípios fundacionais de qualquer instituição normal e segura não são passíveis de mudanças e para que se tenha algo que se adéque a estes valores, por exemplo, o verdadeiro Estado, o imperium, a auctoritas (autoridade), hierarquia, justiça, classes funcionais e a primazia do elemento político sobre os elementos social e econômico. No domínio destes valores não há “história’ e pensar sobre eles em termos históricos é absurdo. Tais valores e princípios têm tido caráter essencialmente normativo. Na ordem pública e política eles têm a mesma dignidade como na vida privada, e é típico de valores e princípios de absoluta moralidade, pois são princípios imperativos requerendo um reconhecimento direto, intrínseco (é a capacidade de tal reconhecimento que difere existencialmente uma certa categoria de seres de outras. Estes princípios não são comprometidos pelo fato de que em várias instâncias um individuo, a exceção da fraqueza ou devido a outras razões, foi incapaz de compreendê-los ou mesmo implementá-los parcialmente em um ponto em sua vida e não em outro, à medida que tal indivíduo não os abandona no seu interior, ele as compreenderá mesmo em uma situação abjeta ou de desespero. As ideias às quais me refiro têm a mesma natureza. Vico as chamou “as leis naturais de uma república eterna que varia no tempo e em lugares diferentes”. Mesmo onde esses princípios são objetivados em uma realidade histórica; eles não são totalmente condicionados por ele; mas sempre apontam para um plano metafísico mais elevado.

segunda-feira, janeiro 21, 2013

JULIUS EVOLA - HOMENS ENTRE RUÍNAS - Reflexões do Pós-guerra de um Tradicionalista Radical


HOMENS ENTRE RUÍNAS - Reflexões do Pós-guerra de um Tradicionalista Radical
Julius Evola
Tradução: CB

Cap. 1. REVOLUÇÃO - CONTRAREVOLUÇÃO - TRADIÇÃO (Parte I)


Recentemente, várias forças têm tentado estabelecer uma defesa e resistência no domínio sociopolítico contra formas extremas sob as quais a desordem de nossa época se manifesta. É necessário admitir que se tratam de esforços inúteis, mesmo a título de propósitos meramente demonstrativos, a menos que as diversas raízes da doença sejam atacadas. Estas raízes, à medida que a dimensão histórica é concebida, devem ser reconhecidas na subversão introduzida na Europa em 1789 e 1848. A doença deve ser reconhecida em todas as suas formas e graus, assim, a principal tarefa será estabelecer se há ainda há homens dispostos a rejeitar todas as ideologias, movimentos políticos e partidos que, direta ou indiretamente, derivam dessas ideias revolucionárias (isto é, tudo o que vai do liberalismo e a democracia ao marxismo e comunismo). Como uma contrapartida positiva, a estes homens deveria ser dada orientação e fundamentos sólidos, consistindo de uma ampla visão da vida e uma doutrina robusta do Estado.

Estritamente falando, a palavra correta deveria ser “contrarrevolução”, contudo, as origens revolucionárias são agora remotas e quase esquecidas. A subversão há muito tomou raízes, a ponto de se tornar óbvio e natural na maioria das instituições existentes. Assim, para todos os propósitos práticos, a fórmula da “contrarrevolução” faria sentido somente se as pessoas fossem aptas a ver claramente os últimos estágios que a subversão mundial está tentando encobrir através do comunismo revolucionário. Por outro lado, outra palavra de ordem seria melhor, “reação”. Adotá-la e chamar alguém de “reacionário” é um teste de coragem. Há bastante tempo já, os movimentos de esquerda fizeram do termo “reação” sinônimo de todos os tipos de iniquidade e vergonha e uma oportunidade para estigmatizar todos aqueles que não fossem úteis à sua causa, ou não vão junto à corrente (que se segundo eles é o “fluxo da história”). Enquanto é muito natural para a Esquerda empregar esta tática, acho antinatural o senso de angústia a que o termo frequentemente induz as pessoas, o que devo à sua falta de coragem política, intelectual e mesmo física; esta falta de coragem que atinge até mesmo os representantes da assim chamada Direita ou “nacional-conservadores” que, tão logo sejam “reacionários”, desculpam-se e tentam mostrar que não merecem este título.
O que se espera que a Esquerda faça? Enquanto os ativistas da esquerda estão “agindo” e levando a cabo o processo da subversão mundial, é possível supor que um conservador se refreie de reagir e olhe, festeje-os e mesmo os ajude ao longo de seu caminho? Falando historicamente é deplorável que a “reação” tenha sido ausente, inadequada ou incompleta, carente de pessoas, meios e doutrinas adequadas, justamente no momento em que a doença estava em seu estado embrionário e suscetível de ser eliminada por cauterização imediata de seus pontos de infecção. Fosse este o caso, as nações europeias teriam sido poupadas de incontáveis calamidades. O que é necessário, antes e mais nada, é um novo 'front' radical, com limites claros entre amigos e inimigos. Se o “jogo” ainda não terminou, o futuro pertence àqueles que partilham de ideias híbridas e fragmentadas predominantes em grupos que nem mesmo pertencem à Esquerda, mas sobretudo aos que têm a coragem de esposar o radicalismo – sobretudo, o radicalismo das “negações absolutas” ou “afirmações majestáticas”, para usar expressões caras a Donoso Cortes. Naturalmente, o termo “reação” possui intrinsecamente uma conotação ligeiramente negativa: aqueles que reagem não têm a iniciativa da ação, apenas reagem de uma forma polêmica ou defensiva; quando confrontados com algo que já havia sido afirmado ou feito. Deste modo, é necessário especificar que a reação não consiste em deter os movimentos do oponente sem ter algo positivo para se lhe opor. Essa percepção errônea poderia ser eliminada associando-se a formula da “reação” com aquela da “revolução conservadora”, uma fórmula na qual um elemento dinâmico é evidente. Neste contexto, “revolução” não mais significa a derrota violenta de uma ordem legitimamente estabelecida, mas antes uma ação que visa eliminar uma nova desordem emergente; restabelecendo um estado de normalidade. Joseph de Maistre observa que o que se precisa é mais que uma “contrarevolução” em um sentido polêmico e estrito, é o “oposto à revolução”, em outras palavras uma ação positiva inspirada pelas origens. É curioso como os termos mudam: antes de tudo, “revolução”, de acordo com seu significado latino original (“revolvere”) referia-se a um momento que levava novamente ao ponto inicial. Portanto, a “força revolucionária” da renovação que deve ser empregada contra a situação existente deve derivar das origens.
Contudo, se alguém quiser abraçar a ideia do “conservadorismo” (isto é, da “revolução conservadora”), é necessário proceder com cautela. Considerando a interpretação imposta pela Esquerda, o termo “conservador” é tão intimidador quando o termo “reacionário”. Obviamente, é necessário em primeiro lugar estabelecer exatamente de maneira tão exata quanto possível o que deve ser “preservado”, hoje há muito pouco que o mereça, especialmente na medida em que as estruturas sociais e instituições políticas são consideradas. No caso da Itália, isto é verdadeiro sem exceção, em menor grau é válido para a Inglaterra e França, e menos ainda para as nações da Europa Central, nas quais os vestígios das tradições superiores continuam a existir mesmo no plano da vida cotidiana. De fato, a fórmula “revolução conservadora” foi escolhida por intelectuais germânicos imediatamente após a I Guerra Mundial, mesmo com as recentes referências históricas. Na medida em que tudo o mais é considerado, temos de levar em conta a realidade da situação que é um alvo fácil para as polêmicas da esquerda, para as quais os conservadores não são campeões de ideias mas defensores de uma classe particular (os capitalistas), os quais se organizam politicamente a fim de ser perpetuar, para seu proveito próprio, o que alegadamente é um regime meramente de privilégios e injustiças sociais. Assim se tornou muito fácil colocar juntos conservadores, “reacionários”, capitalistas e burgueses, criando um alvo falso, para ser usar um termo militar usado nos destacamentos de artilharia. Como se não bastasse, a mesma tática foi empregada no tempo em que era representada pelo liberalismo e pelo constitucionalismo. A eficácia desta tática era devida ao fato de que os conservadores de ontem (não como os contemporâneos, pois os antigos eram de um calibre inegavelmente maior) limitam-se a defender suas posições sócio-políticas e os interesses materiais de uma dada classe ou uma dada casta, em lugar de se dedicarem a uma defesa franca de um direito mais elevado, dignidade e a um legado impessoal de valores, ideias e princípios. Isto de fato é sua fraqueza fundamental e mais deplorável.

Hoje nós afundamos em um nível ainda mais baixo, portanto a “ideia conservadora” a ser defendida não deve apenas ter conexão com a classe que substituiu a aristocracia derrubada e unicamente tem o caráter de uma mera classe econômica (isto é, a “burguesia capitalista”) – mas também deve ser resolutamente oposta a isso. O que necessita ser “preservado” e defendido de uma maneira revolucionária é a visão geral de vida e do Estado que baseada em valores superiores e interesses, transcendendo definitivamente o plano econômico, de modo que tudo possa ser definido em termos de classes econômicas. Com relação a estes valores, o que se refere a orientações concretas, instituições positivas e situações históricas é somente uma conseqüência, não é o elemento primário mas o secundário. Se as coisas foram colocadas desta maneira, recusando-se a colocar os pés no campo onde a esquerda treina sua mira em um “alvo falso”, esta polêmica poderia se tornar totalmente inefetiva.

Outrossim, o que é preciso não é artificial e coercitivamente perpetuar formas particulares atadas ao passado que tenham exaurido suas possibilidades vitais estando distantes do tempo atual. Para o conservador revolucionário autêntico, o que realmente conta não é ser fiel às formas do passado e instituições, mas sobretudo aos princípios pelos quais estas fórmulas e instituições foram expressões foram particulares adequadas para cada período específico de tempo em uma área geográfica específica. E assim como estas expressões particulares devem ser vistas como variáveis e efêmeras em si mesmas; uma vez que são conectadas a circunstâncias históricas que não se repetem com freqüência, os princípios que os animam têm um valor que não é afetado por tais contingências, pois gozam de atualidade perene. Novas formas, correspondendo na essência a estas mais velhas, são capazes de emergir delas como de uma semente, assim, mesmo que eventualmente substituam estas velhas formas (em uma “maneira revolucionária”) o que permanece é uma certa continuidade entre os fatores históricos, sociais, econômicos e culturais cambiantes.

Julius Evola - Homens entre Ruínas



Julius Evola


Filho de um representante da pequena nobreza rural, o poeta, escritor, filósofo, pintor e tradicionalista italiano, Barão Julius Cesare Andrea Evola (Roma, 19 de maio de 1989 - 11 de junho de 1947) ofertou ao mundo uma obra vasta como o oceano, produto de uma mente clareada pelo estudo dos maiores clássicos do Oriente e do Ocidente, balizado por sólido anteparo histórico e um compromisso inequívoco com a verdade e a beleza da vida. Ao longo de sua trajetória neste mundo foi visto com maus olhos pela "direita" italiana (fascistas, apoiadores de ocasião e falastrões de meia tigela que farfalham nestes meios), pelos teóricos nazistas (cuja teoria da "superioridade racial ariana" refutou, substituindo-a pela "tradição") e, naturalmente, converteu-se em alvo dos esquadrões de vigilantes ideológicos comunistas e socialistas por cujas vistas sequer passou uma página de sua opulenta produção.

Apresento-lhes na postagem seguinte um curto trecho de "Homens entre as Ruínas", obra de maturidade do grande intelectual italiano que me encontro traduzindo e, com a graça do Senhor, espero disponibilizar gratuitamente aos leitores em breve, como já o fiz com relação a outros autores. Ela acomoda com bastante cuidado termos que são "ideologizados" e que perderam seu significado prístino após uma longa série de adulterações das matilhas que desde o Iluminismo, as Trevas travestidas de verdadeira Luz Divina; abalroam conceitos e lhes enxertam sentidos os mais espúrios que se possa imaginar, a exemplo da própria palavra "revolução" que aos ouvidos da contemporaneidade soa qual tal os macabros e satânicos objetivos de um desprezível Robespierre lhe emprestara.



Não há Tolerância com os Sistemas do Erro mas Caridade com seus Expoentes - Michele Sciacca

SCIACCA, Michele Federico. Filosofia e antifilosofia. São Paulo. É Realizações Editora, 2011.

Pelo caminho da tolerância, portanto, não é possível a conciliação dos sistemas filosóficos, e é contraditório que o sistema da verdade faça concessão ao sistema do erro, o qual, todavia, pode também se adaptar para conviver com a verdade, porque não teme a contradição e lhe convém fingir-se de tolerante, uma vez que não tem nada a perder e tudo a ganhar. Daí segue que a intolerância da verdade para com o erro é também imposta filosoficamente pela insuperável oposição entre o não passível de contradição e o controvertível; entre as duas só pode haver o contraditório, quer dizer, guerra aberta, ainda que com todas as boas regras, do ponto firme da verdade que sabe que não pode se conciliar com o erro sem renegar a si mesmo - cedendo assim à contradição - e sem causar dano a quem erra, que seria confirmado no erro por debilidade ou má vontade nossa, e não da verdade.

Se sou capaz de tolerar, e essa tolerância representa carregar um peso com sofrimento e paciência, a verdade não pode carregar pacientemente o peso do erro, que lhe é absolutamente insuportável; mas tolerar sifgnifica também "alimentar" e "sustentar", e disso resultaria que uma verdade tolerante deveria nutrir e sustentar o erro! Isso confirma como a tolerância pode ser exercitada apenas a respeito de pessoas e opiniões; quem erra, sim, deve ser "tolerado" com toda plenitude de significado desse termo, o qual, por si mesmo, é ainda insuficiente; com efeito, quem erra não deve apenas ser carregado sobre nossos ombros com sofrimeno e paciência, alimentado e sustentado, respeitado em sua liberdade de assentimento, mas deve também ser amado; antes, quanto mais ele nega a verdade, tanto mais é inimigo e se faz distante de nós, e, no entanto, mais devemos amá-lo, porque justamente assim ele necessita de nossa compreensão e de todo o amor. Mas isso já é caridade, bem outra coisa da diplomática e "aparentemente bela" - quanta species! - tolerância, sobretudo no significado de pouca tensão e preço vil com que a palavra é comumente usada.


SCIACCA, Michele Federico. FIlosofia e antifilosofia. São Paulo. É Realiações Editora, 2011.