“No princípio, na raiz do Ser, é o Absoluto. O Absoluto- que as religiões denominam Deus – é insuscetível de ser conceituado, e quem quer que pretenda defini-lo desnatura sua noção, colocando-lhe limites: “Um Deus definido é um Deus finito” (Èliphas Lévi).
Porém, desse insondável Absoluto emana eternamente a Díade Andrógina, formada por dois princípios indissoluvelmente unidos: o Espírito Vivificador e a Alma viva Universal (símbolo do mercúrio).
O mistério de sua união constitui o Grande Arcano do Verbo. Ora, o Verbo é Homem coletivo considerado em sua síntese divina, antes de sua desintegração. È o Adão Celeste antes de sua queda, antes que esse Ser Universal se modalizasse, passando da Unidade ao Número, do Absoluto ao Relativo, da Coletividade ao Individualismo, do Infinito ao Espaço e da Eternidade ao Tempo.
Sobre a Queda de Adão, eis algumas noções do ensinamento tradicional. Incitados por um móbil interior sobre cuja natureza intrínseca devemos silenciar aqui, móbil que Moisés (nome hebraico) denomina NAHASH e que definiremos, se quiseres, como sendo a sede egoística da existência individual, um grande número de Verbos fragmentários, consciências potenciais, vagamente despertadas em forma de emanação no seio do Verbo Absoluto, separou-se deste Verbo que continha.
Eles se destacaram – ínfimos submúltiplos – da Unidade-mãe que os havia criado. Simples raios deste sol oculto, dardejavam infinitamente nas trevas sua individualidade nascente, individualidade que almejavam ver independente de todo princípio anterior. Em suma, almejavam autonomia.
Contudo, como o radio luminoso goza apenas de uma existência relativa, com relação ao lume que lhe deu origem, esses Verbos, igualmente relativos, despojados de principio autodivino e de luz própria, obscureceram-se na medida em que se distanciaram do Verbo absoluto.
Eles se precipitaram na matéria, falácia da substância em delírio de objetividade; na matéria que é, para o Não-Ser, aquilo que o Espírito é para o Ser. Desceram até a existência elementar: até a animalidade, até o vegetal, até o mineral... Assim nasceu a matéria, que foi logo elaborada pelo Espírito, e o Universo concreto tomou um caminho ascendente, que remonta da pedra, apta à cristalização, até o homem suscetível de pensar, orar, aprovar o inteligível e se devotar a seu semelhante.
Essa repercussão sensível do Espírito cativo, que sublima as forças progressivas da Matéria e da Vida para empreender a saída de sua prisão, é constatada e estudada, sob o nome de Evolução, pela Ciência Contemporânea.
A Evolução é a Redenção Universal do Espírito. Evoluindo o Espírito reascende.
Todavia, antes de reacender, o Espírito decaíra. È o que chamamos de Involução.
Como o submúltiplo verbal se deteve em determinado ponto de sua queda? Que força permitiu que retrocedesse? Como a consciência adormecida de sua divindade coletiva pôde, enfim, despertar nele sob a forma ainda imperfeita da Sociabilidade? Há tantos mistérios profundos, que não poderíamos abordá-los aqui. Se a Providência estiver contigo, conseguirás compreendê-los.
Aqui me detenho. Já foste suficientemente conduzido pela senda. Eis-te munido de uma bússola oculta que, se não evitar que te desvies, pelo menos permitirá que sempre reencontres o caminho certo".
Guaita, Stanislas. No umbral do mistério. São Paulo, Martins Fontes, 1985.pp.94-95