A invasão do Instituto Royal para “salvar” "Beagles" em cativeiro (ontem, domingo, dois delas foram encontrados vagando nas ruas o que denota um pouquinho do compromisso “animalnitário” dos seus salvadores) é um exemplo de correta preocupação com a sorte dos bichos, dissolvida em autopromoção de subcelebridades, banditismo puro e simples violência gratuita. Entrar na velha discussão da validade dos testes com animais demandaria um certo número de páginas que não estou disposto a escrever hoje e para ser bem sucinto repito a surrada fórmula: se aquelas pessoas são tão comprometidas assim (a ponto de derramarem lágrimas neuróticas na TV) com o destino dos "Beagles" em particular e dos animais em geral, por que não abrem mão de uma vez por todas de suas roupas, sapatos, alimentos, cosméticos e milhares de produtos que não só necessitam das pesquisas com seres vivos como demandam insumos de origem animal?
Sou um dos defensores do ponto de vista de que a sociedade do futuro deverá mudar sua visão "coisificada" dos animais, o que dependerá não de ações tresloucadas com “Bloc Bocs” como seguranças, mas da busca de substitutos aos testes com seres vivos e sua normatização. Enquanto não me sinto disposto a escrever sobre assunto tão específico e complexo (tem gente parva que é capaz de produzir um argumento no Facebook à guisa de "última palavra" sobre a questão), volto a um tema que sempre a vem calhar nestas horas por favorecer interessantes paralelos com a "revolução dos Beagles" em curso no Brasil, o vegetarianismo.
Afinal de contas, se o sofrimento de um cão ao longe comove tão profundamente grande parte dessa gente, um suculento bife com fritos lhes parece bem-vindo.
Particularmente, aprecio e animais e os defendo e durante muito tempo não só estudei como pratiquei o vegetarianismo, o que pode parecer incrível para quem me vê hoje. O que me fez mudar de opinião em relação ao tema foi uma viagem à Bolívia e Peru há muitos anos, locais em que permaneci por 45 dias nas piores circunstâncias, como um aventureiro. Percebi que não havia praticamente alternativas de alimentação na Altitude (sobretudo na Bolívia) e fui obrigado a comer carne. Este foi o meu primeiro momento de reflexão. O segundo se deu quando descobri que monges tibetanos comem carne e leite e que a propalada tese de que todos os indianos e budistas não se alimentavam de proteína animal, o que é claramente falso. Aliás, o Tibete também é muito alto e em países como a China se comem até escorpiões uma vez que o interior é pouquíssimo agricultável e as margens dos grandes rios em que surgiu a civilização chinesa é superpovoada.
Ainda adolescente havia lido o livro "Vegetarianismo e Ocultismo" de Charles E. Leadbeater e Annie Besant, empolgando-me com as profundas convicções vegetarianas de ambos. Pouco antes os autores haviam se deslocado para Chicago (US) para uma ciclo de palestras e uma pesada e pestilenta atmosfera exalava dos abatedouros (a pioneira indústria de carnes americana) e fora percebida com muito desagrado pelos dois pretensos clarividentes. Entretanto, anos mais tarde, ao estudar os verdadeiros escritos de sábios hindus notei que falavam de algo bem distinto do "vegetarianismo" cujas linhas gerais era propugnado por correntes da "Nova Era", tratando-se antes da distinção entre alimentos tamásicos, rajásicos e sattwicos, isto é, aqueles em que predominam cada uma das três "gunas" ou "modos do Ser" que teosofistas entendem de forma mais restrita como qualidades da matéria (um princípio de inércia (tamas), atividade (rajas) e equilíbrio (sattwa)). O que os Rishis e Iogues hindus advogavam era a proposição de que, no início da sua senda, era aconselhável (senão impositivo) ao "Lanu" (discípulo) que substituísse comidas mais "pesadas" (tamásicas) como a carne (ou a ingestão de bebidas alcoólicas) outras de ter mais "leve", verduras, legumes e mesmo leite ou queijos. E este era um caminho prescrito não para toda a sociedade mas apenas para uma pequena fração que percorre através dessas práticas o seu caminho espiritual. Nesse sentido, aliás, não é uma regra muito diferente de outras tradições espirituais.
A raiz profunda de qualquer tese vegetariana (em que pesem as patuscadas ridículas da "Nova Era") é a objeção decidida à dor infligida a qualquer animal senciente; um princípio não só do ensinamento oriental mas presente - em maior ou menor grau e mais explícito em algumas que em outras - na maioria das perspectivas religiosas. No primeiro linha (a oriental) é traduzido em "Ahimsa", ou "não-violência". No budismo, em "compaixão" (também um dever cristão), ou profunda atenção a todos os que sofrem. Mas será que os ativistas dos "direitos dos animais" e os arruaceiros que se juntaram àquela ação pontual agiram com plena compaixão e não fizeram com que alguém sofresse? Será que no estágio atual de desenvolvimento da sociedade a pesquisa de novos e úteis medicamentos (não falo de cosméticos, pressuponho generosamente que a Luísa Mell não os utiliza) já pode prescindir do emprego de cobaias? Em segundo lugar: o ato perpetrado pelos manifestantes também não carrega enorme dose de violência? Digo isto, não só por pelo fato de equipamentos terem sido equipamentos como também por concorrer para o aumento da dor e sofrimento futuro em incontáveis pacientes?.
Fica aqui minha modesta contribuição ao debate.