Compondo um alentado volume de 400 páginas recheadas de dados históricos, informações geopolíticas, considerações de fôlego sobre estratégia militar, análises exaustivas e precisas dos equipamentos aéreos, terrestres e marítimos envolvidos nas operações e preciosas explicações sobre a engenharia militar e esquemas logísticos por trás da movimentação de tropas, armas, munições, tanques e veículos no front Leste, o livro representa uma primorosa peça de literatura militar. Mas qual é sua tese principal? Simplesmente a de que a URSS, sob comando de Stálin (que nada tinha de ingênuo, como popularizado pelos almanaques e professores de história do Ocidente e ideológos soviéticos) não foi vítima de uma "traição" de Hitler, o que contraria a versão oficial dos aliados e seus amigos soviéticos de a liderança alemã jogou na lixeira as cláusulas do Pacto Molotov-Ribbentrop, desencadeando,
em 1941, a sorrateira operação "Barbarossa" contra o império soviético.
Sátira ao Pacto Hitler-Stálin |
Antes de que o acusem de fazer apologia ao nazismo ou à figura do também Tirano Adolf Hitler, Suvorov , um patriota russo, posiciona-se ainda no prefácio como alguém profundamente convictos das similitures entre os dois governantes que disputavam o controle do mundo na primeira metade do século XX. Curiosamente, até nos gostos eram semelhantes, para não dizer iguais. Uniformes semi-militares, paradas gigantescas, desfiles pomposos e magistralmente orquestrados, o pendor a sufocar e matar ardilosamente inimigos reais ou não, a mesma bandeira vermelha. Dois radicalismos, diametralmente opostos na aparência mas representando táticas inteligentemente adaptadas pelos poderes do Mal absoluto como este "blogueiro" costuma dizer.
Para sustentar sua tese o autor tem o dom de unir lógica elementar e depoimentos de militares e políticos soviéticos e alemães que, até muito recentemente, mofavam nos arquivos da KGB ou foram propositalmente olvidados por aqueles que escreveram a história recente. Ao contrário de um Stálin temeroso e indeciso com relação ao que fazer quando da invasão nazista, o "Grande Líder" (grande mesmo, muito maior que o Führer germânico em astúcia e inteligência) havia preparado meticulosamente o maior arsenal bélico jamais visto na história da humanidade e fabricado com incrível celeridade equipamentos militares mais velozes e adequados ao ataque (não à defesa) em todo o mundo de então. Tanques anfíbios ou gigantescas divisões de tanques com os KV e T-34, aviões bombardeiros (dos quais a Alemanha não tinha um exemplar sequer) ao estilo dos Douglas americanos que bombardearam Hiroshima e Nagazaki, poderosas flotilhas em parte montada na URSS ou importada de nações "amigas" estacionada em rios de importância estratégica capital como o Dnieper, mais de um milhão (sim, um milhão) de pára-quedistas treinados secretamente e, naturalmente, com objetivo de serem lançados em um ataque rápido e fulminante à Alemanha.
O livro desconcerta o leitor ao apelar para o óbvio: por que não se admitir que a Alemanha, mesmo que sucumbisse a qualquer surto de loucura suicida, poderia se envolver em uma guerrra que colocasse contra ela quase todos os países do mundo e, entre eles, as maiores potências industriais e militares da época. È esta uma questão sobre a qual se detém Suvorov, comentando o objetivo real e cristalino do tratado Hitler-Stálin (manhosamente apelidado de "pacto Molotov-Ribbentropp pelos partidários da retórica "humanitarismo soviético"):
"Em 23 de agosto de 1939, a Alemanha e a União Soviética assinaram em Moscou um acordo sobre a destruição do estado polonês e a divisão de seus territórios. A Polônia tinha acordos de assistência mútua com a França e o Reino Unido; portanto, o ataque da União Soviética e da Alemanha conduziu toda a Europa – e naturalmente o mundo – à guerra. De fato, oito dias depois, em 1º de setembro de 1939, estourou a segunda guerra mundial. Era o resultado direto e inevitável do acordo feito em Moscou".
"O acordo entre União Soviética e Alemanha é tradicionalmente chamado pacto Molotov-Ribbentrop, o que induz a confusões e não reflete bem a essência do que aconteceu. O pacto, assinado em Moscou, foi um complô entre Hitler e Stálin para conduzirem juntos uma guerra agressiva na Europa. Portanto, esse documento era um pacto Hitler-Stálin".
"(...) Entretanto, oito dias após assinar o pacto de Moscou, Stálin o violou. Hitler iniciou uma guerra de agressão contra a Polônia, na esperança de que seu aliado, Stálin, tivesse a mesma atitude. Porém, Stálin enganou a Hitler. Em 1º de setembro e nas duas semanas subseqüentes, as tropas soviéticas posicionaram-se nas vizinhanças da fronteira polonesa, sem atacar nem invadir. A explicação que o governo soviético deu ao parceiro alemão foi que ainda não era o momento de o Exército Vermelho entrar em ação. O resultado é que a Alemanha levou a culpa toda de ter iniciado a guerra, à custa de Hitler e seus seguidores; Hitler e seus generais entraram para a história mundial como a causa principal e única da Segunda Guerra Mundial. A Polônia foi dividida, não na Chancelaria Imperial, nas no Kremlin. Hitler nem estava presente, mas Stálin estava. E Hitler ficou com a responsabilidade de ter iniciado a guerra, enquanto Stálin, não. Stálin entrou para a história como vítima inocente, libertador da Europa".pg. 138.
Stálin traiu Hitler e não o inverso. Infelizmente, muito tarde para que pudesse sobreviver, Adolf Hitler viria a admitir a cruel cilada que lhe fora preparada pelo georgiano no Pacto de Moscou, pois, a grosso modo
"(...) a invasão da Polônia pelas tropas alemãs teve outras conseqüências: em 3 de setembro de 1939, a Grã Bretanha e a França declararam guerra à Alemanha. Logo no terceiro dia, a Alemanha envolveu-se em uma guerra de duas frentes; ou seja, começou em desvantagem. Já que a Alemanha praticamente carecia de matéria-prima estratégica, uma guerra em duas frentes seria fatal para ela". Pg. 139.
O corolário da "quebra de acordo" por parte da URSS foi apressar o desenvolvimento de um cenário estratégico há muito tempo simulado nos jogos de guerra dos generais soviéticos: uma Alemanha pressionada pela Inglaterra e Estados Unidos, engalfinhando-se em uma pugna atroz na frente leste que levaria não só a ela – mas aos odiados capitalistas do Oeste – à exaustão, preparando-se o terreno para uma futura invasão do Exército Vermelho. O desdobramento imediato do Pacto Hitler-Stálin – a julgar por suas implicações políticas após Stálin revelar seu jogo – só poderia ser a guerra relâmpago.
Como aduz Suvorov:
"O resultado do pacto assinado em Moscou, em 1939, é que Stálin conseguiu a guerra – a guerra que ele desejara, planejara e preparara durante longo tempo. As nações da Europa Ocidental mergulharam em uma guerra destruidora, mas a União Soviética permaneceu neutra. Agora, Stálin poderia esperar a exaustão total e a autodestruição da Europa central e ocidental. Hitler adivinhou as intenções de Stálin e, em 1941, súbita e quase fatalmente, atacou a União Soviética. Nessa situação crítica, Stálin recebeu ajuda gratuita dos Estados Unidos e da Grã Bretanha, uma ajuda que em volume e quantidade não teve precedente histórico. Ao mesmo tempo, o papel soviético na eclosão da guerra foi rápido e totalmente esquecido. No cômputo final, a Polônia, por cuja liberdade as nações da Europa ocidental haviam entrado na Segunda Guerra Mundial, não ganhou a liberdade – mas foi entregue, juntamente com toda a Europa central e parte da Alemanha, ao controle de Stálin".
Pilotos soviéticos na Batalha de Khálkhin Gol |
Muito oportunamente, o texto de Suvorov recorda ao leitor quem foi, aliás, o pioneiro da "Blitzkrieg". Adivinhem? Sim, Joseph Stálin.
A primeira Blitzkrieg da história foi realizada Em Khalkhin-Gol, na Mongólia, onde foi destruído o 6º Exército Japonês. Seus resultados foram silenciados na grande imprensa para que fossem melhor empregados como tática soviética de dissuasão dos verdadeiros objetivos expansionistas do país. Como relata Suvorov:
"A operação em Khálkhin-Gol foi brilhantee em planejamento e execução. Jukov arriscou-se bastante, mas de forma justificável. Ele ordenou que as bases do ar chegassem o mais perto possível das linhas de frente, o que permitia aos aviões levarem menos combustível e mais bombas. A intensidade do ataque por ar cresceu: os aviões decolavam e, mesmo antes que atingissem a altitude de cruzeiro, descarregavam as bombas, voltavam rapidamente, recebiam mais bombas a bordo e repetiam o processo. Quando os tanques soviéticos já tinham avançado bastante, a aviação pôde apoiá-los sem deslocamentos das bases. Jukov levou hospitais e bases de provisões à linha de frente, com munição e combustível; o que fosse necessário para a batalha era transportado de forma rápida e eficiente. (...) Durante os preparativos dessa ofensiva, Jukov proibiu quase todo o uso das comunicações por rádio, elas eram feitas apenas pelos dois que conversavam".
"Khálkhin-Gol foi a primeira guerra relâmpago do século XX; uma blitzkrieg em sua mais pura forma. Trata-se da primeira vez na história em que grandes unidades de tanques foram usadas corretamente: para ataque em profundidade. Foi o grande exemplo de concentração invisível de artilharia em áreas restritas da linha de frente. Também foi um exemplo de ataque totalmente surpresa; nos primeiros 90 minutos de batalha, a artilharia japonesa não disparou um único tiro nenhum avião japonês apareceu no céu". Pg. 143
Um comentário:
Muito interessante...
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