Gurdjieff

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quinta-feira, julho 26, 2012

Cientologia - Definição e Principais Conceitos (Parte I)


A entidade superior é o thetan. O thetan é a pessoa. Você é você num corpo”.


Edifício da Igreja da Cientologia - Los Angeles, California.
O episódio recente da separação de Tom Cruise trouxe novamente à baila os questionamentos sobre o que é ou o que pretende a cientologia. Toneladas de material de péssima qualidade sobre o tema já foi despejado na mídia, fruto de rápidas pesquisas no Google efetuadas por mentes levianas. Como um observador externo e imparcial, gostaria de apresentar ao leitor idéias-chave do pensamento de Lafayette Ron Hubbard, introdutor da Dianética, de Dia (através de) e Nous (mente) e da Cientologia. Ao contrário da enredo estapafúrdio divulgado por uma multidão de irresponsáveis as propostas da cientologia contam com coerência interna e perspectiva ética. Apresento neste blog um resumo do que é cientologia e alguns conceitos-chave com base nos livros  “Scientology. Os fundamentos do pensamento - o livro básico da teoria e prática de scientology para principiantes ” e "Dianética, a evolução de uma ciência”., ambos publicados pelo filósofo L. Ron Hubbard pela Bridge Publications,  Los Angeles, em 2007.


Cientologia - Definições

Cientologia é o “o estudo e tratamento do espírito em relação a si mesmo, universos e outras formas de vida”. As pessoas são processadas (exercitadas) em cientologia com exercícios de Scientology, podendo ser curadas de uma série de pessoas doenças psicossomáticas (doenças físicas, causadas pela mente ou espírito). Advoga-se que elas podem tornar-se mais inteligentes, despertas e mais competentes. Seu primeiro princípio formula-se assim: “é possível conhecer a mente, o espírito e a vida”.

A base da cientologia é o “ciclo-de-ação” que, em aparência, toma a forma de criação-sobrevivência-destruição. Porém, não existe “destruição” para a cientologia mas apenas “criação”. “Destruir” uma casa envolve uma criação, isto é, a criação de uma casa arrasada. O correto seria dizer que o ciclo possui a seguinte configuração:

Criar – fazer, manufaturar, construir, postular, trazer à existência = criar
Criar-criar-criar = criar de novo continuamente em um momento após o outro = sobreviver
Criar-contra-Criar = criar algo em oposição a uma criação = criar uma coisa e depois criar outra coisa em oposição a ela – Destruir.
Não-Criação – ausência de qualquer criação (nenhuma atividade criativa).

A utilidade da teoria vincula-se ao fato que ela se resume a duas opções: criar e saber o que se está a criar ou criar e não saber o que se está a criar, sendo sempre errado iniciar uma nova criação para contrapor à antiga criação. Quando faz isso, ela obtém confusão e caos.

As condições de existência são três: ser, fazer e ter. SER é a “assunção de uma categoria de identidade”, ou o papel num jogo. FAZER define-se como ‘ação, função, concretização, realização de objetivos, alcançar um propósito ou qualquer mudança de posição no espaço”. TER compreende-se como “ser dono de algo, possuir, ser capaz de comandar, posicionar, tomar a seu cargo objetos, energias ou espaços”.

"O jogo da vida exige que se assuma uma beingness (Ser) para se ser capaz de realizar uma doingness (Fazer) em direção a uma havingness (ter)"

O indivíduo não é tratado em cientologia como um Eu isolado. Ele se insere em oito dinâmicas que são impulsos (pulsões, ímpetos) na vida. As capacidades e fraquezas dos indivíduos podem ser compreendidas pela observação de sua participação nestas oito dinâmicas, que são os impulsos para a existência como indivíduo, como atividade sexual, em grupos de indivíduos, como a Humanidade, no reino animal, no universo físico, como espíritos ou de espíritos e, por fim, como o infinito.
Outro aspecto da cientologia é o chamado “Triângulo ARC”, a chamada “pedra angular das associações vivas. Este triângulo é o denominador comum de todas as atividades da vida”, realacionando afinidade (A), realidade (R)e comunicação (C), propiciando a compreensão.

Triângulo A-R-C. Fonte: http://www.scientologycourses.org/pt/
Afinidade é “a consideração de distância, quer seja boa ou má”. Sua função mais básica seria a capacidade para ocupar o mesmo espaço que outra coisa ocupa. A partir do critério de afinidade define-se os vários tons emocionais, que vão desde o mais alto até o mais baixo o que dá dá origem à uma “escala do tom”, que vai da serenidade à apatia. Abaixo de Apatia, aumenta o grau de solidez (matéria), devendo-se ter em conta que a afinidade é "composta primeiro de pensamento, emoção e partículas de energia, comportando-se como um sólido”.

O segundo ângulo, a realidade, entende-se em cientologia como “aquilo que parece ser” e o que se acordar ser real é real. A comunicação, terceiro vértice do triângulo é o verdadeiro “solvente universal”. Operando conjuntamente os três elementos geram  “compreensão”. A comunicão, diga-se ainda, é o ponto de que parte todo o resto, pois:

Se não houver um elevado grau de afeição e se não houver algumas base de acordo, não há qualquer comunicação. Sem comunicação e alguma base de resposta emocional, não pode haver realidade. Sem alguma coisa para acordo e comunicação, não pode haver afinidade. Assim sendo, nós chamamos a estas três coisas m triângulo. A menos que tenhamos dois vértices de um triângulo,não pode existir um terceiro vértice. Ao desejar qualquer


A Vida como um Jogo

Para a cientologia a vida é um jogo e envolve interesse, competição, atividade e posse. Este jogo consiste de liberdade, barreiras e propósitos e quando a relação entre a liberdade e as barreiras desequilibra-se até certo ponto, o resultado é uma infelicidade. Segundo Ron Hubbard:
Fixo em demasiadas barreiras, o Homem anseia ser livre. Porém, quando colocado em total liberdade, ele fica sem qualquer propósito e infeliz”.

O homem não deve ser passivo mas deve tomar parte da vida. Este é um quadro de “determinação das atividades de dois ou mais lados num jogo simultaneamente”. Em outras palavras, “Um ser é Pandeterminado em relação a qualquer jogo ao qual ele seja superior. Em um jogo em que é subordinado, ele é Autodeterminado”.

Na “armadilha” derivada da ausência de barreiras passa a operar o ciclo da vida aparente (Criar-Sobreviver-Destruir). Ao considerar todas as restrições e barreiras seus inimigos, o homem recusa-se a controlá-las e sucumbe a barrreiras. As restrições tornam-se aparentemente menores mas na verdade aumenta enquanto a libertade diminui, ficando a vida insípida, caótica, aleatória e desprovida de propósitos. O exemplo da revolução francesa cabe aqui. Resolveu-se tomar o poder de nobres que tornaram-se autoderminados em relação à sociedade e foram massacrados no jogo. A destruição das instituições (eliminação das barreiras), ao invés de criar liberdade instalou os fundamentos do Terror e da morte... Como um componente na fórmula é adicionado, entretanto, o livre arbítrio ou a escolha do indivíduo em participar ou não do jogo.

Ainda no terreno dos jogos, o que são problemas? Todos falamos de “problemas”, muitas vezes sem saber o que realmente quer dizer o termo. Problemas se verificam quando dois ou mais propósitos se confrontam. Paradoxalmente, não é “ruim” tê-los. Para os cientologistas, testes reais, evidenciaram que a pessoa começa a sofrer de problemas quando não os tem em número suficiente. Algo terapêutico que auxiliaria o homem a equilibrar-se seria pedir ao homem que “invente problemas” um após o outro, tornando-o “Pandeterminado quanto aos problemas em vez de estar num lugar com todos os problemas contra ele.

Espírito, Mente e Corpo

A Cientologia diferencia o espírito da mente e o corpo, afirmando sua contribuição pioneira para a humanidade quanto ao “isolamento, descrição e tratamento do espírito humano”, o que foi “(...) realizado em julho de 1952 em Phoenix, Arizona, onde eu (Hubbard) estabeleci por meios científicos (ao invés de mera crença) que: a coisa que é a pessoa, a personalidade, pode ser separada do corpo e da mente, voluntariamente, e sem causar a morte do corpo ou distúrbio mental”.

O espírito (Thetan) “não tem massa, comprimento de onda, energia, tempo ou localização no espaço, exceto por consideração ou postulado” Ele não pode ser considerado uma “coisa”, mas um criador de coisas, residindo habitualmente no crânio ou na proximidade do corpo. Um thetan pode deteriorar-se ou a “qualquer momento, retornar à plenitude da sua capacidade. Como ele associa beingness com massa e ação, ele não considera que tem uma identidade ou um nome individual a não ser que esteja ligado a um ou mais jogos da vida

Embora isso seja difícil de compreender para um iniciante em cientologia, um thetan poder estar numa de quatro condições (sendo condição “ótima” a segunda):

1. Separado de um corpo ou até do universo;
2. próximo do corpo e controlar conscientemente o corpo;
3. dentro do corpo (o crânio)
4. condição invetida em que estaria compulsivamente afastado do corpo e sem poder aproximar-se deste.

Uma das muitas metas do processamento (atividades a que se submete um “clear”, aquele que se propõe a ter uma mente ótima) em Scientology é “exteriorizar” o indivíduo, colocando-o na segunda condição acima (próximo de um corpo e a controlar conscientemente uo corpo), visto que se descobriu que ele está mais feliz e mais capaz quando está situado aí.
E como é concebida a mente? Ela é tida como “um sistema de comunicação e controle entre o Thetan e o seu ambiente”. Esta “mente” tem três divisões principais: mente analítica, mente reativa, mente somática. Em suma:

a) A mente analítica é aquela que “combina percepções do ambiente imediato, do passado (através de imagens) e estimativas do futuro, para gerar conclusões que são baseadas nas realidades das situações" com a "cognoscência potencial do thetan com as condições do seu ambiente e leva-o a formar conclusões independentes”;
b) A mente reativa que se comporta como um “mecanismo de estímulo-resposta e nunca pára de operar, atuando abaixo nível de consciências. É uma mente de estímulo-resposta. Sua capacidade de extrair conclusões racionais é pobre sendo a fonte dos “impulsos aberrados”, ou peculiaridades da personalidade como a excentricidade, neuroses e psicoses. Ela “armazena todas as coisas más que aconteceram a um indivíduo para mais tarde lançá-las de novo contra ele, em momentos de emergência ou perigo, de modo a ditar as suas ações de acordo com linhas que anteriormente foram consideradas 'seguras'”. Ela é totalmente literal na sua “interpretação” de palavras e ações;
c) A mente somática, mais “pesada” por não conter “pensatividade” mas apenas “atuação”. Os impulsos colocados sobre o corpo pelo thetan atingem níveis voluntários, involuntários e glandulares, sendo que este tipo de mente está sujeita a aos dois tipos de mente imediatamente acima dela e ao thetan. As doenças “psicossomáticas” residem neste nível, pois o thetan (espírito) não tem consciência dos mecanismos de transmissão da mente analítica contra o corpo, afetado diretamente pelo conteúdo estímulo-resposta da mente reativa. Uma doença psicossomática é causada pelas percepções recebidas na mente reativa durante momentos de dor e inconsciência.

Em sua obra, “Dianética, a Evolução de uma Ciência”, detendo-se um pouco mais sobre a mente reativa (a grande descoberta da dianética), L.R. Hubbard concluiu que “ela pensa em termos de identidade. É uma mente de estímulo-resposta. "As suas ações são determinadas exteriormente. Não tem livre-arbítrio. Esta apresenta dados de dor física durante momentos de dor física, numa tentativa de salvar o organismo. Desde que suas ordens e comandos sejam obedecidos, ela retém a dor física. Mal o organismo comece a ir contra os seus comandos, ela inflinge dor”.

A mente reativa alimenta seu próprio banco de dados composto por “engramas” (um conceito crucial em cientologia) e seus locks. “Um engrama é simplesmente um período de dor física em que o analisador está fora de circuito e o organismo experimenta algo que concebe ser, ou que é contrário, à sua sobrevivência. Só se recebe um engrama na ausência de poder analítico”. Dito de outro forma, recebe-se um engrama quando se está inconsciente, sendo “inconsciência designada pela palavra “anaten” (atenuação analítica , do inglês analytical atenuation).

Há, portanto, “energia mental”, embora mais fina e de um nível superior. E a cientologia afirma ter feito testes conclusivos de que um thetan ao criar quadros de imagem mental e inseri-los no interior do corpo pode aumentar a massa deste.

O corpo, ultimo elemento da “unidade humana” tem caráter “estrutural” e o que há de mais interessante em cientologia é sua ênfase na existência de um “um campo elétrico fixo em torno do corpo, totalmente independente mas influenciável pela mente humana”. O corpo existe em um “espaço (que) é criado por pontos-âncora (pontos que estão ancorados num espaço diferente do universo físico à volta de um corpo).  Desse modo, “o corpo não é apenas influenciado pelas três mentes, este também é influenciado pelo seu próprio campo elétrico”.

Todos os postulados da Cientologia sobre o Espírito (thetan), a Mente e o corpo são lastreados em testes empíricos. A Cientologia não se arvora em algo independente da ciência que tem como estranhos os métodos tradicionais de pesquisa. Mas existe também uma Para-Cientologia, que “inclui todas as incertezas e áreas desconhecidas da vida que até agora não foram completamente exploradas e explicadas”. Independentemente disto, alguns fatos são amplamente conhecidos:

  1. O próprio indivíduo é um espírito a controlar um corpo através da mente.
  2. O thetan é capaz de criar espaço, energia, massa e tempo.
  3. O thetan é separável do corpo sem o fenômeno da morte e pode manejar e controlar um corpo estando bem exterior a este.
  4. o thetan não está interessado em lembrar-se da vida que acabou de viver, depois de ter partidodo corpo e da mente.
  5. uma pessoa que está a morrer exterioriza-se sempre.
  6. a pessoa, tendo exteriorizado, geralmente volta a um planeta e obtém, normalmente, outro corpo do mesmo tipo de raça que a anterior.

O thetan é imortal e não experimenta a morte, apenas a simula com o “esquecimento”. Ele vive novamente e “está muito ansioso por colocar algo na linha do tempo (algo para o futuro) para que tenha algo ao qual regressar”. Isto não só explica as ansiedades sexuais como sugere que o que se cria durante a vida nos afeta na próxima vida.  

quarta-feira, julho 18, 2012

Em Defesa da Cientologia - O Caso Tom Cruise

"A missão de Scientology não é a conquista - é a civilização. È uma guerra contra a estupidez, a estupidez que nos conduziu à última guerra de todas.
Para um Scientologist, o verdadeiro barbarismo da Terra é a estupidez. Somente no lamaçal negro da ignorância é que podem germinar os conflitos irracionais das ideologias".

L. Ron Hubbard. Scientology - Os Fundamentos do Pensamento.





Lafayette Ron Hubbard - Criador da Cientologia e da Dianética


Muito raramente assisto televisão. Hoje estava aguardando minha vez para ser atendido no consultório médico e me surpreendi com as declarações sobre a cientologia na TV de alguém que deve tê-las colhido no "tesouro informacional" que é o Google. Como era de se esperar, o episódio foi exibido no programa de Ana Maria Braga na Globo. O "especialista" em questão apenas se esqueceu de dizer que as obras cientológicas são editadas em Los Angeles, California, em várias línguas. Não é possível "baixá-las" na internet nem encontrá-las integralmente reproduzidas em sites. Suas traduções em língua portuguesa são sofríveis (deduzo que por excessivo zelo da sede americana) e difíceis de entender, sendo  preferível adquirir os volumes em inglês. Portanto, lixo eletrônico já foi escrito aos montes sobre o assunto, sem qualquer respaldo no que foi produzido de próprio punho ou anotado a partir das gravações originais das conferências de Laffayette Ron Hubbard, fundador e também criador da "dianética", a precursora da cientologia.
Este é o caso do superficial comentarista que se contenta em repetir à exaustão o que deve ter lido na Wikipedia (este depósito on line de opiniões indigentes e divergentes). Considerar que a emigração de almas para o planeta Terra (após devastador ataque com a bomba H deslanchado pelo tirano intergalático Xenu) é mais improvável que alguém ter morrido na cruz e ressuscitado é o mal de todo aquele que estupidamente confunde alegorias com narrativas históricas. Neste ponto, o indivíduo fanatizado não difere do ateu libertino e irreligioso, como diria a Senhora Helena Blavatstky. Quanto à veracidade da cosmogonia cientológica ou da sua versão propagandeada na WEB pouco se pode afirmar, pelas razões apontadas em parágrafo anterior (as estórias divulgadas não se encontram em nenhuma publicação acessível mas povoam a verborragia de alguns dissidentes do ramo principal da cientologia). 
Foto do Centro de Testes da Cientologia. Hollywood Boulevard, L.A. CA. Aqui fiz os testes cientológicos em 18/02/2012. Foto própria. 18/02/2012
Do ponto de vista religioso, se o "mito de Xenu" possuir qualquer credencial quanto à fonte (Ron Hubbard), devemos convir que ele é tão válido quanto qualquer outro nos limites da sociedade atual. Ouso dizer que em nada fica a dever a outros mitos de criação, pois impregna com corte análogo uma série de idéias propagadas por correntes da Nova Era. Logo, beneficia-se de uma "base antropológica" a sancioná-lo (por mais anedótica que seja a necessidade da contratação de um profissional especializado - preferencialmente por dispensa de licitação - para elaborar um parecer sobre o que é ou não é religião).


Prédio da Cientologia (Highland-Hollywood L.A. - CA). Foto própria. 18/02/2012
Pois bem, pode-se discordar da cientologia mas ela nada tem a ver com a versão estilizada de "Star Wars" que a TV brasileira vem difundindo. Lafayette Ron Hubbard publicou inúmeros livros com suas próprias pesquisas sobre a possibilidade de se conhecer o homem, o espírito e a vida e tive a oportunidade de ler alguns deles. Já conversei com membros da cientologia em Los Angeles e conheci de perto alguns de seus instrumentos de medição do nível de stress, familiarizando-me com certos conceitos que me soaram pertinentes. Aprecio a forma como a cientologia enxerga o homem e  seu enfoque grupo versus indivíduo. Menospreza-se muito os escritos de Ron Hubbard, que são equiparados a "desvarios" mas, na verdade, muitos não admitiriam que a moderna teoria dos jogos, a física quântica ou a cosmologia são extravagantes, mas ao voltarem-se contra os métodos da cientologia (a eficaz relação auditors x preclears, por exemplo) os mesmíssimos algozes se mostram unânimes em classificá-los como inaceitáveis. Willhem Reich também foi considerado um charlatão e louco ao defender suas teses sobre o orgone e construir máquinas para acumulá-lo, quando tão somente descobriu a força de Kundalini (o fogo serpentino dos hindus que sobe pela base da coluna) por meios próprios. 

Hollywood L.A. Meca da Cientologia. Foto própria. 18/02/2012
De fato, muitos dos críticos da cientologia ou sequer compulsaram um texto introdutório ao assunto ou, então,  rejeitaram a advertência onipresente na apresentação de cada uma de suas obras no sentido de não se prosseguir a leitura se uma só palavra não for corretamente entendida. Pouco se valorizam contribuições originais a respeito do parto doméstico (pelos traumas que as técnicas "atuais" causam nos bebês), da superação de neuroses apagando engramas, da educação das crianças e do aumento da capacidade do indivíduo em obter sucesso nos "jogos da vida" através do trabalho sobre a chamada "mente reativa" e das relações entre o "beingness", "doingness" e "haveness" (o ser, fazer e ter). Ignora-se propositalmente ensinamentos de como o indíviduo pode situar-se em relação à "escala do tom" (uma relação de afinidade decrescente que varia desde a "serenidade" no topo à "apatia", na base) evitando a descida contínua na materialidade e à situação em que os contatos se dão à base de balas ou bombas H . O grau de afinidade (a "escala do tom") mais a realidade (aquilo que é acordado e, portanto, real) e comunicação formam um triângulo que é a "pedra angular das associações vivas", o Triângulo A-R-C (Afinidade-Realidade-Comunicação), que não é equilátero, pois a Comunicação representa seu lado maior. A capacidade de comunicar-se é um ponto fundamental do pensamento cientológico, produzindo afinidade e realidade entre pessoas e grupos maiores. Como então desdenhar de uma "seita" que confere tanta importância à comunicação - base da Paz - em uma Era de conflitos irracionais que colocam em risco a vida no Planeta Terra? Eis mais um aspecto das idéias de Ron Hubbard propositalmente negligenciado pelos comentaristas de plantão.

                   Tom Cruise, cientologista, comemorando o novo filme "Rock of Ages". Êxito material e  busca da "super-humanidade" contrariam uma sociedade que cultua a derrota.
Pior ainda: o velho Ron é usado por "gurus" (entenda-se bem, impostores) de auto-ajuda sem ser citado. Esta é uma típica estratégia oportunista: vilipendia-se um determinado autor ao tempo em que sua obra é expropriada e, com um pouco de maquiagem, reproduzida com outra assinatura. É inadmissível comparar um polígrafo, físico nuclear e novelista profícuo com diversos de seus críticos, pessoas de nível mediano e formação porosa. É ainda mais fácil criticar quem adota padrões elevados de vida e não se engaja nos jogos mesquinhos e torpes da contemporaneidade. Falar de Homens e mulheres que aspiram tornar-se Deuses é um sacrilégio indesejável no planeta do deboche e da sensualidade abjeta. 
Os filiados à cientologia buscam seu aperfeiçoamento, a superação de suas limitações. Nisto não diferem de outros "crentes", mas seus métodos são mais rigorosos e testados.  Em minha opinião como alguém externo ao grupo, entendo por "superação" o estabelecimento de controles mais rígidos sobre os veículos físico, mental e emocional, o que proporciona a cristalização de um "Eu Superior", aquele núcleo perene que conserva a memória ao longo do fio das existências. Este não é um vocabulário típico da cientologia mas nos auxilia a compreender melhor o que os adeptos desta "religião" almejam. Não é algo muito diferente do que pregam os cristãos, budistas ou advogam os hinduístas e sufis muçulmanos. È apenas o "refinamento da alma". 
Alguém que cultiva a espiritualidade pode ser visto como metódico ou aborrecido, seja ele um cristão, budista, cientologista ou o quer que seja.  Ele não é alguém que arreganha os dentes levianamente, entretém-se com intrigas fortuitas, gosta de bebidas e farras ou é afeito à vida social. Esta pessoa não se interessa pela malevolência alheia ou está preocupada em parecer "normal", ajustando-se a regras societárias que contrariem seus próprios objetivos. A cientologia define um jogo com uma combinação de elementos como liberdade, barreiras e propósitos. Seu participante (ao menos aquele que tem nível elevado de "Beingness"-SER e conhece seu papel)  quer obter resultados neste jogo, muito embora respeite outras dinâmica da vida além daquela do seu próprio EU. Este é um comportamento extravagante para o padrão dominante. Aliado ao êxito material,  configura-se como odioso para uma sociedade aferrada dramaticamente à derrota. 
As luzes que a imprensa e seus parvos articulistas lançaram sobre a recente separação do ator Tom Cruise trazem à tona uma evidente e pavorosa ignorância sobre o que preconiza a cientologia. A bolha de sabão explode ao mínimo contato com a realidade por meio da observação das próprias atitudes do artista e seu sucesso profissional. Contra fatos não há argumentos, apenas ódio cego e artimanhas da velha serpente sob a forma do pecado da inveja.

Viva Tom Cruise, John Travolta e Ron Hubbard!

quarta-feira, julho 04, 2012

Adolf Hitler elogiando Stálin


“Stalin é uma das figuras mais extraordinárias na história mundial. Ele começou como um pequeno clérigo, e nunca deixou de sê-lo. Stálin nada deve à retórica. Ele governa tudo de seu escritório, graças à burocracia que obedece a cada movimento e gesto seu”.

HITLER, Adolf. Hitler's table talk 1941-1944. Introduced and with a new preface by hugh trevor-roper. New York: Enigma Books, 2000.



quarta-feira, abril 11, 2012

Pedro Nava e a Maçonaria em Juiz de Fora

Pedro Nava foi um médico e escritor natural de Juiz de Fora, pioneira cidade industrial que ganhou o merecido epíteto de "Manchester Mineira". No livro "Baú de Ossos" descreve com elegância e bom humor a percepção de algumas pessoas no início do Século XIX sobre a Maçonaria e os maçons na cidade. Transcrevo para apreciação dos interessados dois divertidos parágrafos traçados pelo imortal juizforano.


TRECHO


Foto da antiga Loja Maçônica Fidelidade Mineira, fundada em 1848.
A oficina atual ocupa um andar em prédio mais moderno.
Ouvi pela primeira vez a palavra greve – dita por uma das minhas tias, tão baixo e com um ar de tal escândalo, que pensei que fosse uma indecência igual às que tinha aprendido no Machado Sobrinho, e corei até as orelhas. Mas pior, muito pior que as fábricas onde os descontentes queriam ganhar mais do que precisavam; pior que o Cinema Farol e a Politeama onde se tentavam timidamente os ensaios precursores da bolina (o Politeama viu o primeiro mártir dessa arte nacional desmaiar de dor na sua platéia; marido furibundo lhe empolgara com um alicate dedo da mão audaciosa que se insinuara nas anáguas da mulher, para apertá-lo tão duramente e em tão demorado silêncio que ficaram esmagadas as carnes e quebrados os ossos do moço advogado), pior que os bordéis, pior que os colégios leigos e que o desaforo do colégio metodista para meninas, pior que a Cervejaria Weiss animada por Brant Horta, Amanajós de Araújo e Celso D’Ávila com guitarras, descantes, declamação de versalhada e as chegadas dos tílburis carregados de “mulheres-damas” – era a maçonaria. Sua loja ficava em plena rua Direita, entre as do Imperador e da Imperatriz, como desafio permanente ao clero diocesano e aos cristãos-novos e velhos do alto dos Passos.

Para cólera-que-espuma da sogra (“Cachorrão”! Coitada da minha filha...”), repugnância das cunhadas (“Pobre de nossa irmã, casada com bode preto!), consternação de minha Mãe (“Nossa Senhora, que pecado!) e escândalo da cidade (“Pobre moça! Também casar com nortista...) e animado por nosso primo Mário Alves da Cunha Horta, pedreiro-livre emérito, meu Pai ousara tripingar-se! Primeiro, cavaleiro da rosa-cruz. Depois da águia branca e negra. E freqüentava noitantemente a casa maldita, sempre escura, de janelas e portas herméticas. Lembro-me bem quando lhe passava em frente, com minha Mãe, ela descrevia uma curva prudente, largava o passeio e tomava a sarjeta para distanciar-se dos óculos gradeados do porão onde, diziam, havia um negro caprino cevado com carne podre de anjinhos e cujo bafo enxofrado era fatal.

Era de arrepiar ouvir o Mário descrever as cerimônias iniciáticas daquele oriente... Nada, absolutamente nada se comparava aos horrores por que ele tinha passado. Pura brincadeira o que o Tolstoi descrevia na Guerra e Paz. Pilhéria, água com açúcar, o que Alexandre Dumas traçava no José Bálsamo. Ele mesmo, Mário, filho do Coronel Chico Horta e D. Regina Virgilina, ali, em Juiz de Fora, depois de provações tremendas, de contatos cadavéricos, de ordálias de gelo, fogo, escuridão e vácuo, exausto, sentira-se finalmente arrebatado pelos cabelos, pelas orelhas, e esfocinhado à beira de um vórtice profundo. Os olhos, vendados, pés e mãos lhe fugindo na ribanceira movediça. E o vento. Em rodamoinhos, fazendo ruflar mortalhas e pendões. Ele não sabia bem se estava no morro do imperador, nos altos da Mantiqueira, no pico do Cauê ou serrotes do Itatiaia. “Pula, irmão” – ordenava-lhe voz cavernosa, “Pula, irmão” – retomavam em coro outras vozes sepulcrais que o eco repetia de quebrada em quebrada. Sem hesitação ele se atirara abismo abaixo, escuridão abaixo, morte abaixo... Mas não caiu nem dois palmos. Sentiu logo um perfume inebriante, alcatifa sob os pés, o amparo de braços amigos, luz, aconchego, vozes conhecidas: “Seja bem-vindo, irmão”.

sexta-feira, abril 06, 2012

Ocultismo e Alquimia - Nem tanto ao Céu, nem tanto à Terra

Heinrich Khunrath, Amphitheatrum Sapientiae Aeternae, 1602.

A Alquimia é tradicionalmente a ciência e a arte de transmutar metais inferiores e menos nobres em metais superiores ou produzir uma certa espécie de medicamento ou Elixir da Vida Eterna capaz de conferir estabilidade a quem o ingere desde o momento em que é ministrado. Nos relatos que sobreviveram à impiedosa censura dos contemporâneos e que nos dão conta do real quadro dos indivíduos que beberam o elixir, consta que perderam os dentes e cabelos, sua tez repentinamente mudou de cor, a pele foi deitada por terra como o que sói acontecer com as serpentes e ressurgiram joviais como a mitológica fênix rediviva.  Mas na Alquimia, as dimensões filosófico-espirituais e a operativa só através de grosseira e intolerável manobra - incompatível com o ritmo natural da terra e suas estações  - poderiam ser dissociadas. Nenhum soprador meia tigela acalentaria idéia tão vergonhosa, tão oposta ao espírito da Arte e de uma época em que Fé e Razão caminhavam juntas e a Filosofia não havia sido amputada pelo arbítrio de um imprudente do corpo da Ciência. Ao menos, esta é a opinião deste pobre articulista, um reles soprador que se entretém em noites insípidas com a árida interpretação de textos que nem com a ajuda dos grimórios mais poderosos e a invocação de legiões de gênios instrutores do além poderia corretamente entender.

Mas nem tanto ao céu, nem tanto à terra. Na leitura de certos escritores dos séculos XVIII e XIX que tanto maravilham, mesmerizam alguns estudiosos do oculto, formando a argamassa do edifício ritualístico de venerandas e róseas ordens que congregam milhares de adeptos nos dias de hoje - sobressai um manhoso "tour de force" para contornar os obstáculos ao perscrutador que queira aventurar-se nos meandros sinuosos do "Jardim Hermético": a redução de um vasto escopo de operações alquímicas, elementos, artefatos, utensílios, e conceitos próprios à arte a um pequeno oratório  (não o panteão da Arte) doméstico de fugazes princípios espirituais mínimos que mais tarde viriam a ser consagrados pela "Nova Era" (a "espiritualidade" vaga, "light", inoculada em velocidade acelerada desde os anos 60 no Ocidente).

Os escritos dos Adeptos da Arte se perdem no caudal da História, desde tempos longínquos. São atribuídos a civilizações ainda mais antigas que engendraram aquela que se ergueu no Egito dos Faraós, passando pelos reinos dos caldeus, assírios, medo-persas, gregos, romanos, os judeus expelidos de sua pátria e a multidão de operadores europeus que desde o domínio islâmico na Península Ibérica fomentaram uma verdadeira "febre alquímica" no continente. Mas estes mesmos textos, cristalinos ou obscuros, simples ou complexos, filosóficos ou voltados para aspectos práticos, quintessenciais ou descendo às minúcias a serem seguidas na lavagem de um cadinho ou retorta, variam na ênfase emprestada a determinados pontos, na sequência das operações, na descrição das "chaves da obra", no uso dos fogos, na escolha dos recipientes e meios, nas fases e fins da obra.

Isto quer dizer que não há nada que aponte em qualquer autor uma tendência inata a tratar a matéria prima como algo sutil e espiritual (um "Azoth" que corresponda à luz astral, por exemplo), os estágios da obra como uma gradual escalada extática (a absorção no UNO) e os elementos constituintes dos metais, o enxofre e o mercúrio (ou o sal) como algo não-material. O contrário também não se pode dizer, embora seja mais difícil crer que uma infindável e bem elaborada nomenclatura combinada  com descrições precisas de intervenções físicas através do manejo de ingredientes igualmente físicos e sobejamente conhecidos à época seja apenas uma forma velada de apresentar descobertas e discutir pequenos resultados entre um grupo de "cientistas" (ao modo popperiano moderno, um "colégico de acadêmicos" que comentam seus "papers" redigidos com método socialmente aceito e ratificado) que se conhecem entre sim e guardam o significado de um  cardápio de sacrossantos termos como um segredo que não confessariam jamais, sob pena de perjuro. A contribuição dos "sopradores" e "Artistas" como um Yazid, um Jabir Ibn Hayyan, o sublime Raimundo Lullius, um Arnold de Villanova e alguns alquimistas do século XVIII às modernas técnicas da ourivesaria, química, ao trabalho com os metais e à própria indústria, com a criação de ácidos, solventes e sais é um fato, não obstante a ignorância instalada intencionalmente no meio universitário e o deboche dos contemporâneos que, aparentemente, se precipitam com sede de Tântalo no abismo da sua própria estupidez.

O aperfeiçoamento de materiais como o vidro e mesmo o requinte dos atuais lápis de cor deve-se à aplicação de alguns "filósofos" (principalmente alemães) que consumiam suas vistas diante da forja, o Athanor, por meses, anos ou décadas, no mais das vezes sem resultados palpáveis. Do seu trabalho não se originava a grande "obra", os metais imperfeitos convertidos no mais puro deles, o ouro com seu mercúrio translúcido e enxofre fixo, mas subprodutos - encarados como a borra imprestável - que, até os dias de hoje fazem a riqueza de países como Alemanha, a Suiça e parte da Europa Central, em especial a Bohêmia. Sem falar na Espagíria, que teve em Teophrastus Bombastus Von Hohenheim, vulgo Paracelsus, seu expoente de proa. Mesmo na atualidade, fração não desprezível da indústria farmacêutica alemã utiliza com proveito receitas de manipulação de plantas que são a base de remédios cuja composição data da longínqua e "ignara" Idade Média, periodo a que os próceres do iluminismo e sua guilhotina arremeteram a caluniosa pecha de "idade das trevas", como se os horrores covardemente perpetrados pelas facções dos revolucionários franceses e seus coevos bochelviques e outros não fossem apenas um tímido reflexo das atitudes viris e algo belas de um Átila ou Gêngis Khan.

Mas esta é apenas uma suposição. Há provas em demasia de que o que se fabricava era ouro, ou o "aurum potabile" a medicina universal. No Oriente é lugar comum o ensinamento de que a busca persistente da verdade, acompanhada por passos da "Yoga" (união) preliminar (a pureza dos atos mentais, físicos, verbais) em fases intermediárias é caracterizada pelo desenvolvimento de poderes psíquicos ("sidhis", em sânscrito) que equivalem à notável capacidade de alterar as propriedades da matérias (ou três qualidades da matéria, ou "gunas",  em sânscrito, "satwa, rajas e tamas", os princípios ativo, negativo e neutro que regem a organização do mundo). Uma vez dotado deste poder, para o alquimista/iniciado a modelagem plástica da matéria é mero entretenimento. Não deixa de ser oportuno mencionar que tais artifícios não são desejáveis por si sós. Cegam o aspirante à vida espiritual e dificultam posteriores progressos ao embriagá-lo com a recém conquistada habilidade de dominar a matéria, afastando-o do real objetivo da senda, a conquista do seu EU superior.

Outra possibilidade, menos nobre porém plausível - sustentada por alguns dos seus biógrafos atuais - é aquela de que os velhos operários da Antiga Ciência, com métodos hoje ignorados, houvessem descoberto técnicas que para os padrões modernos só pudessem ser aplicadas com a fabricação de aceleradores de partículas sofisticados, caros e mantidos em enormes galpões nas Universidades ou centros tecnológicos de grandes corporações. Esta é a hipótese que costumo chamar de "modernosa", frágil e inferior, posto que o ouro alquímico não se compara ao produto da abrasiva agressão ao metal perpetrada por um ansioso desconhecedor da Natureza.

Um terceiro caminho argumentativo que permeia diversos autores assinala que a alquimia, uma arte em seu primórdios associada a tintureiros de Alexandria e da Síria (que cheiravam mal com suas roupas manchadas pela gosma dos mexilhões dos quais era extraída a coloração das roupas que pintavam) ganhou, com o passar do tempo, foro privilegiado em matéria de buscar fazer com que o "vil metal" obtivesse a cor exterior do ouro, o que alguns malandros lograram fazer ao longo da história da humanidade com a gradual sofisticação da técnica de "folhear" a matéria impura ou aplicar-lhe corretivos que momentanemante pudessem iludir um incauto comprador. Particularmente tendo a discordar desta torpe motivação, embora não a exclua de um rol de possibilidades que na singular conjugação de fatores que poderíamos considerar candidatos - ao menos razoáveis - pelo despontar desta estranha ciência como área autônoma do conhecimento há, ao menos, uns 2000 anos.

Ocorrendo ou não fraudes, supondo "poderes" adquiridos para o deleite de um aspirante despreparado ou o desenvolvimento de técnicas apropriadas, os testemunhos da transmutação de metais menos pobres utilizando o pó de projeção (ou não) em prata ou ouro se repetem na literatura, embaraçando até mesmo os críticos mais veementes dos alquimistas, alcunhados de parasitas e supersticiosos remanescentes daquele sombrio intervalo que antecedeu o "Século das Luzes". Não se trata de um polêmico Cagliostro entre maçons egípcios exibindo sua maestria conquistada entre os Hospitalários em Malta, mas as evidências de um Nicolas Flamel, do Bom Trevisano, os resultados de um Sendivogius ou um Seton. Mas de que se trata, enfim, esta ciência tão vilipendiada por alguns, perseguida por outros, alçada ao altar excelso do trabalho sobre o metal imperfeito do Ser por outros?

A Alquimia é mais um ramo das Ciências Antigas cujas chaves o Iluminismo quase sepultou em caratér definitivo. Quase,  porque algumas insuflações de persistentes adeptos atuais a mantêm viva, inconsciente, prostrada no leito mas cheia de esperanças de recobrar a lucidez. Estes poucos abnegados fazem jus à máxima de Heinrich Kunrath, inscrita em um de seus mais famosos painéis e que bem expressa o labor do alquimista: ORA, LEGE, LEGE, RELEGE, LABORA ET INVENIES

terça-feira, março 13, 2012

René Guénon - A Crise do Mundo Moderno (Trechos)

Não aprecio "in totum" o que o filósofo e ocultista francês René Guénon escreveu. Discordo de suas opiniões depreciativas sobre a Teosofia (ou "teosofismo"), de seu exacerbado gosto pela generalização e mesmo o sobrepeso que atribui a valores espirituais menores e à ostentação de um "pedigree" tradicional que antes expressa a soberba do fariseu que a pugna sincera e honesta do buscador. Admiro, contudo, sua defesa intransigente de princípios e de uma Filosofia Perene ofuscada há séculos pela imposição de um humanismo que enreda o homem em seus braços de Titã engolidor de almas.
Mas tenho que convir que estes trechos extraídos dos capítulos iniciais de "A Crise do Mundo Moderno" exprimem com invejável rigor a natureza de eventos que se desenrolam deste o século VI A.C com breves interrupções ao longo da história. Vale a pena lê-los.




“Portanto, se se diz que o Mundo Moderno sofre uma crise, o que se entende mais habitualmente por isso é que ele chegou a um ponto crítico, ou, noutros termos, que uma transformação mais ou menos profunda está iminente, que uma mudança de orientação deverá inevitavelmente produzir-se a breve prazo, a bem ou a mal, de modo mais ou menos brusco, com ou sem catástrofe”. Pg. 27/28.
“Mas na própria palavra ‘crise’ outras significações estão contidas, que a tornam mais apta a exprimir o que queremos dizer: ‘efetivamente, a sua etimologia, que muitas vezes se perde de vista na linguagem corrente, mas à qual convém reportamo-nos, como se deve sempre fazer quando se quer restituir a um termo a plenitude do seu sentido próprio e do seu valor original, a sua etimologia, dizíamos, fá-la parcialmente sinônimo de ‘julgamento’ e de ‘discriminação’.
“Diremos, então, para remeter as coisas às suas justas proporções que parece que nos aproximamos realmente do fim de um Mundo, ou seja, do fim de uma época ou de um ciclo histórico que pode, além disso, estar em correspondência com um ciclo cósmico, segundo o que ensinam a este respeito as doutrinas tradicionais”. Pg. 34.

Capítulo Primeiro – A Idade Sombria

“Mas, perguntarão, sem dúvida, porque é que o desenvolvimento cíclico se deve assim cumprir num sentido descendente, indo do superior para o inferior, o que, como será facilmente notado, é a própria negação da idéia de ‘progresso’, tal como os modernos a entendem? É que o desenvolvimento de toda a manifestação implica necessariamente um afastamento cada vez maior do princípio do qual ela procede; partindo do ponto mais alto, ela tende forçosamente para baixo, e, como os corpos pesados, tende para esse sentido com uma velocidade sem cessar crescente, até que encontra finalmente um ponto de paragem. Esta queda poderia ser caracterizada como uma materialização progressiva, porque a expressão do princípio é pura espiritualidade”. Pg. 36

“Há um fato bastante estranho, que parece nunca ter sido notado como merece: é que o período propriamente ‘histórico’, no sentido que acabamos de indicar, remonta exatamente ao século VI antes da era cristã, como se houvesse aí, no tempo, uma barreira que não é possível transpor com a ajuda dos meios de investigação de que dispõem os investigadores vulgares”.pg. 39
“No século VI antes da era cristã produziram-se, qualquer que tenha sido a sua causa, mudanças consideráveis em quase todos os povos; estas mudanças apresentaram, aliás, características diferentes conforme os países”. Pg. 40

IMPORTANTE
“Mas, por outro lado, viu-se aparecer, em breve, alguma coisa de que não se tinha ainda tido nenhum exemplo e que deveria seguidamente exercer uma influência nefasta sobre todo o mundo ocidental: referimo-nos a esse modo especial de pensamento que tomou e conservou o nome de ‘filosofia’; e este ponto é bastante importante para que nos detenhamos nele alguns instantes”.pg. 42
“A palavra ‘filosofia’, em si mesma, pode seguramente ser tomada  num sentido muito legítimo, que foi sem dúvida o sem sentido primitivo, sobretudo se é verdade que, como se pretende, foi Pitágoras o primeiro a utilizá-la. Etimologicamente, não significa senão ‘amor de sabedoria’; designa, então, primeiramente, uma disposição prévia requerida para alcançar a sabedoria, e pode designar também, por uma natural extensão a procura que, nascendo dessa disposição, deve conduzir ao conhecimento. É então apenas um estádio preliminar e preparatório, um caminhar para a sabedoria, um grau correspondente a um estado inferior a esta; o desvio que se produziu depois consistiu em tomar este grau transitório pelo próprio fim, em pretender substituir a sabedoria pela ‘filosofia’, o que implica o esquecimento ou o desconhecimento da verdadeira natureza desta última. Foi assim que nasceu o que nós podemos chamar a Filosofia ‘profana’, ou seja, uma pretensa sabedoria puramente humana, portanto de ordem simplesmente racional, tomando o lugar da verdadeira sabedoria tradicional, supraracional e ‘não humana’. No entanto, subsistiu ainda alguma coisa através de toda a Antiguidade; o que o prova é primeiramente a persistência dos ‘mistérios’, cujo caráter essencialmente ‘iniciático’ não pode ser contestado, e é também o fato de que o ensino dos próprios filósofos tinha simultaneamente, na maior parte dos casos, um lado ‘exotérico’ e um lado ‘esotérico’, este último permitindo a ligação a um ponto de vista superior, que se manifesta, aliás, de maneira muito nítida, embora talvez incompleta, em certos aspectos, alguns séculos mais tarde entre os Alexandrinos. Para que a filosofia ‘profana’ fosse definitivamente constituída como tal, era preciso que só o ‘exoterismo’ permanecesse e que se fosse até a negação pura e e simples de todo o ‘esoterismo’; era precisamente ao que deveria conduzir, entre os modernos, o movimento começado pelos gregos; as tendências que se tinham afirmado entre estes deveriam, então, ser levadas até às suas conseqüências mais extremas, e a importância excessiva que eles tinham acordado ao pensamento racional ia ainda acentuar-se para chegar ao ‘racionalismo’, atitude especialmente moderna, que consiste, não apenas simplesmente em ignorar, mas em negar expressamente tudo o que é de ordem supraracional; mas não antecipemos demasiado, porque devemos voltar a falar destas conseqüências e a ver o desenvolvimento delas numa ou outra parte de nossa exposição”. Pgs 43/44.

“convém procurar na Antiguidade ‘clássica’ algumas das origens do Mundo Moderno; este não está, portanto, inteiramente errado quando se reclama da civilização Greco-latina e pretende ser seu continuador”. Pg. 344
“No entanto, devemo sublinhar que se trata apenas de uma continuação longínqua e um pouco infiel, porque, apesar de tudo, havia nessa Antiguidade muitas coisas de ordem intelectual e espirituala, das quais não se poderia encontrar equivalente entre os modernos; são, em todo o caso, dois graus bastante diferentes do obscurecimento progressivo do verdadeiro conhecimento”. Pg. 44
“(...) a civilização Greco-latina devia terminar e a correção devia vir de outro lado e operar-se sob outra forma. Foi o Cristianismo quem efetuou essa transformação; e, notemo-lo de passagem, a comparação que se pode estabelecer, sob certa relação, entre esse tempo e o nosso é talvez um dos elementos determinantes do ‘messianismo’ desordenado que aparece atualmente à luz do dia. Depois do conturbado período das invasões bárbaras, necessário para concluir a destruição do antigo estado de coisas, uma ordem normal foi restaurada pra durar alguns séculos; foi a Idade Média, tão desconhecida dos modernos, que são incapazes de compreender a sua intelectualidade e para quem essa época aparece certamente muito mais estranha e distante do que a Antiguidade ‘clássica’. Pg. 45
“A verdadeira Idade Média, para nós, estende-se do reinado de Carlos Magno até o começo do século XIV; nesta última data começa uma nova decadência que, através de diversas etapas, ir-se-á acentuando até nós. É aí que se situa o verdadeiro ponto de partida da crise moderna; é o começo da desagregação da ‘Cristandade’; à qual se identificava essencialmente a civilização ocidental da Idade Média; é, ao mesmo tempo que o fim do regime feudal, estreitamente solidário com essa mesma ‘Cristandade’, a origem da constituição das ‘nacionalidades’. Será então necessário fazer remontar a época moderna a cerca de dois séculos mais cedo do que o habitual; a Renascença e a Reforma são sobretudo resultantes e só possíveis pela decadência prévia; mas, bem longe de serem uma reparação, elas marcavam uma queda muito mais profunda, visto que consumaram a ruptura definitiva com o espírito tradicional, uma delas no domínio das ciências e das artes, a outra no próprio domínio religioso, que era, no entanto, aquele onde tal ruptura teria podido parecer mais dificilmente concebível”. Pg. 46
“O que se designa por Renascimento foi, na realidade, como já temos dito noutras ocasiões, a morte de muitas coisas; sob pretexto de voltar à civilização Greco-romana, só se tomou o que esta tinha de mais exterior, porque apenas isso se tinha podido exprimir claramente nos textos escritos; e essa incompleta restituição apenas poderia ter um caráter muito artificial, visto que se tratava de forma que desde há séculos tinham cessado de viver a sua vida autentica. Quanto às ciências tradicionais da Idade Média, após algumas derradeiras manifestações nessa época, desapareceram totalmente, tal como as das longínquas civilizações que foram outrora aniquiladas por algum cataclismo; e dessa vez nada viria substituí-las. A partir daí, só houve a Filosofia e a Ciência ‘profanas’, ou seja, a negação da verdadeira intelectualidade, a limitação do conhecimento à ordem mais inferior, o estudo empírico e analítico de fatos que não se encontram ligados a qualquer principio, a dispersão numa multiciplidade indefinida de detalhes insignificantes, a acumulação de hipóteses sem fundamento, que se destroem incessantemente umas às outras, e de visões fragmentárias que a nada podem conduzir, salvo a aplicações práticas que constituem a única superioridade afetiva da civilização moderna; superioridade, aliás, pouco invejável, e que, desenvolvendo-se até abafar qualquer outra preocupação, deu a esta civilização o caráter puramente material que faz dela uma verdadeira monstruosidade”.

terça-feira, janeiro 24, 2012

A Nova Classe nos Dias de Hoje (América Latina) – Ensinamentos de Milovan Djilas

Milovan Djias. Preso em 1956 após apoiar a Revolução anticomunista Húngara
Nos anos 50 um importante burocrata comunista da antiga Iuguslávia do Marechal Tito refugiou-se no Ocidente: Milovan Djilas. O Camarada Djilas não era um aparelhista qualquer do Partido, mas um homem que circulava nas mais altas esferas de poder em seu país e no mundo comunista. Com boa formação clássica e “marxista-leninista”, ao radicar-se no Ocidente escreveu um livro indispensável ao estudioso do fenômeno no “comunismo real” (não o comunismo ideal, o Èden, a Avalon idílica dos nossos matreiros e burros esquerdistas contemporâneos).

Editado pela Fred and Praeger, New York (minha sétima edição é de 1957), “The New Class – an analysis of he communist system” ao lado de “Eles” ( estarrecedora descrição em forma de entrevistas conduzidas por Tereza Toranska que transcreve a crueza com que ex-comunistas polonoses reviam seu pesado) a “Nova Classe” tem a honrosa distinção de pertencer a um seleto rol de obras pioneiras no campo dos “estudos do comunismo”, ponto de partida para o estabelecimento de uma futura academia americana de sovietologia e comunismo que no passado ostentou exponentes como  Zbigniew Kazimierz Brzezinski, um dos mentores políticos de Jimmy Carter.

Por questão de método é aconselhável deixar de lado as entranhas totalitárias do “marxismo” ou “marxismo-leninismo”, aspectos da história da URSS e embates teóricos (muitas vezes com resultados “práticos” como o fuzilamente de um interculator “inapropriado” de "direita" ou "esquerda" os dois antípodas que desafiavam o poder absoluto de Stálin). Focalizamo-nos, portanto, no ponto nevrálgico da original avaliação de Djilas: as diferenças entre a revolução na Rússia e eventos similares, as características específicas da “Nova Classe” (que a singularizam como algo substancialmente diferente de todas as demais), suas relações com os meios de produção (o que, em conformidade com o próprio jargão marxista, permite sua classificação como 'classe'), sua relação com o Partido, o papel do “líder de classe” em seu estado embrionário (Na URSS, Joseph Stálin) e os dispositivos de que lança mão (a "Classe") para perpetuar-se no poder enquanto classe dominante.

Como salienta Djilas, “Esta nova classe, a burocracia, ou mais acuradamente, a burocracia política, tem todas as características das anteriores assim como novas características que lhe são próprias. Sua origem tem peculiaridades especiais também, ainda que na essência fosse similar à de outras classes”. pg. 38

Sem correr o risco de aplicar a conceituação e metodologia de Djilas a outras conformações comunistas ou socialistas pró-comunistas da atualidade (não falamos de Cuba ou Coréia do Norte, mas de países de orientação socialista como Venezuela, Brasil, Bolívia, Argentina, Equador e outros) é digna de nota a voracidade com que os militantes dos partidos de esquerda, ao agarrarem com unhas e dentes nacos do aparato estatal, nele se grudam e mudam suas percepções de vida, gostos, opções estéticas, narcotizando-se com a “euforia na infelicidade” (para usar uma frase de bom tom do frankfurtiano Marcuse).

Esta horda de militantes “pé de chinelo”, com formação precária e níveis de politização grotescos adquiridos na "luta" (sindicatos, cooperativas, partidos, ONGS) ao se alojarem em seus cargos de confiança, contratos especiais por regime administrativo, contratos de trabalho formais assinados com empresas terceirizadas e outros “meios flexíveis” para vincularem-se à grande vaca estatal, passam a ganhar vistosos salários – bem acima da média – dos quais extraem os fundos para ingressarem no mundo maravilhoso do consumo e da “elegância de classe média”.

Em todos os países da América Latina dominados pelo programa da esquerda – notadamente no Brasil, Venezuela e Bolívia – a Nova Classe se estabeleceu, a partir de um processo lento de “guerra ideológica de trincheiras” na sociedade civil. Finalizada esta fase, a classe em sua fase embrionária, passou a dedicar-se à disputa intestina contra seus concorrentes internos, ingressando na etapa das purgas (as exclusões, "autocríticas", expulsões e anulações de biografias, expedientes corriqueiros na ditadura stalinista), prelúdio de sua consolidação enquanto classe social consciente de sua missão como "vanguarda revolucionária" na "construção do socialismo". Este será o assunto de nossos próximos artigos.