Gurdjieff

Gurdjieff
Quem é Gurdjieff?

terça-feira, março 13, 2012

René Guénon - A Crise do Mundo Moderno (Trechos)

Não aprecio "in totum" o que o filósofo e ocultista francês René Guénon escreveu. Discordo de suas opiniões depreciativas sobre a Teosofia (ou "teosofismo"), de seu exacerbado gosto pela generalização e mesmo o sobrepeso que atribui a valores espirituais menores e à ostentação de um "pedigree" tradicional que antes expressa a soberba do fariseu que a pugna sincera e honesta do buscador. Admiro, contudo, sua defesa intransigente de princípios e de uma Filosofia Perene ofuscada há séculos pela imposição de um humanismo que enreda o homem em seus braços de Titã engolidor de almas.
Mas tenho que convir que estes trechos extraídos dos capítulos iniciais de "A Crise do Mundo Moderno" exprimem com invejável rigor a natureza de eventos que se desenrolam deste o século VI A.C com breves interrupções ao longo da história. Vale a pena lê-los.




“Portanto, se se diz que o Mundo Moderno sofre uma crise, o que se entende mais habitualmente por isso é que ele chegou a um ponto crítico, ou, noutros termos, que uma transformação mais ou menos profunda está iminente, que uma mudança de orientação deverá inevitavelmente produzir-se a breve prazo, a bem ou a mal, de modo mais ou menos brusco, com ou sem catástrofe”. Pg. 27/28.
“Mas na própria palavra ‘crise’ outras significações estão contidas, que a tornam mais apta a exprimir o que queremos dizer: ‘efetivamente, a sua etimologia, que muitas vezes se perde de vista na linguagem corrente, mas à qual convém reportamo-nos, como se deve sempre fazer quando se quer restituir a um termo a plenitude do seu sentido próprio e do seu valor original, a sua etimologia, dizíamos, fá-la parcialmente sinônimo de ‘julgamento’ e de ‘discriminação’.
“Diremos, então, para remeter as coisas às suas justas proporções que parece que nos aproximamos realmente do fim de um Mundo, ou seja, do fim de uma época ou de um ciclo histórico que pode, além disso, estar em correspondência com um ciclo cósmico, segundo o que ensinam a este respeito as doutrinas tradicionais”. Pg. 34.

Capítulo Primeiro – A Idade Sombria

“Mas, perguntarão, sem dúvida, porque é que o desenvolvimento cíclico se deve assim cumprir num sentido descendente, indo do superior para o inferior, o que, como será facilmente notado, é a própria negação da idéia de ‘progresso’, tal como os modernos a entendem? É que o desenvolvimento de toda a manifestação implica necessariamente um afastamento cada vez maior do princípio do qual ela procede; partindo do ponto mais alto, ela tende forçosamente para baixo, e, como os corpos pesados, tende para esse sentido com uma velocidade sem cessar crescente, até que encontra finalmente um ponto de paragem. Esta queda poderia ser caracterizada como uma materialização progressiva, porque a expressão do princípio é pura espiritualidade”. Pg. 36

“Há um fato bastante estranho, que parece nunca ter sido notado como merece: é que o período propriamente ‘histórico’, no sentido que acabamos de indicar, remonta exatamente ao século VI antes da era cristã, como se houvesse aí, no tempo, uma barreira que não é possível transpor com a ajuda dos meios de investigação de que dispõem os investigadores vulgares”.pg. 39
“No século VI antes da era cristã produziram-se, qualquer que tenha sido a sua causa, mudanças consideráveis em quase todos os povos; estas mudanças apresentaram, aliás, características diferentes conforme os países”. Pg. 40

IMPORTANTE
“Mas, por outro lado, viu-se aparecer, em breve, alguma coisa de que não se tinha ainda tido nenhum exemplo e que deveria seguidamente exercer uma influência nefasta sobre todo o mundo ocidental: referimo-nos a esse modo especial de pensamento que tomou e conservou o nome de ‘filosofia’; e este ponto é bastante importante para que nos detenhamos nele alguns instantes”.pg. 42
“A palavra ‘filosofia’, em si mesma, pode seguramente ser tomada  num sentido muito legítimo, que foi sem dúvida o sem sentido primitivo, sobretudo se é verdade que, como se pretende, foi Pitágoras o primeiro a utilizá-la. Etimologicamente, não significa senão ‘amor de sabedoria’; designa, então, primeiramente, uma disposição prévia requerida para alcançar a sabedoria, e pode designar também, por uma natural extensão a procura que, nascendo dessa disposição, deve conduzir ao conhecimento. É então apenas um estádio preliminar e preparatório, um caminhar para a sabedoria, um grau correspondente a um estado inferior a esta; o desvio que se produziu depois consistiu em tomar este grau transitório pelo próprio fim, em pretender substituir a sabedoria pela ‘filosofia’, o que implica o esquecimento ou o desconhecimento da verdadeira natureza desta última. Foi assim que nasceu o que nós podemos chamar a Filosofia ‘profana’, ou seja, uma pretensa sabedoria puramente humana, portanto de ordem simplesmente racional, tomando o lugar da verdadeira sabedoria tradicional, supraracional e ‘não humana’. No entanto, subsistiu ainda alguma coisa através de toda a Antiguidade; o que o prova é primeiramente a persistência dos ‘mistérios’, cujo caráter essencialmente ‘iniciático’ não pode ser contestado, e é também o fato de que o ensino dos próprios filósofos tinha simultaneamente, na maior parte dos casos, um lado ‘exotérico’ e um lado ‘esotérico’, este último permitindo a ligação a um ponto de vista superior, que se manifesta, aliás, de maneira muito nítida, embora talvez incompleta, em certos aspectos, alguns séculos mais tarde entre os Alexandrinos. Para que a filosofia ‘profana’ fosse definitivamente constituída como tal, era preciso que só o ‘exoterismo’ permanecesse e que se fosse até a negação pura e e simples de todo o ‘esoterismo’; era precisamente ao que deveria conduzir, entre os modernos, o movimento começado pelos gregos; as tendências que se tinham afirmado entre estes deveriam, então, ser levadas até às suas conseqüências mais extremas, e a importância excessiva que eles tinham acordado ao pensamento racional ia ainda acentuar-se para chegar ao ‘racionalismo’, atitude especialmente moderna, que consiste, não apenas simplesmente em ignorar, mas em negar expressamente tudo o que é de ordem supraracional; mas não antecipemos demasiado, porque devemos voltar a falar destas conseqüências e a ver o desenvolvimento delas numa ou outra parte de nossa exposição”. Pgs 43/44.

“convém procurar na Antiguidade ‘clássica’ algumas das origens do Mundo Moderno; este não está, portanto, inteiramente errado quando se reclama da civilização Greco-latina e pretende ser seu continuador”. Pg. 344
“No entanto, devemo sublinhar que se trata apenas de uma continuação longínqua e um pouco infiel, porque, apesar de tudo, havia nessa Antiguidade muitas coisas de ordem intelectual e espirituala, das quais não se poderia encontrar equivalente entre os modernos; são, em todo o caso, dois graus bastante diferentes do obscurecimento progressivo do verdadeiro conhecimento”. Pg. 44
“(...) a civilização Greco-latina devia terminar e a correção devia vir de outro lado e operar-se sob outra forma. Foi o Cristianismo quem efetuou essa transformação; e, notemo-lo de passagem, a comparação que se pode estabelecer, sob certa relação, entre esse tempo e o nosso é talvez um dos elementos determinantes do ‘messianismo’ desordenado que aparece atualmente à luz do dia. Depois do conturbado período das invasões bárbaras, necessário para concluir a destruição do antigo estado de coisas, uma ordem normal foi restaurada pra durar alguns séculos; foi a Idade Média, tão desconhecida dos modernos, que são incapazes de compreender a sua intelectualidade e para quem essa época aparece certamente muito mais estranha e distante do que a Antiguidade ‘clássica’. Pg. 45
“A verdadeira Idade Média, para nós, estende-se do reinado de Carlos Magno até o começo do século XIV; nesta última data começa uma nova decadência que, através de diversas etapas, ir-se-á acentuando até nós. É aí que se situa o verdadeiro ponto de partida da crise moderna; é o começo da desagregação da ‘Cristandade’; à qual se identificava essencialmente a civilização ocidental da Idade Média; é, ao mesmo tempo que o fim do regime feudal, estreitamente solidário com essa mesma ‘Cristandade’, a origem da constituição das ‘nacionalidades’. Será então necessário fazer remontar a época moderna a cerca de dois séculos mais cedo do que o habitual; a Renascença e a Reforma são sobretudo resultantes e só possíveis pela decadência prévia; mas, bem longe de serem uma reparação, elas marcavam uma queda muito mais profunda, visto que consumaram a ruptura definitiva com o espírito tradicional, uma delas no domínio das ciências e das artes, a outra no próprio domínio religioso, que era, no entanto, aquele onde tal ruptura teria podido parecer mais dificilmente concebível”. Pg. 46
“O que se designa por Renascimento foi, na realidade, como já temos dito noutras ocasiões, a morte de muitas coisas; sob pretexto de voltar à civilização Greco-romana, só se tomou o que esta tinha de mais exterior, porque apenas isso se tinha podido exprimir claramente nos textos escritos; e essa incompleta restituição apenas poderia ter um caráter muito artificial, visto que se tratava de forma que desde há séculos tinham cessado de viver a sua vida autentica. Quanto às ciências tradicionais da Idade Média, após algumas derradeiras manifestações nessa época, desapareceram totalmente, tal como as das longínquas civilizações que foram outrora aniquiladas por algum cataclismo; e dessa vez nada viria substituí-las. A partir daí, só houve a Filosofia e a Ciência ‘profanas’, ou seja, a negação da verdadeira intelectualidade, a limitação do conhecimento à ordem mais inferior, o estudo empírico e analítico de fatos que não se encontram ligados a qualquer principio, a dispersão numa multiciplidade indefinida de detalhes insignificantes, a acumulação de hipóteses sem fundamento, que se destroem incessantemente umas às outras, e de visões fragmentárias que a nada podem conduzir, salvo a aplicações práticas que constituem a única superioridade afetiva da civilização moderna; superioridade, aliás, pouco invejável, e que, desenvolvendo-se até abafar qualquer outra preocupação, deu a esta civilização o caráter puramente material que faz dela uma verdadeira monstruosidade”.

terça-feira, janeiro 24, 2012

A Nova Classe nos Dias de Hoje (América Latina) – Ensinamentos de Milovan Djilas

Milovan Djias. Preso em 1956 após apoiar a Revolução anticomunista Húngara
Nos anos 50 um importante burocrata comunista da antiga Iuguslávia do Marechal Tito refugiou-se no Ocidente: Milovan Djilas. O Camarada Djilas não era um aparelhista qualquer do Partido, mas um homem que circulava nas mais altas esferas de poder em seu país e no mundo comunista. Com boa formação clássica e “marxista-leninista”, ao radicar-se no Ocidente escreveu um livro indispensável ao estudioso do fenômeno no “comunismo real” (não o comunismo ideal, o Èden, a Avalon idílica dos nossos matreiros e burros esquerdistas contemporâneos).

Editado pela Fred and Praeger, New York (minha sétima edição é de 1957), “The New Class – an analysis of he communist system” ao lado de “Eles” ( estarrecedora descrição em forma de entrevistas conduzidas por Tereza Toranska que transcreve a crueza com que ex-comunistas polonoses reviam seu pesado) a “Nova Classe” tem a honrosa distinção de pertencer a um seleto rol de obras pioneiras no campo dos “estudos do comunismo”, ponto de partida para o estabelecimento de uma futura academia americana de sovietologia e comunismo que no passado ostentou exponentes como  Zbigniew Kazimierz Brzezinski, um dos mentores políticos de Jimmy Carter.

Por questão de método é aconselhável deixar de lado as entranhas totalitárias do “marxismo” ou “marxismo-leninismo”, aspectos da história da URSS e embates teóricos (muitas vezes com resultados “práticos” como o fuzilamente de um interculator “inapropriado” de "direita" ou "esquerda" os dois antípodas que desafiavam o poder absoluto de Stálin). Focalizamo-nos, portanto, no ponto nevrálgico da original avaliação de Djilas: as diferenças entre a revolução na Rússia e eventos similares, as características específicas da “Nova Classe” (que a singularizam como algo substancialmente diferente de todas as demais), suas relações com os meios de produção (o que, em conformidade com o próprio jargão marxista, permite sua classificação como 'classe'), sua relação com o Partido, o papel do “líder de classe” em seu estado embrionário (Na URSS, Joseph Stálin) e os dispositivos de que lança mão (a "Classe") para perpetuar-se no poder enquanto classe dominante.

Como salienta Djilas, “Esta nova classe, a burocracia, ou mais acuradamente, a burocracia política, tem todas as características das anteriores assim como novas características que lhe são próprias. Sua origem tem peculiaridades especiais também, ainda que na essência fosse similar à de outras classes”. pg. 38

Sem correr o risco de aplicar a conceituação e metodologia de Djilas a outras conformações comunistas ou socialistas pró-comunistas da atualidade (não falamos de Cuba ou Coréia do Norte, mas de países de orientação socialista como Venezuela, Brasil, Bolívia, Argentina, Equador e outros) é digna de nota a voracidade com que os militantes dos partidos de esquerda, ao agarrarem com unhas e dentes nacos do aparato estatal, nele se grudam e mudam suas percepções de vida, gostos, opções estéticas, narcotizando-se com a “euforia na infelicidade” (para usar uma frase de bom tom do frankfurtiano Marcuse).

Esta horda de militantes “pé de chinelo”, com formação precária e níveis de politização grotescos adquiridos na "luta" (sindicatos, cooperativas, partidos, ONGS) ao se alojarem em seus cargos de confiança, contratos especiais por regime administrativo, contratos de trabalho formais assinados com empresas terceirizadas e outros “meios flexíveis” para vincularem-se à grande vaca estatal, passam a ganhar vistosos salários – bem acima da média – dos quais extraem os fundos para ingressarem no mundo maravilhoso do consumo e da “elegância de classe média”.

Em todos os países da América Latina dominados pelo programa da esquerda – notadamente no Brasil, Venezuela e Bolívia – a Nova Classe se estabeleceu, a partir de um processo lento de “guerra ideológica de trincheiras” na sociedade civil. Finalizada esta fase, a classe em sua fase embrionária, passou a dedicar-se à disputa intestina contra seus concorrentes internos, ingressando na etapa das purgas (as exclusões, "autocríticas", expulsões e anulações de biografias, expedientes corriqueiros na ditadura stalinista), prelúdio de sua consolidação enquanto classe social consciente de sua missão como "vanguarda revolucionária" na "construção do socialismo". Este será o assunto de nossos próximos artigos.




quarta-feira, janeiro 11, 2012

O Traço Principal de Caráter segundo as Escolas Esotéricas - Thomas De Hartmann


Thomas De Hartmann


Um interessante trecho do livro do músico e discípulo de Gurdjieff, Thomas De Hartmann, "Nossa Vida com Gurdjieff":



“Nas escolas esotéricas, certos homens de alto nível de compreensão estudam, em sua totalidade, a natureza do homem.
Seus alunos querem desenvolver o próprio Ser. Falam sincera e abertamente de sua busca interior, de sua meta, como alcançá-la e como aproximar-se dela, e dos traços de caráter que lhe obstruem o caminho. Para ir ao encontro de uma confissão assim, deve-se tomar uma decisão importante, aceitar ver seus defeitos reais e falar deles. Gurdjieff ensinava ser absolutamente essencial conhecer o traço principal de seu caráter, aquele em torno do qual (como de um eixo) giram todas as nossas estúpidas e cômicas fraquezas. Desde os primeiros dias, Gurdjieff nos falava desse traço principal. Vê-lo e estar plenamente consciente dele é às vezes muito doloroso, algumas vezes impossível de suportar. Nas escolas esotéricas, como já disse, só se releva a um aluno sua fraqueza principal com muitas precauções, para evitar que se crie um estado de desespero capaz de pôr fim a sua vida. Um vínculo espiritual com um mestre pode evitar essa tragédia.
As Sagradas Escrituras falam do momento da descoberta do defeito principal quando dizem que, ao ser esbofeteado na face direita, você deve oferecer a face esquerda. O sofrimento que esse descoberta provoca assemelha-se à ofensa de uma bofetada. Um homem deve achar em si mesmo força para evitar esse sofrimento, mas ter a coragem de oferecer a outra face, quer dizer, ouvir e aceitar ainda mais a verdade sobre si mesmo”

terça-feira, janeiro 10, 2012

John Holman. O Retorno da Filosofia Perene - A Doutrina Secreta para os Dias de Hoje


A safra literária recente que atende aos anseios do buscador sincero não é generosa no Brasil. Acostumado a receber material de má qualidade e segunda mão, o brasileiro é presa de um mercado editorial canhestro que lucra com publicações de auto-ajuda ou esoterismo à la “Nova Era”. Há honrosas exceções, como a Madras Editora, a Editora Teosófica e a Pensamento, que teimam em oferecer ao leitor material de melhor qualidade. É o caso do livro “O Retorno da Filosofia Perene - A doutrina secreta para os dias de Hoje”, publicado pela Pensamento em 2011.
 Se no Brasil há décadas circula volumoso manancial de informação teosófica (na linha de Blavatsky e seus seguidores), o estudante de língua portuguesa dificilmente encontrará em vernáculo algo pertencente ao campo da “Filosofia Perene”, um ramo de estudos das tradições religiosas que remonta aos trabalhos pioneiros do francês Réné Guénon. Entre o que podemos conceber como um texto introdutório ao assunto (ou um pequeno, ou quase, manual para o semi-leigo), a obra de John Holman é única, o que é auspicioso para quem deseja superar a espiritualidade superficial e os clichês impostos pela mídia e uma indústria editorial que atendem aos interesses escusos daqueles que delimitam o que deve ou não ser lido.

Prova inconteste de que há uma conspiração de silêncio em torno do Tradicionalismo e da Filosofia Perene é a completa ausência nas livrarias, nomeadamente nesta terra de ninguém, o Brasil, de autores como Réné Guénon, Frithjof Schuon, Julius Evola como tantos outros. Miséria semelhante atinge gigantes da envergadura de Helena Petrovna Blavatsky – cujas obras escolhidas não existem em português; Mario Roso de Luna (o genial polígrafo espanhol) isto, sem falar, em escritos que coloquem em cheque mentiras históricas e falsos enredos políticos cuidadosamente inoculadas por grupos de pressão nas mentes brasileiras.

Voltando a Holman, seu objetivo é apresentar um panorama da visão de mundo esotérica ocidental, com foco em seus “aspectos psico-espirituais e cosmológicos”, com altas doses de sincretismo. O primeiro ponto que incomoda o observador perspicaz é o fato do título não corresponder ao peso dado a diversas questões, sua priorização e ordem de exposição. Discute-se, “en passant”, escolas e autores que detêm parentesco direto, ou não, com a “filosofia perene”, ao invés de, simplesmente concentrar-se em seus principais expoentes, o que, por si, pagaria preço de venda do livro e agradaria a este pouco exigente leitor. Se nos esquecermos deste não tão desprezível senão, podemos saltar todas as páginas dedicadas à teosofia (à moda de HPB e da Sociedade Teosófica), neoplatonismo, cabala e passos da iniciação, entre outras, atendo-nos, por conseguinte à porção escrita que obedece estritamente ao escopo sugerido na capa.

Isto significa procedermos a um recorte compreendo o intervalo entre as páginas 16 e 54, que contêm rudimentos do ensinamento “perene” úteis ao neófito, na falta do original. Tais prolegômenos compreendem a adequada colocação histórica do problema, marcos “metodológicos” para  a análise “acadêmica” dos problemas colocados pelo esoterismo ocidental e noções de tradição, tradicionalismo e seus elementos principais. Além disso, com certo proveito para o estudante, a revisão de elementos-chave da contribuição de René Guénon nos soa proveitosa, ainda que a tradução, aqui e ali, se mostre sinuosa.

Guénon e sua mesa de trabalho no Cairo
O que é “philosophia perennis”? A cunhagem do termo tem sido geralmente atribuída a Gottfried Wilhelm Leibnitz em uma tentativa de analisar a “verdade e a falsidade de todas as filosofias antigas e modernas” o que lhe levaria a extrair “o ouro da escória, o diamante de sua mina, a luz das sombras”. Ele próprio sacou o termo da obra “De Perenni Philosophia (1540)” do teólogo do Século XVI Agostinho Steuco, bibliotecário do Vaticano. Para este, a “filosofia perene” tinha a ver como uma “verdade absoluta originalmente revelada”, uma “prisca teologia”, a “iluminação que emana da “Mens Divina”. Outros, fazem-na remontar a Marco Túlio Cícero, que já se referia a uma religião-Sabedoria original e universal, “Theosofia” (tal como empregada por Amônio Saccas e continuadores modernos como Helena Petrovna Blavatstky e, em tempos recentíssimos, Aldous Huxley).

Traçada a origem do termo, há que conferir-lhe correto tratamento metodológico. Afinal, nas últimas décadas do século XX o esoterismo penetrou, nem tão “a forceps” nas universidades, ainda que como “(...) uma linha de pensamento histórica, algo que poderíamos chamar de tradição ‘subterrânea’ do pensamento ocidental (...) . Para tratar este “pensamento subterrâneo”, a “(...) abordagem geralmente promovida (quando não prescrita) é a ‘agnóstico-empírica’. Como “abordagem agnóstico-empírica” se quer dizer que, o “(...) o que é observável para todos nós (com algum esforço e com a mente humana comum) são as concepções dos esoteristas, não de que essas concepções são ou podem ser (da Realidade Divina). Essas concepções, à medida que as formos abordando, serão apresentadas de maneira ‘neutra’ (isto é, sem que haja manifestação de uma opinião acerca de sua veracidade), e este estudioso do esoterismo ocidental não é – que fique claro desde já – operacionalmente um esoterista, mas sim (...) um ‘esoterólogo’.”.

Trocando em miúdos, um esotórologo é alguém que admite de forma “neutra” as concepções dos praticantes de esoterismo, abstraindo-se seus fatores divinos, cuja percepção atina ao esoterista, a (...) a pessoa cuja experiência decorre de trilhar o Caminho com tudo que isso implica, inclusive o desejo de renascimento espiritual, em primeiro lugar”. O enfoque “agnóstico-empírico”, sem bem entendi, pode ter suas lacunas preenchida  por um esforço “etnometodológico” ou “gnóstico”. Assim, “Se desejarmos realmente entender o esoterismo, a única abordagem é a de um ‘insider’, ou seja, de alguém que conhece alguma coisa por dentro”, o que não descarta uma abordagem empírico-histórica usada por esoteristas-historiadores como G.R.S. Mead e Manly P. Hall, mas o mais importante a reter é que a “(...) a prática teúrgica antes da atividade erudita. Podemos ter tanto esooteristas quando esoterólogos, porém o que tem importância crucial é que não precisamos ser esoterólogos para ser esoteristas”.

O autor ao menos é realista acerca das limitações do seu próprio procedimento como esoterólogo, ao reconhecer que “(...) o estudo de textos como atividade de apoio apenas, com isso, implicando que, por mais que possa revelar acerca de um domínio empírico que chamamos de 'pensamento esotérico ocidental', a pesquisa acadêmica comum sempre continuará, por sua natureza limitada (sendo não procedimental), girando em órbita do verdadeiro material”.

Após seus comentários às novas metodologias empregadas para a compreensão do esoterismo, são repassadas antigas tradições que formaram sua matriz no Ocidente (o gnosticismo, o neoplatonismo e o hermetismo), até as leituras de René Guénon no Século XX, o fundador, por assim dizer, da escola “tradicionalista” da “Sophia Perennis”, espécie de conhecimento superior ao qual se poderia acessar por meio da “intuição intelectual”. Para Guénon, esta “Sabedoria Primordial” expressava-se em símbolos comuns às principais religiões do mundo, tendo como instrumento “par excellence” a literatura sapiente de cada um deles. Para descobrir seu significado, é preciso recorrer à gnose, o que permite que se fale um cristianismo esotérico, hinduísmo esotérico ou simples praticantes do esoterismo que sustentam sua própria religião.
Guénon e Schuon. Cairo

Não se trata apenas de uma “tradição esotérica ocidental” segundo Guénon, mas de uma “Tradição” que se origina no passado e tem continuidade no futuro, no Sempreterno. Desse modo, “(...) nossa cultura ocidental moderna (pós-medieval) não é Tradicional e, poderíamos inclusive reconhecer, é até antitradicional, diferindo de praticamente todas as demais culturas anteriores do planeta. Portanto, a modernidade assistiu a 'degeneração' (...)) da civilização humana numa era de Trevas, onde a luz da Tradição se extinguiu ou, na melhor das hipóteses, só brilha debilmente”.
Mas o que difere o “tradicional” do “antitradicional”? Resumidamente, princípios como:

a) Quantidade e Qualidade, o homem olhando “horizontalmente para fora”, a “(...) dimensão quantitativa, empírica, que se opõe à dimensão metafísica (quantidade como raciocínio discursivo e a qualidade se correlacionaria ao conhecimento);

b) o Absoluto, o Uno, Involução e Evolução: o Absoluto por trás do Uno, que se relaciona a um princípio por trás da natureza logóica, Uno este ao qual “do terceiro aspecto como o princípio da Matéria, o segundo aspecto como princípio da Consciência e o primeiro aspecto como o princípio do Espírito”;

c) Sempreternidade e Tempo: “Aquele que está por trás de nosso sistema cósmico pensa, todas as coisas da nossa realidade sensível se manifestam”. Neste ponto, é fundamental ter em conta que “eternidade significa duração infinita, referindo-se ao tempo “exotérico”. Sempreternidade, outro conceito decisivo, refere-se ao 'sempre agora' (Coomaraswamy a chamava de 'agora sempre') ou o momento esotérico dentro de cada momento do tempo exotérico. Portanto, o Eu supremo do homem, o espírito, reside em Deus e, portanto, o tempo esotérico. Em termos mais amplos pode-se então distinguir três tipos de tempo: 1) o tempo que o personagem mede; 2) o sempreterno e o 3) o “tempo da consciência”. Assim “(...) a evolução da consciência se processa em seu próprio ritmo. “A Sempreternidade é ainda mais fundamental. O homem identifica-se primeiro com o círculo (e com o tempo do personagem); em seguida com a linha (tempo da Consciência) e, por fim, com o ponto (Sempreternidade)”.

d) Hierarquia e Gnoseologia: A realidade se divide em níveis, a existência evolui à medida que os níveis se tornam mais altos. Em cada nível “há seres superiores e inferiores a nós, o que nos colocar em nosso verdadeiro lugar no universal”.
Deuses como graus de percepção.  O próprio conceito da filosofia envolve mais que o simples estudo.

d) Visão Tradicionalista da História e do Doutrinarismo: Nossa “consciência de dimensão quantitativa” pode ter crescido ao longo do tempo, mas até a Idade Média, a dimensão qualitativa continuou a ser 'reconhecida' no Ocidente (por meio de uma Grande “Cadeia de Existência”).

Em sua “Unidade Transcendente das Religiões”, Frithjof Schuon também se refere a alguns trações inerentes à filosofia perene que são: : 1) Os estágios sucessivos da realidade; 2) A realidade não é objetiva (ela é 'experiência de Deus'), 3) A experiência de Deus  - o Intelecto divino – está 'por trás' da experiência consciente de todas as criaturas, o que nos permite dizer que ela está em todas as criaturas; 4) a dualidade do exoterista verifica-se entre ele como criatura e Deus como Existência – portanto, entre dois aspectos dele mesmo. O esoterista reconhece a realidade dessa dualidade. 6)  O absoluto é a razão da existência, não há o que perguntar; 7)  a Existência é inescapável e, no que diz respeito a isso, podemos dizer que não temos livre arbítrio. Porém isso aplica somente a nossa condição humana, não à nossa divindade.

 
Para os tradicionalistas, na visão de René Guénon, a “(...) a mentalidade moderna é simplesmente o produto de uma vasta sugestão coletiva, a saber, a de que este mundo do homem e da matéria é a única realidade, e para Evola [um autor tradicionalista com idéias próprias mas que também se referencia em Guénon], esse mudança foi uma 'decisão metafísica' que tomamos (portanto na qual não podemos voltar atrás) com nosso livre-arbítrio”. Entretanto, sublinha que “(...) 'tradicionalismo' denota apenas uma tendência, que não implica nenhum conhecimento efetivo das verdades tradicionais”.

Não falta ao expoente maior do “Sophia Perennis” uma periodização das Eras (Krta, Treta, Dvapara e Kali Yugas)  – assim como o fizeram todas as Tradições do passado, da Índia, à Grécia e Roma. Esta classificação pode ser explicada nos termos do esquema de Giambattista Vico, que propõe uma Idade dos Deuses, dos Heróis e uma dos Homens, em que, na primeira, os deuses falam diretamente aos mortais por meio de seus sacerdotes (iniciadores) e, na última a humanidade passa a ser governada por homens comuns, com uma linguagem comum.

Aprofundando sua análise, no livro “O Reino da Quantidade e os Sinais do Tempo”, que veio à lume em 1953,  Guénon aponta o rumo antitradicionalista tomada pela humanidade a partir do Renascimento, desembocado no materialismo e correntes assemelhadas que se 'insinuaram-se na mentalidade geral e, finalmente, conseguiram estabilizar essa atitude sem recorrer a nenhuma formulação teórica'. Ou seja, o home mecanizou a tudo e a si mesmo, 'caindo pouco a pouco em unidades numéricas, parodiando a unidade mas perdido na uniformidade e na indistinção da 'massa'.

Porém, à humanidade ainda cabe algum alento. Pode ser que estejamos no fundo do poço, mas o caráter cíclico das eras - ensina o Mestre da Tradição - assegura-nos que à frente teremos uma nova Idade de Ouro, na qual a Filosofia Perene será abraçada por todos.

terça-feira, janeiro 03, 2012

Paul Johnson. Sócrates - Um Homem para nossos Tempos ("Socrates - A man for our times")



Socrates - A Man for our Times
O livro “Socrates – A Man for our Times” (“Sócrates – um Homem para nossos Tempos”) do historiador Paulo Johnson, lançado pela Penguin Books em 2011 (e ainda sem edição brasileira) é trabalho de alto nível e que instiga o leitor a vôos mais altos. Não faltaram críticos como David Mikics acusando Johnson de simplificar excessivamente seu retratado ou vestir-lhe como um “conservador” dos nossos tempos, mas a despeito do que se diga do livro ele tem ao meu ver três méritos notáveis: isola o que poderia ser o verdadeiro Sócrates, cujas opiniões e abordagem são bem distintas do “boneco articulado” criado por seu discípulo Platão, aponta sua condição de simples cidadão ateniense e escrutinador da natureza interna dos homens, de todas as classes sociais e esclarece com maestria inúmeros pontos obscuros da trajetória do filósofo entre sua condenação e a morte por ingestão da taça de cicuta.

Sócrates sempre estava de bom humor. Andava com as pernas arqueadas, para os padrões da Hélade era feio como um sátiro e, volta e meia, via-se identificado com horrendo e mitológico Sileno, ostentando na velhice uma  pança significativa. Não dava atenção à vestimenta ou a aquisição de bens materiais, preferindo um bom pedaço de pelo para confeccionar sapatos a um lote para erigir sua moradia. Bom soldado, sua coragem em batalha fora exaltada por Alcebíades. Lutava descalço e sem qualquer proteção sob o rigor do inverno ático, com aspecto tão duro que amendrotava os combatentes inimigos. Pai de família e admirador da sabedoria feminina (celebrou o espírito e amou a companhia intelectuais e filósofas notáveis como Diotima e Aspásia), Sócrates era um cidadão ateniense exemplar. Amava sua cidade, na qual era louvado por amigos, políticos e homens simples de diferentes ocupações. Outros o odiavam e caricaturavam, entre eles alguns professores e catedráticos muito parecidos com os sacripantas dos atuais departamentos universitários (os sofistas) e autores como Aristófanes (que o pintara como um sátiro maléfico e astuto em “As Nuvens). É claro que dada a inclinação da massa medíocre à manipulação mentirosa - que tal como hoje, em menor escala, também surtia seu efeito danoso - não era pequeno o número de seus detratores e algozes. 

Não conhecemos com exatidão o que Sócrates realmente disse. O que nos chegou veio através de Platão, que projetara a si mesmo em seus diálogos, parindo um “golem”, um “boneco articulado” que alguns analistas apelidaram de “PlatSoc”. Não era o Sócrates de carne e osso que falava amíude, mas a criatura com os cordões puxados pelo ventríloquo platão, salvo em raríssimas oportunidades como na “Apologia”, um registro “verbatim” do que dissera a seus interlocutores como defesa em seu próprio o julgamento.

Este Sócrates cuja vida fora tão misteriosa quanto a morte, nada escreveu. Não criou academias ou liceus, como Platão e Aristóteles. Nada afirmou de peremptório e jamais sustentou apego a crenças  sobre o além túmulo angariadas nos cultos de mistérios, como Platão. Não há um “sistema socrático”, mas apenas o dever, inspirado por seu “daimon” pessoal de examinar os homens e “partejar” a verdade que se encontra em seu interior empregando o “elenchos”, técnica semelhante à que os juízes empregam nos tribunais para extrair a verdade. O objeto de Sócrates era a virtude, nada mais que isso. Seu ensinamento condenava o relativismo moral tão ao gosto dos atenienses e que servia de matéria-prima a alguns sofistas, aos quais era maliciosamente associado (ou por pura ignorância, como era o caso de Aristófanes).

Sua obra era a construção de homens e mulheres bons, virtuosos. Nada mais que isso. Nesta tarefa, para a qual recebeu a paga que todo o mundo conhece, foi mestre de ilustres cidadãos atenienses como Critias e Alcibíades, que implicados, respectivamente, no violento governo dos “Trinta Tiranos” e na ardilosa manobra que conduzira a cidade à guerra da Sicília (o maior dos desastres  militares atenienses) representaram sua ruína. O que Johnson especula – na falta de indicações mais precisas – é que no clima de revolta e dor que se seguira à mortandade de supostos inimigos do Estado (durante a tirania), Meletos lançara a acusação infundada de impiedade (isto é, não adorar os deuses que o Estado adora) e corrupção da juventude como forma de encontrar, na pessoa de Sócrates, um bode expiatório para seus próprios erros. Mercê de sua fidelidade às próprias ideias e à fina ironia com que conduziu sua defesa (que irritara sobremodo o júri) – o filósofo recebeu sua pena, escolhendo a morte por cicuta em lugar de abandonar sua querida cidade.

Sem comparar Sócrates a Jesus (ou Platão a Paulo), a obra mais uma vez cala fundo no coração deste leitor. O que se depreende da vida e morte daquele que se atingira a glória de ser o maior filósofo do Ocidente é que todos aqueles que cultivam princípios e os partilham, ao invés de submeter-se à mesquinhez dos tiranetes de plantão, convertem-se em sérios candidatos ao cadafalso pelo inexpiável crime de não adorar os deuses da cidade (ou os voláteis princípios ideológicos de ocasião impostos por pequenos grupos de pressão e interesses políticos miúdos) e “corromper a juventude” (proclamando-lhe os princípios necessários ao enfrentamento das manobras conduzidas pelas mesmas minorias que controlam o aparato social).

Ofereçamos um galo a Asclépio!

quinta-feira, dezembro 29, 2011

Blavatsky, René Guénon, a Teosofia e o "Tradicionalismo" - Uma Crítica


Contra Blavatsky: a Crítica de René Guénon à Teosofia
Richard Smoley

(Traduzido por C. B a partir de:
http://www.theosophical.org/publications/quest-magazine/1696)

Originalmente impresso na Edição de inverno de 2010 da “Quest Magazine”.

Através das últimas duas décadas, os acadêmicos têm investigado o campo há muito tempo negligenciado da espiritualidade esotérica. Entre eles singularizaram-se cinco figuras como luzes principais do esoterismo ocidental no século XX: H.P. Blavatsky, Rudolf Steiner, C.G. Jung, G.I. Gurdjieff e René Guénon. Destes, Guénon é de longe o menos conhecido. Recluso e avesso ao mundo moderno, ele fez muito pouco para se tornar famoso. Ainda assim, após sua morte em 1951, tornou-se alguém cultuado e ao longo da segunda metade do século sua influência só aumentou – particularmente entre aqueles que vêm a civilização contemporânea como espiritualmente deteriorada.
O pensamento de Guénon se assemelha à Teosofia em certos aspectos importantes. Partilham a ênfase comum no ensinamento esotérico central que subjaz a todas as religiões e até mesmo são acordes com relação a muitos elementos deste ensinamento. Entretanto, Guénon era extremamente agressivo no que tange à Teosofia e a denunciou em grande medida em seu livro de 1921, o “Teosofismo: História de uma pseudo-religião”. Este trabalho não foi publicado em inglês até o ano de 2003, quando apareceu sob o título de “Teosofia: História de uma pseudo-religião”. Esta tradução não é inteiramente acurada. O título francês original se refere não à “Teosofia” (“Théosophie”), mas ao “teosofismo” (“Théosofisme”), uma palavra cunhada por Guénon para sugerir que a Teosofia de Blavatsky nada tinha a ver com a teosofia genuína, tal como praticada pelas escolas e tradições esotéricas do Oeste, sendo uma caricatura perigosa.
Nascido em Blois, França, em 1886, Guénon recebeu uma educação convencional em matemática. Em sua juventude ele começou a explorar as correntes ocultas em Paris e foi iniciado em grupos esotéricos conectados à Maçonaria, Taoísmo, Advaita Vedanta e Sufismo. Como Blavatsky, ele sustentava que havia uma tradição esotérica que era a fonte de todas as religiões, mas diferia muito dela sobre o que a constituía a genuína continuação desta linhagem. A Teosofia, ele insistia, não o era. Mas por que razão ele era tão duro quanto a isso? A questão causa mais perplexidade quando aprendemos que Guénon foi pela primeira vez introduzido ao esoterismo por Gérard Encausse (melhor conhecido sob o pseudônimo de Papus), que era um correspondente de HPB e co-fundador da Sociedade Teosófica na França (Quinn, 111).
Ironicamente, uma razão para a atitude de Guénon poderia provir do fato de que ele e Blavatsky não tinham pontos de vista muito diferentes. De fato, o erudito Mark Sedgwick, cujo livro “Contra o Mundo Moderno” é a melhor introdução ao impacto do pensamento de Guénon, enxerga a Teosofia como uma de suas maiores influências (Sedgwick, 40-44). Já vimos antes que Blavatsky e Guénon concordavam sobre a existência de uma tradição esotérica universal. Ambos fizeram uso liberal dos termos sânscritos na exposição de suas idéias e concordavam a respeito dos perigos do espiritualismo, argumentando que as sessões espíritas não habilitavam alguém a fazer contato com indivíduos mortos, mas meramente com seus ‘cascões astrais’, os quais são descartados assim que o espírito ascende a planos mais altos. Guénon devotou todo um livro, ‘L’erreur spirite’ (“O Erro Espírita”), a esse assunto. Nele escreve: “É bem sabido que o que pode ser evocado [em uma sessão] não representa o ser real, pessoal... mas somente os elementos inferiores que o indivíduo de certa forma deixou no domínio terrestre após a dissolução do composto humano que chamamos “morte” (Guénon, “L’érreur spirite, 54-55)*.
Isto comporta mais que uma pálida semelhança com o ensinamento teosófico. O próprio Guénon cita Blavatstky ao dizer que os fenômenos espiritualistas são frequentemente causados por elementos astrais ou “cascas” que foram deixados pelos que partiram. Ainda insiste, no entanto, que os Teosofistas estão errados: “Os Teosofistas crêem que a ‘casca’ é um ‘cadáver astral’, isto é, os restos de um corpo em decomposição, a despeito do fato de que este corpo é pensado como não tendo sido abandonado pelo espírito por um tempo mais ou menos longo após a morte (não sendo essencialmente atado ao ‘corpo físico’). "Para nós, a concepção em si de ‘corpos invisíveis’ nos parece em larga medida errônea ".(Guéon, “L’érreur spirite, 57). Enquanto Guénon admite que a distinção entre sua visão e a de Blavatsky é sutil, é difícil comprová-lo, exceto na terminologia. Mas este é um problema comum em algumas formas de pensamento, particularmente o esoterismo: quanto menor uma diferença é, tanto mais se insiste nela. A história de religião nos oferece muitos exemplos.
Guénon também reitera que HPB falou de forma dúbia sobre o espiritualismo. E, de fato, ela estava profundamente engajada no movimento espiritual no início dos anos setenta do século XIX. Comentando sobre suas últimas opiniões de que os médiuns são geralmente fraudulentos ou seriamente desequilibrados, ele escreve: “Parece que ela se defrontou com o seguinte dilema: ou ela era apenas uma falsa médium à época de seus ‘clubes de milagres’ ou era uma pessoa doente” (Guénon, Theosophy, 115-16). Os seguidores de Blavatsky poderiam replicar que ela sempre pretendeu extrair a verdade do falso no espiritualismo – conhecer a realidade de vida após a morte e mesmo em larga medida do fenômeno espiritualista, enquanto mostrava que estes são de um tipo sinistro e baixo. Uma de suas cartas, datada de 1872, diz “[os espiritualistas] espíritos não são espíritos, mas espectros – restos, a segunda pele jogada fora de suas personalidades, que os mortos depositam na luz astral como as serpentes fazem com as suas na terra, sem deixar nenhuma conexão entre o réptil e sua vestimenta prévia (Blavatsky, Cartas, 1: 20). Uma outra carta, contudo, escrito em 1875, comenta: “Aqueles que procuram negar a verdade do Espiritualismo irão encontrar um Dragão furioso em mim e uma denunciante impiedosa, onde quer que estejam” (Blavatsky, Letters, 1:101).
O que HPB realmente buscou ao participar do movimento espiritualista é difícil de se avaliar, especialmente porque qualquer um que queira colher asserções contraditórias em seus escritos, nesta matéria ou em outras, o faria prontamente. Entretanto, suas atitudes com relação ao espiritualismo nos últimos quinze anos de sua vida dificilmente se distinguem daquelas de Guénon.
O caso é bem diferente quando se trata de outras duas doutrinas teosóficas: o Karma e a reencarnação. Guénon insiste que a visão teosófica é pura fabricação e nada tem a ver com o ensino genuíno do Leste: “a idéia da reencarnação..., assim como a da evolução, é uma idéia muito moderna, ela parece ter se materializado em torno de 1830 ou 1848 em alguns círculos socialistas franceses (Guénon, Theosophy, 104). Isto poderia ser verdade sobre o termo “reencarnação” em si, mas o ensinamento pode ser encontrado no Oeste e remonta a Pitágoras, sendo discutido à exaustão na República de Platão e no Fédon, sem mencionar sua longa herança hinduísta e budista.
Mas Guénon nega tudo isso. Considerando a transmigração das almas humanas em animais, ele diz:
“Na realidade, os antigos nunca conceberam tal transmigração, assim como não o fizeram com relação de um humano em outros humanos, ou seja, o que podemos definir como reencarnação. Há expressões, mais ou menos simbólicas, que podem dar origem a esta má interpretação, mas somente quando não sabemos o que eles realmente estão dizendo, que é o seguinte: há elementos psíquicos no ser humano que se separam após a morte, os quais podem se transferir para outros seres vivos, homens ou animais, embora isto não tenha mais importância do que o fato de que, após a dissolução do mesmo individuo, os elementos que o construíram possam ser usados na construção de outros corpos (Guénon, “L’érreur spirite, 205-07).
Infelizmente, as avaliações dos antigos sobre a reencarnação não dizem nada desta espécie. Ao final da República, Platão relata o mito de Er, um soldado que havia passado por uma experiência de quase morte na qual tomou conhecimento da sorte dos indivíduos após a morte (Platão, República, 614b-621d). Em uma famosa passagem, Er vê os mortos escolhendo suas condições para novas encarnações. Odisseus, o mais perspicaz deles, recusa uma vida de rico e honras e, ao invés disso, escolhe a de um cidadão ordinário. Por mais “simbólica” que a estória possa ser, é difícil crer como poderia ser acomodada em uma teoria como a de Guénon. Podemos fazer a mesma observação sobre um mito similar no Fédon e sobre os ensinamentos órficos e mistérios pitagóricos, na extensão do que conhecemos deles.
As visões particulares de Guénon sobre o destino do espírito após a morte são complexas. Ao definir a transmigração como aquilo que considera o sentido da verdade, ele pondera: “não é o caso de retorno ao mesmo estado de existência... mas, pelo contrário, a passagem do ser a outros estados de existência, os quais são definidos... mas por condições completamente diferentes daquelas pela quais o ser humano é sujeito... Qualquer um que fale de transmigração está essencialmente falando de uma mudança de estado. Isto é o que todas as doutrinas tradicionais do ensinamento do Leste e nós temos muitas razões para acreditar que era também o ensinamento dos mistérios da antiguidade; é a mesma coisa em doutrinas heterodoxas como o “budismo” (Guénon, L’érreur spirite, 211).**
Guénon concebe a existência como um tipo de grade tridimensional, com um eixo vertical cortando um número infinito de planos horizontais. O eixo vertical representa o “Self”, a essência verdadeira de um ser dado, e cada um dos inumeráveis planos horizontais constitui um plano separado de manifestação. A vida humana na terra é somente um desses planos. Um ser determinado pode se manifestar somente uma vez em cada plano particular. Assim, não podemos nascer mais que uma vez como um humano.
Como grande parte do pensamento de Guénon, este é rigorosamente preciso e seria irrefutável exceto por uma coisa: Guénon assume que qualquer plano dado – tal como a vida humana terrestre – é estático. Mas de fato não há nada que o prove. Pelo contrário, a Terra e a sua vida estão elas próprias mudando de forma incessantemente, quer as olhemos sob a perspectiva das idades geológicas, quer da história humana. As possibilidades da vida humana na Terra hoje não são as mesmas que eram 1000 A.C. ou serão em 3000 D.C. Nunca poderemos nascer na mesma Terra duas vezes, assim como não nasceremos como a mesma pessoa duas vezes.
Além disso, há pequena evidência da alegação de Guénon de que sua visão é o verdadeiro ensinamento do Hinduísmo ou budismo. Professores destas linhagens frequentemente falam de reencarnação de formas que são muito mais similares à visão teosófica que à sua. O Dalai Lama escreve: “Ocorreram e são encontrados no tempo presente, muitos incidentes que ilustram o renascimento, de muitos países no mundo. De tempos em tempos, as crianças falam sobre seu trabalho em uma vida prévia e podem nomear a família com a qual viveram. Por vezes é possível verificar estes casos e assim provar que os fatos lembrados pela criança não são invenções, mas verdadeiros (Dalai Lama, 28-29). Isto não condiz com o argumento de Guénon de que a encarnação como um humano se dá apenas uma vez, e o status do Dalai Lama como expoente da Doutrina Tradicional é bem mais alto que o de Guénon.
De uma perspectiva hindu, podemos nos voltar para o clássico “Autobiografia de um Yogi”, de Paramahansa Yogananda. Yogananda cita seu guru, Sri Yukteswar: “aos seres com o karma terrestre não redimido não se permite após a morte astral ir à esfera causal das idéias cósmicas, mas devem ir e vir entre os mundos astral e físico somente” (Yogananda, 428). Este processo de ir e vir do mundo físico sugeriria que a encarnação física não é opção de uma só vez. E novamente, as credenciais de Yogananda e Sri Yukteswar como transmissores do ensinamento tradicional são muito maiores que as de Guénon.
A denúncia da Teosofia por parte de Guénon inclui seus ensinamentos sobre o Karma, “pelos quais [dizem os Teosofistas], as condições de cada existência são determinadas pela ações cometidas durante existências prévias. Ele explica: “A palavra ‘karma’ simplesmente significa ‘ação’ e nada mais. Ela nunca teve o sentido de causalidade, e muito menos designou aquela causação especial cuja natureza já indicamos (Guénon, Theosophy, 107-108). Ao passo que é verdade que a palavra Karma pode simplesmente significar ‘ação’, como diz Guénon, ela é usada em mais sentidos do que este.
Uma vez mais, praticamente toda discussão sobre esses assuntos por parte de um professor hindu ou budista não se afina com Guénon, mas com a Teosofia.  O Pandita Rajmani Tigunait do Instituto Himalaio escreve, Cada escola da Filosofia Hindu aceita a lei imutável do Karma, a qual estabelece que para cada efeito há uma coisa, e para cada ação há uma reação. Um homem executa suas ações e recebe remuneração por elas (Tigunait, 24). Como vimos acima, Sri Yukteswar também usa a palavra neste sentido.
Outras acusações de Guénon são igualmente errôneas. Em uma nota de pé de página observa: “Os Teosofistas reproduzem ... a confusão dos orientalistas não ‘iniciados”: o Lamaísmo nunca foi uma parte do Budismo” (Guénon, Theosophy, 130). Mas aqui é Guénon quem está reproduzindo a confusão dos “orientalistas” – os eruditos europeus do século XIX que foram os primeiros a tratar a religião do Leste de forma acadêmica. O termo “Lamaísmo” não existe ou tem qualquer equivalente em tibetano; de fato, é meramente um nome para o Budismo Tibetano que foi inventado pelos orientalistas. Ainda em 1835, o Professor Isaac Jacob Schmidt declarou: “Dificilmente seria necessário observar que o Lamaísmo é uma invenção puramente européia e não é conhecido na Ásia”. Mesmo nos tempos de Guénon o termo havia caído em descrédito (Lopez, 15). Apesar de tudo, desafiando a existência dos Mahatmas de HPB, Guénon insiste: “a própria palabra ‘Mahatma’ nunca teve o significado que ela lhe atribuiu, pois na verdade a palavra indica um princípio metafísico e não pode ser aplicada a seres humanos” (Guénon, Theosophy, 39). Esta opinião é refutada na prática por toda a Índia, a qual usa o termo para se referir ao venerado Mohandas Ghandi.
Tendo visto tudo isso, somos levados a perguntar o que provocou a investida de Guénon. Uma reposta pode se encontrar nesta afirmação: “Se a assim chamada Doutrina Teosófica for examinada como um todo, é a principio aparente que o ponto principal é a idéia de ‘evolução’. Mas esta idéia é totalmente estranha aos orientais, e mesmo no Oeste pertence a data muito recente” (Guénon, Theosophy, 97). Ele acrescenta que os Teosofistas vêem a reencarnação ‘como os meios pelos quais a evolução é efetivada, primeiramente para cada humano em particular e consequentemente para toda a humanidade e mesmo para o universo inteiro (Guénon, Theosophy, 104). Além disso, ele escreve: “Nós ... apresentamos a doutrina da evolução como constituindo o núcleo mesmo de toda a doutrina Teosófica” (Guénon, Theosophy, 293).
Aqui Guénon pisa em terreno mais firme. O conceito de uma humanidade em evolução em um universo em evolução é muito difícil de encontrar nos textos orientais tradicionais. Blavatsky parece ser consciente disso quando escreve: “Deverá vir o dia... quando a ‘Seleção Natural’ tal como ensinada por Darwin e Herbert Spencer formará somente uma parte, em sua última modificação, da nossa Doutrina da evolução do Leste, na qual Manu e Kapila serão esotericamente explicados (The Secret Doctrine, I, 600). Como a Teosofista Anna F. Lemkov observa, “Blavatsky integrou a idéia da evolução com a venerável idéia da hierarquia do Ser (Lemkov, 128).
Antes do tempo de Blavatsky, enquanto as doutrinas do Karma e reencarnação eram conhecidas no Leste e até certo ponto no Oeste, estas idéias não abarcavam a evolução (uma estonteante exceção aparece nas famosas linhas de Rumi: "Morri como mineral e tornei-me planta. Morri como planta e renasci animal. Morri como animal e tornei-me homem. Por que devo temer? Quando fui eu diminuído por morrer?". Isto é, não se deveria pensar que uma mônada individual pudesse progredir ou desenvolver-se meramente pela virtude de passar por infinitas encarnações; mas a reencarnação era vista como um giro incessante que se dá sem fim e do qual moksha ou liberação provê uma saída. Este é o fundamento da Roda da Vida na arte Budista, a qual mostra os seis Lokas ou reinos – o dos deuses, semi-deuses, humanos, animais, espíritos famintos e seres infernais – como um ciclo de servidão cujas cadeias são os Três Venenos do desejo, raiva e ignorância. Pelo mérito, um indivíduo pode ser alçado ao mundo dos deuses com sua abundância e prazeres, mas quando seu bom Karma é exaurido, cai novamente nos reinos do inferno e recomeça tudo novamente. Somente a iluminação pode quebrar o círculo. A carta da Roda da Fortuna no Tarô contém ensinamento similar.
A Teosofia, em contraste, freqüentemente retrata a evolução como mais ou menos automática. Passando por incontáveis encarnações através de raças, rondas e globos, eventualmente cada mônada irá atingir a divindade. O desenvolvimento esotérico é importante principalmente para acelerar este processo para aqueles que desejam se mover mais rapidamente – idealmente com o objetivo de prestar serviço ao próximo. Esta versão da evolução diverge da visão darwiniana tradicional, pois esta última não  tem direção ou propósito; sendo meramente um resultado cego e casual da adaptação às circunstâncias naturais.
Esta integração da evolução à doutrina esotérica pode ser a idéia mais seminal que a Teosofia introduziu na cultura mundial. Ela foi ecoada e amplificada por grande número de pensadores – Henri Bergson, Teilhard de Chardin, Alfred North Whitehead, Sri Aurobindo – os quais têm pouca ou nenhuma conexão com a Teosofia “per se”. Foi também apropriada pelo Movimento da Nova Era e seus sucessores: O Web Site “Reality Sandwich”, por exemplo, tem como “tag line” o seguinte dizer: “Consciência em evolução, pedaço a pedaço”.
Seja certa ou errada a visão teosófica, ela não parece ser danosa. Por que Guénon a odiou tão intensamente? Para Guénon, a tradição é o “nec plus ultra” da vida humana. Ele a concebe como uma hierarquia espiritual, com o conhecimento mais alto emanando de um centro espiritual hoje escondido em direção a toda a humanidade, por meio das tradições ortodoxas, entre as quais se incluem (com muitas reservas e qualificações) as grandes religiões mundiais assim como outra linhas como a Franco Maçonaria. Na era presente, a Kali Yuga, a idade da escuridão, esta transmissão do conhecimento tradicional – a “doutrina”, como ele frequentemente a estiliza –se tornou completamente bloqueada. Por ser o resultado de um longo ciclo cósmico, não há o que se possa fazer exceto esperar pelo seu fim e, neste meio tempo , encontrar refúgio em alguns dos últimos redutos da tradição genuína. Guénon seguiu seu próprio conselho. Em 1930 ele se mudou para o Cairo, onde se converteu ao Islã e viveu até sua morte em 1951.
Para Guénon, a idéia da evolução é perniciosa porque ela nega a verdade sobre a era presente. Nós não somos um arco ascendente em direção a maior consciência; estamos no nadir de um ciclo, no que ele chama de “reino da quantidade” (o título de seu livro mais famoso), e fingir que estamos em desenvolvimento é mais que ilusão, seria praticamente admitir a ação de sinistras forças contrainiciáticas (Guénon, Theosophy, 272n).
Outras acusações de Guénon contra a Teosofia são verdadeiras, mas muitos leitores hoje iriam hesitar em tomar seu lado nestes assuntos. Ele corretamente nota, por exemplo, que a Sociedade Teosófica na Índia lutou contra o sistema de castas, adicionando que “os europeus geralmente demonstram tanto hostilidade às castas porque são incapazes de compreender os profundos princípios em que se baseiam” (Guénon, Theosophy, 276). É verdade que os Vedas, as Leis de Manu e o Bhagavad Gita todos eles invalidam o sistema de castas pelo simples fato de que cada casta representa uma das partes do homem cósmico. Mas não há provavelmente muitos hoje em dia que iriam sustentar tal sistema, não importa quantos textos sagrados o endossem.
Há mais elementos na crítica de Guénon à Teosofia em que se pode fazer-lhe justiça, principalmente sua negação da boa fé de HPB e a existência dos Mestres. Tratar de tais assuntos – que têm sido explorados sob vários ângulos – está além do escopo deste artigo.
O que podemos dizer disso tudo? Para começar, Guénon merece seu lugar entre os esoteristas de proa no século XX. Seus escritos metafísicos – tais como “O Homem e seu Devir segundo o Vedanta”, os “Múltiplos Estados do Ser”, “O Simbolismo da Cruz” – são modelos de profundidade e lucidez no campo que é fértil em verborragia profusa e sem sentido. Mas de maneira curiosa, a maior força de Guénon também é sua maior fraqueza. Sua visão da metafísica “tradicional” é de clareza cartesiana e precisa (ainda que Guénon pudesse odiar a analogia). E assim é precisamente esta precisão cartesiana que constitui o principal problema com seu pensamento. Ele não pode acomodar qualquer coisa que não caiba em sua elegante estrutura geométrica, que não concebe a realidade ordinária tal como é, o que reflete a profunda e indiscriminada raiva de Guénon dirigida ao mundo moderno. Tudo na Kali Yuga é repreensível. Não há nada a fazer senão se esconder em um dos últimos refúgios da “tradição” até   despertar de uma nova era.
Esta não é uma visão esperançosa; mais que isso, baseia-se na completa e ulterior ruína do mundo que vemos ao nosso redor. Anos atrás um antigo tradicionalista (como são chamados os seguidores de Guénon) confessou-me que teve de abandonar tudo aquilo pois estava fazendo com que ficasse depressivo. Alguns tradicionalistas não ficavam satisfeitos com a posição mais passiva de Guénon e procuraram minar o que viam como o mal, o meio materialístico no Oeste Contemporâneo. Assim na Europa o tradicionalismo tem freqüentemente alimentado um impulso em direção a políticos de extrema direita. Um tradicionalista bem conhecido, o estudioso romeno de religiões comparadas, Mircea Eliade, apoiou a Legião Fascista do Arcanjo Miguel (a qual tentou sem sucesso influenciar em linhas tradicionalistas) no período anterior à II Guerra Mundial na Romênia (Sedgwick, 113-5); um outro, o nobre italiano Julius Evola, não apenas era associado ao Partido Fascista de Mussolini (o qual ele também tentou guindar em direção ao tradicionalismo, igualmente sem sucesso; o que mais tarde também tentaria fazer com o Partido Nazista Alemão) mas também foi ícone de elementos de extrema direita na Europa do pós-guerra, alguns deles terroristas (Sedgwick, 98-109; 179-87). Uma outra forma de tradicionalismo penetrou a Rússia durante e depois da Era Soviética, na qual se transmudou em um movimento de influência crescente chamado “Neo-Eurasianismo”, o qual sustenta que a Rússia deve dominar a massa de terra Eurasiana como um contrapeso à influência americana (Sedgwick, ch. 12).
O Tradicionalismo também forneceu combustível à reação contrária ao Ocidente no mundo Muçulmano. Enquanto o Tradicionalismo é uma filosofia extremamente obscura no Oeste, “no Irã e Turquia ocupa uma posição mais importante no discurso público que em qualquer outro lugar”, como Mark Sedgwick observa em seu blog (um web site moderado por Sedgwick, http://traditionalistblog.blogspot.com em que se pode mergulhar em informação sobre esses assuntos). No Irã pré-revolucionário, o acadêmico Tradicionalista, Seyyed Hossein Nasr era um protegido do Xá e sob seu patrocínio estabeleceu a Academia Imperial Iraniana de Filosofia como um bastião Tradicionalista. Alvo de ataques em seu país nativo, o Tradicionalismo de Nasr ajudou a inspirar a revolução islâmica de 1979, forçando-o a emigrar para os EUA, onde hoje é professor de estudos islâmicos na Universidade de Washington.
No mundo de fala inglesa, o Tradicionalismo tem sido mais benigno e menos politizado. Seu mais proeminente advogado nos EUA é Huston Smith, autor de “As Religiões do Mundo”, que publicou em 1976 a obra intitulada “A Verdade Esquecida: a Visão Comum das Religiões do Mundo”, contendo a exposição do pensamento de Guénon (incluindo um capítulo ecoando a crítica de Guénon à evolução chamada “Esperança, Sim; Progresso, não”). Na Inglaterra, o aderente mais proeminente desta escola é o Príncipe de Gales, que lançou a Academia de orientação Tradicionalista Temenos em 1990, concebida como um guarda-chuva para seus projetos culturais (Sedgwick, 214).
Também tem ocorrido alguma interpenetração recente entre o Tradicionalismo e a Teosofia: o livro escrito por William Quinn em 1997, “A Única Tradição”, tentou reconciliar os dois lados, enquanto a Sociedade Teosófica imprimiu pela Quest Books “A Unidade Transcendente das Religiões”, um importante trabalho de Frithjof Schuon, o discípulo mais influente de Guénon.
Guénon permanece desconhecido para o público mais amplo (o documentário de Bill Moyers em 1996 sobre Huston Smith não fez nenhuma referência à influência de Guénon) e, ainda que sua presença marcadamente permeie o mundo moderno, ele é desprezado. Atualmente, penso, devemos analisar Guénon com a clareza e discriminação aplicada a qualquer ensinamento esotérico – incluindo a Teosofia. Ele é alguém de brilho incomum, mas contrariamente ao seu auto-retrato, ele não é uma figura olímpica remota e serena. Tinha ojeriza ao mundo ao redor – que não temos dúvida, era tanto pessoal e psicológica quanto espiritual – e, segui-lo muito longe nesta direção,  provavelmente nos levará à confusão e à angústia.

Referênciaa
Blavatsky, H.P. The Letters of H.P. Blavatsky: Vol. 1, 1861–79. John Algeo, ed. Wheaton: Quest, 2003.
———. The Secret Doctrine. Two volumes. Wheaton: Quest, 1993 [1888].
The Dalai Lama XIV. The Opening of the Wisdom-Eye. 2nd ed. Wheaton: Quest, 1991.
Guénon, René. L’erreur spirite. 2nd ed. Paris: Éditions Traditionelles, 1952.
———. Symbolism of the Cross. Angus McNabb, trans. London: Luzac, 1958.
———. Theosophy: History of a Pseudo-Religion. Alvin Moore Jr. et al., trans. Hillsdale, N.Y.: Sophia Perennis, 2003.
Lemkow, Anna F. The Wholeness Principle: Dynamics of Unity within Science, Religion, and Society. 2nd ed. Wheaton: Quest, 1995.
Lopez, Donald S., Jr. Prisoners of Shangri-La: Tibetan Buddhism and the West. Chicago: University of Chicago Press, 1999.
Quinn, William W., Jr. The Only Tradition. Albany: State University of New York Press, 1997.
Sedgwick, Mark. Against the Modern World: Traditionalism and the Secret Intellectual History of the Twentieth Century. Oxford: Oxford University Press, 2004.
Tigunait, Pandit Rajmani. Seven Systems of Hindu Philosophy. Honesdale, Pa.: Himalayan Institute, 1983.
Yoganananda, Paramhansa. Autobiography of a Yogi. 6th ed.
Los Angeles: Self Realization Fellowship, 1955.


terça-feira, dezembro 27, 2011

Aleksandr Dugin – Eurasianismo, a Ideologia da Nova Rússia e a "Civilização Ocidental"

CB

Aleksandr Dugin
No Brasil que alcançou o "sexto PIB do mundo" pouquíssimas pessoas conhecem sua própria história, muito menos a história universal ou a de um país como a Rússia, milenar e decisivo no jogo político internacional. Não falo simplesmente do seu passado remoto, muito menos de sua herança cultural herdada de Bizâncio. Sequer me refiro à URSS e, fazendo justiça ao acervo cultural do brasileiro médio, nem mesmo ao período recente de Yeltsin e Putin. Seria pedir demais, muito pedantismo "pequeno-burguês" de nossa parte. Bobagem conhecer a história ou se informar sobre acontecimentos de outros países.

Um traço "diretor" do caráter do brasileiro é a compulsão em se enxergar como discriminado e diminuído pelo "preconceito" europeu e americano, mas ele mesmo, como apedeuta e preguiçoso que é, esquiva-se de estudar e nem se esforça, - minimamente que seja - para compreender realidades externas ao seu torrão natal. Neste quesito fica atrás dos EUA, onde ao menos existe uma elite intelectual que por trás de uma massa de nulidades se aprofunda criticamente sobre os dilemas mundiais, o que não ocorre no Brasil onde o próprio Itamaraty se transformou em aparelho barato do governo de ocasião.  Mas, este artigo, pouco original e simplório, é direcionado ao restrito clubinho de compatriotas sequiosos de alcançar a verdade, para os quais nunca há limites para a obtenção de novas informações.


Através de um amigo que freqüenta os cursos do filósofo Olavo de Carvalho, tomei conhecimento há algum tempo da obra e ação política do russo Aleksandr Dugin. Para alguém que há mais de 20 anos estuda a história e economia soviética e escreveu há muitos anos atrás um análise sobre o que era a economia russa antes de 1917 (sem contar que minha monografia de graduação em economia em 1994 foi centrada na história recente da URSS e as reformas no início dos anos 90), embora um pouco afastado do tema, foi uma indicação oportuna, sobretudo pelo avanço no neo-comunismo russo de Guenady Zyuganov sobre Putin que se avizinha do ocaso esperado.

Expoente maior na atualidade do “Eurasianismo”, Aleksandr Dugin é alguém bastante próximo da linha dura comunista pós-soviética, de poderosos elementos das agências de (des) informação, membros da Duma (Parlamento) e do Executivo russo. Além disso, é quadro do Partido Político “Eurasia” é autor de “Fundamentos de Geopolítica”, um dos manuais empregados em cursos da Academia Militar Russa sob chancela do Alto Comando das Forças Armadas. Adicionalmente, participou recentemente de um debate com o pensador brasileiro radicado nos EUA, Olavo de Carvalho, que merece ser avaliado por todos que busquem melhor compreensão das implicações do "Eurasianismo".

Resta um paralelo indelicado com o Brasil. Enquanto nosso país adota um "modelo" de crescimento ancorado no mercado externo e exportações de commodities (o que nos torna uma economia baseada em um tipo de especialização produtiva escravizada pela nova "divisão internacional do trabalho", para usar termo emprestado de reconhecidos economistas marxólogos) de curto prazo e vulnerável a oscilações da economia internacional (ora, ao acusador cabe o ônus da prova, esta não é a tese cepalina?), a Rússia não só tem crescido como recuperado parte do seu capital humano, sendo capaz de modernizar seu setor militar-industrial. A "sonolenta" Rússia e os países da "ex-URSS", antigas repúblicas soviéticas, são mais diretamente responsáveis pela queda das potências centrais no "ranking" do PIB que a suposta ascenção de países do "futuro" como o Brasil.

Voltando ao tema principal, não tenho conhecimento de títulos subscritos por Dugin em língua portuguesa. Apenas traduções amadoras na internet e parcas referências biográficas. Em inglês o interessado, entretanto, pode fazer o download de alguns “papers” que abordam com metodologia de qualidade variável o conceito de “eurasianismo” e filigranas de seu pensamento, uma mescla assaz inventiva e inteligente da religiosidade e misticismo russos (a “alma” da Velha Rússia) e leituras de Karl Schmidt,  Karl Haushofer, Guido Von Lizt, René Guénon e uma pequena plêiade de autores que estão longe de pertencer ao “mainstream” de abobalhados e papagaios de pirata que vêm arruinando a academia ocidental.

Bem, nos comentários à biografia e idéias de Aleksandr Dugin do Sr. John Dunlop pudemos encontrar uma apreciação global do que é o “Eurasianismo” e suas implicações como fundamento ideológico do imperialismo pós-soviético. Não podemos crer “in totum” nem no Sr. Dunlop (um defensor aberto da 'sociedade atlanticista') nem no que atribui ao Sr. Dugin, assim como não poderíamos, ao que tudo indica, depositar fé irrestrita em um intelectual russo que prega a desinformação sistemática como técnica de enfraquecimento do Ocidente. È pois crucial à política preconizada por Dugin o conceito de “revolução conservadora” que restaure os valores heróicos de uma tradição renovada. Mas, enfim, o que é o “Eurasianismo”? O que faz dele uma doutrina importante na Rússia atual e como sua gradual penetração entre as elites daquele país (onde tem se tornado uma “moda de salão”) impacta de forma preocupante a sociedade ocidental.

Recorrendo à extensa literatura do século XX sobre geopolítica – e especialmente a escola alemã do entre-guerras de Karl Haushofer – Dugin coloca um conflito dualístico entre o “Atlanticismo” (países “do mar” e civilizações com os Estados Unidos e a Grã Bretanha) e “Eurasianismo” (estados baseados na terra e civilizações como a Eurásia-Rússia). Como Wayne Allensworth percebeu, uma vez que se penetra a linguagem aparentemente reacional e acadêmica em “Fundamentos de Geopolítica”, tornamo-nos cientes de que ‘A geopolítica de Dugin é mística e oculta em essência, o formato das civilizações mundiais e os vetores conflitantes do desenvolvimento histórico são retratados como formatados por forças espirituais invisíveis além da compreensão do Homem

A partir de abril de 2001, um Dugin antes anônimo tornou-se uma personalidade política famosa na Rússia com a fundação do Movimento Político e Social Eurásia, que passava a atender inúmeras expectativas políticas voltadas para a primazia do Estado sobre o indíviduo, através de uma fórmula que combinava autocracia, submissão ao regime e xenofobia. Seu foco não é o recurso a meios militares para que a Rússia passe a predominar na “Eurásia”, mas um programa de desestabilização dos potenciais inimigos através da desinformação patrocinada pelos agentes do regime russo e seus aliados. O objetivo final é reestabelecimento de um império pós-soviético, após a capitulação de Gorbachev diante do Oeste, que sucumbiu à estratégia dos “atlanticistas”, particularmente os Estados Unidos da América. Neste sentido, Dugin enxerga a Federação Russa de 1991 não como um Estado em sentido lado, mas como uma “formação transicional no amplo e dinâmico processo geopolítico global”.

No enredo escrito pelos teóricos da “Grande Eurásia”, os russos étnicos cumprem o papel de sustentáculos de uma civilização única, um povo messiânico e “portador de significância pan humana”. Este povo deve funcionar como o substrato étnico do novo império (o que não difere muito do que ocorrera na extinta URSS). Ignorar o povo russo como um “fenômenos civilizacional” equivaleria do fim da Rússia enquanto civilização. Os russos, diz Dugin, são em primeiro lugar ortodoxos, russos em segundo e apenas no terceiro lugar, pessoas.

O maior inimigo a atacar seria a “Anaconda Americana”, uma metáfora da pressão que os EUA e seus aliados exercem sobre sobre as zonas costeiras da Eurasia, reduzindo o papel da Rússia ao de uma potência regional tão somente. Atacá-la significaria negar em bloco a doutrina do “Atlanticismo”, repudiar o controle estratégico dos Estados Unidos e refutar firmamente a supremacial valores econômicos liberais e favoráveis ao mercado, criando-se uma “base civilizacional comum” que impulsionasse a união dos povos eurasianos.

A tática, segundo diz Dugin, consiste em “introduzir a desordem geopolítica na atividade americana interna, encorajando todos os tipos de separatismo e conflitos étnicos, sociais e raciais, apoiando ativamente todos os movimentos dissidentes – extremistas, racistas e grupos sectários, de modo a desestabilizar processos políticos internos aos EUA. Isto só iria fazer sentido caso fosse combinado ao suporte às tendências isolacionistas na política americana”. Um aliado importante do projeto eurasiano seria a América Latina e propõe “a expansão eurasiana nas Américas Central e do Sul com o objetivo de libertá-las do controle do Norte. Como resultado destes esforços de desestabilização, os Estados Únicos e seu aliado mais próximo, a Grã Bretanha, iriam eventualmente ser forçados a deixar as orlas da Eurasia (e África) e ‘o edificio inteiro do Atlanticismo’ iria ao colapso”.

Algumas alianças são propostas por Dugin: 1) Um eixo Moscou-Berlim, em que a tarefa de Moscou seria retirar a Europa da OTAN (leia-se EUA), amparar a unificação européia e estreitar laços com a Europa Central sob a égide do “eixo fundamental externo”, gestando uma Europa unida e amigável, sob o princípio do inimigo comum, os Estados Unidos; 2) a formação de um “bloco franco-germânico, com raízes na Itália e Espanha, isolando ainda mais a Inglaterra; 3) o exercío de dominância política da Alemanha sobre Estados católicos e protestantes na Europa Central; 4) A junção da Finlândia e da República Autônoma da Karelia; 5) a inserção da Estônia na esfera de influência alemã; 6) a manutenção da existência da Ucrânia apenas como “mero cordão sanitário”; 7) a criação do Eixo Moscou-Japão e estreitamento de laços com a Índia; 8) a caracterização da China como um “factotum atlanticista” e maior ameaça ao Eurasianismo e as regiões do Tibete, Sinkiang, Mongolia e Manchuria, em seu conjunto, como um “cinto de segurança” para a Rússia e estabelecimento de uma legítima de influência para o país como “compensação geográfica, adstrita às Filipinas, Indonésia e Austrália; 9) a ideia da “aliança continental russo-islâmica” delineada no eixo Moscou-Teerã, fundada em uma estratégia antiatlanticista comum enraizada na “total incompatibilidade espiritual com a América; 10) o emprego estratégico de um tradicional aliado russo contra potencial agressão turca, a Armênia.

Misto de receituário político eficaz e desinformação de guerra, o arsenal geopolítico de Dugin precisa ser levado mais a sério. Parte de sua tática vem se concretizando, como o afastamento político e econômico da Grã-Bretanha do Continente capitaneado pela Alemanha e França, como se testemunhou mês passado nos desdobramentos das discussões acerca de um programa de estabilização na zona do Euro. Outras medidas podem ser abertamente diversionistas (ou não, não se pode trabalhar neste terreno mas no do cálculo de probabilidades) como a “ameaça” chinesa. Tudo depende do grau de importância e credibilidade que o analista ocidental, calçando as sandálias da humildade, possa atribuir aquilo que despreza por não compreender, ou estudar.

"Last, but not least", a pergunta que não quer calar é: será que a sociedade ocidental atlanticista do Oeste, moralmente podre e com valores em frangalhos poderá resistir ao assédio e à guerra de fricção movida por povos (não falo do russo, mas em especial os países islâmicos, o budismo e as tradições hinduístas sob a égida do "eurasianismo") que rejeitam sua programação política desenhada por pequenos grupos de interesses que querem, a todo custo, fazer prevalecer seus próprios "direitos" às custas de toda uma população?