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terça-feira, dezembro 20, 2005

Panorama do Pensamento de Ouspensky - Parte III (Eterno Retorno e Outros Temas)

A TEORIA DO ETERNO RETORNO

Uma crença central de Ouspensky é a doutrina conhecida seja como do eterno retorno, seja da recorrência. Surpreendentemente, a despeito da relativa obscuridade desta idéia a teoria contudo teve aderentes ao longo das eras e influenciou muitos escritores notáveis. O mais conhecido campeão recente da teoria foi James Joyce, cuja novela Finnegans Wake, é baseada totalmente na idéia. Como matéria filosófica esteve associada ao nome de Nietzche, e apesar do impacto relativamente menor que a idéia teve sobre muitos de seus comentadores acadêmicos no corpo de escritos de Nietzche, foi reconhecida como central por certos comentadores influentes [12]. No pensamento ocidental a doutrina é conhecida com referencia a Pitágoras através dos comentários de Eudemos de Rodes, por Archytas de Tarentum, talvez Plotino e o Neoplatonista do sexto século, Simplicio. Com sua ênfase na moderna escatologia a Cristandade moderna nunca suportou a doutrina, ainda que Ouspensky cite varias passagens nos Evangelhos nas quais, em sua opinião, indica-se que o próprio Cristo estava familiarizado com a noção de repetição e oferece uma passagem de Orígenes em “Sobre os Primeiros Princípios” como uma indicação do cristianismo primitivo em desacreditar a idéia [13].
A recorrência como uma hipótese cosmogônica nunca foi considerada palpável, ainda que como um fundamento moral possua certo apelo. Isto é, se todas as ações se repetem eternamente o imperativo de maximizar a condição de alguém deve ser aumentado. Ainda, com poucas exceções, isto também se julgou carente de um fundamental aceitável para qualquer teoria deôntica e o hoje o homem médio ficaria surpreendido em deparar-se com a idéia. Naturalmente para Ouspensky a recorrência não era uma teoria física ou moral mas era, ao invés disso, uma base metafísica que fluía de sua concepção metageometrica da forma do mundo.
Olhando em retrospective nossa discussão especulativa concernente à representação em quatro dimensões de nossa vida devemos lembrar que qualquer figura quadrimensional necessariametne engloba a vida inteira de uma coisa e não apenas uma serie de momentos discretos arrancados da memória. Para entender a relação da teoria da recorrência do assim chamado “Novo Modelo” de Ouspensky, deixe-nos imaginar uma forma geométrica especifica em sua relação com nossa vida. Começamos com a linha fazendo a vida de um homem. Um ponto, nascimento, começa no ano 1900 enquanto a linha termina com a morte do sujeito, em 1970, digamos. A figura completa da vida do homem constitui uma forma quadridimensional. Agora, deixe-nos curvar a linha em um ângulo de 360o. Aqui, o fim da linha se conecta com o principio. A morte termina no nascimento. Um homem é nascido em 1900, vive sua vida, morre em 1970 e renasce novamente em 1900, encontrando exatamente as mesmas circunstâncias de sua existência previa. Conscientemente limitado à forma fenomenal tridimensional não reconhece uma eternidade no fio da existência, mas somente o momento estático. Um homem entende seu nascimento mas nunca compreende o que viria “antes” nem, com alguma conhecimento real, entende o que o espera “após” a morte também, dependendo das circunstâncias de sua vida, havendo inúmeras exposições “religiosas” concernentes à suposta vida futura que ele irá abraçar com graus diferentes de confiança.
Aceitar a o caráter fixo da recorrência seria, de maneira equivalente, negar qualquer possibilidade da mudança real ou evolução do estado de um homem, se está destinado a reviver sua vida e em todos os aspectos não pode escapar da mão pela qual ele ou ela é levado? Esta é uma questão em aberto mas Ouspensky procura abordá-la através da doutrina das possibilidades. Isto é, em cada momento no tempo várias possibilidades de de ação se apresenta, ao menos potencialmente. À medida que nos movemos através do tempo um curso dado se desdobra consistindo na atualização de certas possibilidades. Certamente, na medida em que continuamos inconscientes para diversas possibilidades inerentes a cada momento somos sem querer carregados por nosso tempo particular. Se circunstancias outras de vida são mesmo possíveis isto só pode ocorrer após o alcance de um nível de consciência que nos permita reconhecer o potencial de mudança inerente a cada momento da vida de cada um. Para Ouspensky, o homem atado a uma linha particular, não nenhuma possibilidade em absoluto de determinar sua condição, contudo, é o propósito da idéia esotérica mostrar um meio de sairmos de improdutivo ciclo atual da recorrência.

PENSAMENTOS DIVERSOS

Política: Ouspensky escreve que porquanto a política não possa solucionar os principais problemas do homem, ela certamente cria condições necessárias para impedir a possibilidade de desenvolvimento individual. Os pontos de vista de Ouspensky relacionados ao comunismo russo, i.e, bolchevismo, eram inequívocos. Ele falou da política bolchevique como mera morte, nem mais, nem menos. Entendendo a natureza do homem em termos hobbesianos, sua sátira ao enfado da “inteligentizia” do oeste com seria não menos acerba se não estivesse correta. Nas “Cartas da Rússia”, Ouspensky descreveu a vida russa pós-revolucionária ordinária: fome, cólera, tifo, frio, violência, assassinato e suicídios. Também, o “direito a viver” (i.e, a posse de um certificado governamental permitindo a alguém ‘andar na rua’) é agora uma “regra para todo o mundo”. Quase supondo como seria a vida atual em Nova Iorque (ou LA, ou Rio, etc) ele continua: “As pessoas não entendem que se alguma coisa existe isto acontece devido à inércia. O empurrão inicial do passado ainda está trabalhando, mas não pode ser renovado. Ai jaz o horror... pois a inércia não pode durar para sempre. Você deve convir que o fato de estarmos andando aqui e de que ninguém esteja nos assaltando é anormal [ele está, neste momento, setembro de 1919, freqüentando uma rua deserta em Ekaterindar com uma companhia]. E tornado possível somente pela inércia. O homem que será muito em breve roubado e assassinado neste mesmo lugar ainda não percebeu o fato de que pode faze-lo agora sem medo de punição. “Não é o que Thomas Hobbes descreve em seu Leviatã quando nos diz (no tão falado ‘estado da natureza’ de anarquia política) que a vida é ‘solitária, pobre, suja, brutal e curta’ (...)”.
Não há dúvida de que, se Ouspeky não houvesse escapado para o Oeste, ele teria sido morto como um “inimigo do povo”. De fato, C.M. Sciabarra em um livro recentemente publicado por Avn Rands sobre as influências filosóficas russas (Avn Rand: O Radical Russo, The Pensylvania State University Press, 1995), discute o caso de Nicolau Lossky, o mentor de Miss Rand e professor de filosofia na Universidade de Petrogrado. O professor Sciabarra escreve que, “a despeito (de Lossky) de sua aderência socialismo Fabiano, foi denunciado pelo regime como um “contra-revolucionário religioso” e desde então forçado ao exílio. Dada a visão de Ouspensky, não precisamos imaginar o tratamento que lhe aguardava caso não houvesse emigrado.
Além disso, Ouspensky nunca analisou discretamente a política ou o Estado como um sujeito distinto e separado de seu organon metafísica forma, mas, contudo, a inferência de a democracia liberal no estilo ocidental combinava com um forte componente de direitos individuais se adequava melhor a seus pontos de vista sem dúvida. Mas Oupensky nunca esteve no núcleo da tradição filosófica ocidental, uma corrente que enfatiza a política como um fim em si (i.e, Maquiavale e Hobbes) ou, mais comumente e na tradição do Oeste que provém de Platão, como uma condição para produzir cidadãos do iluminados.
Ao longo de seus escritos fica claro que Ouspensky era um feroz nacionalista russo e patriota à sua maneira. Lendo-o somos lembrados da passagem do “Esboço da História” de Wellls em que o fervor de Ouspensky pode ser expelhado no estilo helenístico que Wells descreve assim,
“Mas no fundo, o patriotismo no grego era uma paixão pessoal de intensidade inspiradora e perigosa. Como o amor refletido, era apto a se tornar algo odioso. O exílio grego lembrava o do emigrante russo ou francês ao estar pronto a tratar sua amada pátria duramente a fim de salvá-lo dos demônios em forma humana que tomaram possessão dela e o expulsaram”.

Institucionalismo: instituições culturais estabelecidas, receberam pouca consideração. Ouspensky geralmente enxergava as forma sinstitucionais como estupidificadoras, e, no longo prazo, um obstáculo ao livre pensamento. Ele julgou a moderna Cristandade em sua atual forma burocrática uma “vergonha” e via a academia com desprezo similar. Um comentário bem conhecido de Ouspensky é aquele em diz que os professores estão matando a universidade, assim como os padres mataram a igreja.

Psicologia: A psicologia moderna perdeu toda conexão com suas raízes, as quais, no inicio, nunca foram conhecidas como “psicologia” propriamente, uma disciplina separada e distinta da ciência e das humanidades mas, em lugar disso, conectada com a verdadeira religião, certas escolas filosóficas e, no Oeste, praticas de Ioga, cujo propósito era leva à transformação da psique humana. Neste sentido, a moderna psicologia existia simplesmente para a edificação e classificação de certas patologias ou anormalidades psíquicas.
Os pontos de vista de Ouspensky sobre Freud são particularmente depreciativos. Penso que podem haver várias razões para este óbvio descontentamento. Primeiramente, de um ponto de vista filosófico, os trabalhos de Freud podem ser vistos como ingênuos, não-científicos e particularmente pouco originais. Lendo-o como um filósofo tornamo-nos convencidos da síntese peculiar de (ou ao menos a interrelação próxima) dos escritos de Hobbes, Schopenhauer e Nietzche sem a profundidade ou a densidade poética destes progenitores intelectuais. E acredito que um argumento pode ser levantado sobre a estima crescente dos contemporâneos por Freud, levou ao desdém de Ouspensky pelos intelectuais ocidentais de seu tempo. Em todos os momentos, é claro que Ouspensky entendeu o fundamento epistemológico completamente subjetivo da psicanálise e reagiu, ao menos em sua mente, apropriadamente, enquanto os psicanalistas se mascaravam de ciência positiva. Naturalmente, os esforços puramente especulativos de Ouspensky em seus próprios livros não suportavam certamente da forma tradiconal que o Iluminismo entendeu o paradigma cientifico, no entanto Ouspensky foi o primeiro a admitir que muito do seu pensamento não era cientifico em sentido estrito, mesmo que, em sua opinião, poderia ser conhecido (e portanto, provado para a satisfação de um indivíduo dentro dele ou dela) psicologicamente, via experiência.
Certamente a sugestão de Freud de que a civilização não era mais que os impulsos bestiais da natureza entra frontalmente em desacordo com a opinião de Ouspensky que via a civilização como guiada pela inteligência (mesmo se, na sua base e manifestações populares, a falta de inteligência da civilização real fosse patente). Também os elementos anti-darwinianos em Ouspensky contradiziam marcadamente o materialismo biológico inerente ao pensamento freudiano. Para Ouspensky, a consciência era um principio superveniente da natureza e representava um aspecto fundamental do ser. Freud, de outra parte, veria os artifícios sublimes da criação artística como nada mais que o impulso sexual sublimado [15]. Suas opiniões sobre o assim chamado “movimento comportamentalista/behaviorista” eram igualmente pouco lisongeiras. Esta asserção pode parecer surpreendente, já que os princípios behavioristas que explicam as ações humanas não contradizem a crença de Ouspensky no corpo como uma máquina. Mas, pelo contrário, o que objetiva no behaviorismo era sua negação da volição consciente como causa primeira da ação.
Sexo e Sexualidade: As assertivas usuais de Ouspensky sobre o sexo às vezes paracem ser conservadoras, outras vezes, inteiramente estranhas para o leitor moderno, freqüentemente claras em um modo proscritos, mas, provavelmente, enigmáticas. Mas não é exagerado dizer que a idéia do sexo em relação com algum objetivo ou o significado da vida parece sempre carregada com as sementes da incompreensão. Certamente nenhum outro aspecto da vida humana é tão cercado de mistério e tabu. Mesmo hoje, quando a representação social da sexualidade é aparentemente mais comum que em qualquer tempo na memória, o assunto é usualmente discutido com certa exitação, certo desconforto ou humor premeditado que obscurece sua clareza.
Para Ouspensky o sexo era no fim limitado pelos processos da vida, morte e renascimento com todas as suas ramificações. O seguinte excerto (e todas as subseqüentes referencias nesta seção) ao “Um Novo Modelo” explica: A vida que conhecemos, contem em si nenhuma finalidade. Esta é a razão pela qual há tantas coisas estranhas, incompreensíveis e inexplicáveis nela. E de fato não pode ser explicada por si mesma. Nem seus sofrimentos e prazeres, nem seu inicio nem seu fim, nem suas maiores realizações têm qualquer significado. Tudo isto não é mais que uma preparação para alguma outra vida futura, ou meramente nada. Por si a vida aqui, em nossa plano, não tem qualquer valor, nenhum significado e nenhum ponto. É muito curto, muito irreal, muito efêmera, muito ilusória, para qualquer coisa possa ser pedida dela, para que qualquer coisa possa ser construída nela, para que qualquer coisa possa ser criada fora dela. Seu significado total reside em outra, uma nova, futura vida, que se segue após o “nascimento”.
O nascimento como uma função da vida é visto como uma continuação da existência do ser de alguém em ciclo terno de recorrência, ou um escape para um novo reino ou uma nova existência. E, neste sentido, o sexo é a chave.
A continuação do ser ao longo do círculo da recorrência é o objetivo da natureza. A transformação do ser através da repetição é o alvo de um tipo superior de homem. Infelizmente para o homem, a natureza tem precedência aí. Ouspensky discute como a energia sexual como um agente causal separado e distinto é responsável por nossa inabilidade geral para progredir a partir da condição que Nietzche entende como “humana, demasiado humana”, ao Ubermensch (o “super-homem”).
Do ponto de vista da natureza o propósito do sexo, isto é, a continuação das espécies, pode ser considerado um aspecto da empresa sexual. Isto simplesmente porque a natureza deu ao homem um excedente de energia sexual consideravelmente acima do que é necessário para a continuidade da vida humana. Assim, a própria natureza criou este sistema aparentemente ineficiente a fim de preservar o que originalmente pretendeu. Por isto, a vida sexual do homem fosse limitada somente ao montante de energia necessária para a procriação e sustentação das espécies, o efeito procriativo, poderia, efetiva e ironicamente, não ocorrer.
“sem este imenso influxo de força o objetivo original não seria provavelmente atingido, e a natureza não seria capaz de fazer as pessoas servirem a ela e que suas espécies fizessem o mesmo. As pessoas começariam a barganhar com a natureza, estabelecer condições, demandar concessões, pedir por alívios e a natureza teria de concordar. A garantia contra isso é o excesso de energia que sega o homem, torne-o um escravo, force-o a servir aos propósitos da natureza na crença de que está servindo a si, suas próprias paixões e desejos, ou, pelo contrário, fazer com que o homem acredite que está servindo os propósitos da natureza, ao passo que na realidade serve suas próprias paixões e desejos”.

Temos discutido o primeiro aspecto do sexo no esboço de Ouspensky, isto é, a continuação da vida. Contudo ele nota que em adição a seu objetivo inicial, dois propósitos coordenados podem ser identificados: primeiro, a preservação das espécies em um nível definido, que se não mantido, leva a raça a degeneração, segundo, a possibilidade no homem em si que leva à evolução real.
Quando discute a manutenção da raça, Ouspensky identifica tanto características primárias quanto secundarias do sexo. As características primárias são os órgãos sexuais masculino e feminino. As características secundárias são “todos aqueles atributos, diferentes dos órgãos sexuais, que tornam homens e mulheres diferentes em si”. Ademais, o “desenvolvimento normal do sexo é uma condição necessária de um tipo de desenvolvimento correto, e a abundância e riqueza das características secundárias apontam para tipo que se aprimora e ascende. Contrariamente à visão moderna, Ouspesnky continua: “(...) o declínio da ração sempre significa o enfraquecimento e alteração de características secundárias isto é, a aparição de atributos masculinos na mulher e femininos no homem”. Ainda que não discutido em detalha, é este segundo fim da natureza, isto é, a manutenção e melhora das espécies, que se manifesta no excedente de energia sexual”.
Ouspensky então procede à descrição do sexo normal em homem. Aqui, ele descreve as diferenças entre o sexo inferior, i.e, infra-sexo, e o sexo de tipos mais elevados, ou supra-sexo. E com o infra-sexo temos duas divisões adicionais: a degeneração óbvia e oculta. Na primeira achamos “todas as anormalidades sexuais óbvias” como o sexo não desenvolvido, todas as perversões manifestas em desejos sexuais anormais ou a abstinência (nojo do sexo, medo do sexo, indiferença ao sexo, interesse no próprio sexo são exemplos dados por Ouspensky). E é nesta passagem que encontramos a seguinte afirmação não explicada: “(...) o interesse no próprio sexo... tem um significado completamente diferente nos homens que nas mulheres, e nas mulheres não é necessariamente um sinal de infra-sexo”.
A Segunda divisão do infra-sexo, a degeneração oculta, é por sua vez dividida em dois grupos. O primeiro Ouspensky denominou sexo “colorido pela psicologia do lupanar”. Aqui, o sexo é cercado por uma atmosfera de sujeira, algo a ser evitado ou motivo de piada. Pornografia em suas várias manifestações são exemplos. A manifestação derradeira do “desta degeneração oculta do infra-sexo” é o sexo conectado com a violência e crueldade no homem. A figura de Otelo é apresentada como um exemplo neste aspecto: Um homem nesta forma de infra-sexo parece continuamente estar andando à beira de um precipício. O sexo e todas as emoções pertencentes ao sexo tornam-se nele inevitavelmente conectados com a irritação, suspeita e inveja; em qualquer momento pode ele próprio se achar no poder de um senso de injuria, orgulho ferido, uma sensação assustadora de posse, e não há formas de crueldade e violência de que não seja capaz a fim de vingar sua “honra ultrajada” ou “sentimento de injúria”.
O sexo normal é esquematizado de acordo com teoria dos tipos. Isto é, sexo que é coordenado com o restante das funções vitais do homem e o qual é mutuamente complementado por uma hierarquia de opostos. Em certos indivíduos a máxima expressão da sexualidade se manifesta. Em seguida, existe uma categoria secundária e mais baixa de parceiros cujo amor é expressado em uma relação mais formal e menos passional, mas que permanece não só com certa dose de paixão, ou, ao menos, compaixão. A terceira e quarta categorias são menos interessantes para os participantes e podem levar ao infra-sexo.

Filosofia e as Ciências: Ouspensky estava particularmente impressionado com a natureza do pensamento científico e filosófico assim como com a maneira com estas disciplinas continham o germe ou ao menos a possibilidade de começar a aquilatar os caminhos que levavam a possíveis soluções para os problemas fundamentais da existência humana. De todos os filósofos do Oeste, Kant provavelmente se aproxima mais, mas somente na medida em que esclareceu a distinção entre noumeno e fenômeno que se tornou o ponto de partida para a própria tentativa de Ouspensky de reconciliar a epistemologia com a metafísica. O movimento da moderna psicologia para fora da metafísica particularmente o desenvolvimento da análise lógica foi, para Ouspensky, errado. Ele certamente iria estar de acordo com Wittgenstein, que, no prefácio do “Tractatus”, admite o quão pouco é ganho realmente ao seguir-se esta linha particular.
Nietzche também percebe surpreendentemente bem o que poderia parecer estranha, incrível ou ultrajoso, dependendo da visões das pessoas concernentes ao corpo de seus escritos. Eu mesmo penso que a leitura de Nietzche por Ouspensky é, de certa forma, se não completamente compatível com o perfil global de Ouspensky, ao menos explicada até certo grau. Com isto em mente, talvez fosse instrutivo contrastar diversas passagens nas quais Nietzche, talvez, sublinhe a relação. Como um texto de referência cito o “Gotzen Dammerung” [G-D] ou “Crepúsculo dos Ídolos”. Este pequeno livro que traz o conjunto das idéias da maturidade de Nietzche,e pode ser tomado como representativo de seu pensamento é, em muitos sentidos, um texto desejável para mencionar, pois foi pensado pelo autor como um sumário que contivesse todos os aspectos de sua obra. Talvez a maior contradição entre Nietzche e Ouspensky fosse evidenciada pela distinção entre o “mundo real” e o “aparente”. A epistemologia de Ouspensky partia da dualidade kantiana entre o fenômeno e o noumeno. E numa primeira aproximação isto parece contradizer Nietzche:

“Primeira proposição. Os fundamentos sobre os quais estes mundo tem sido designado como aparente estabelecem só sua realidade – outro tipo de realidade é absolutamente não-demonstrável.
“Segunda proposição. As características que têm sido assinaladas ao ser real das coisas são as características do não-ser, da nulidade – o mundo real foi construída fora da contradição do mundo atual: um mundo aparente, de fto, na medida em que não é mais que uma ilusão ótico-moral (G-D, “Razão na Filosofia”). Aqui, Nietzche argumenta contra a metafísica kantiana e a noção cristã mais prosaica da vida após a morte. A última (a crítica da escatologia cristã) certamente não se opõe a Ouspensky, embora se formos reconciliá-la com a visão anterior devamos argumentar que isto só pode ser feito por meio do método psicológico que nos permita transcender o dualismo kantiano que, para Ouspensky, era um cisma ontológico resultante da leitura equivocada da natureza real ou forma do mundo. Por fim, Ouspensky entendeu que a disjunção básica entre o mundo real e aparente era uma incompreensão fundamental que poderia, mas ramente o era, ser superada.
Voltando para natureza do homem no Unvierso, Nietzche comenta:

“(O Homem) não é nada mais que o resultado de desenho especial, uma vontade, um propósito, ele não é o sujeito de uma tentativa de atingir um ideal de homem... Nós inventamos o conceito de propósito. Na realidade, não há propósito” (G-D, “Os Quatro Grandes Erros”).
Isto pareceria estar em contradição direta com os pensamentos de Ouspensky, mas ele próprio ensinou que o propósito da Natureza não era criar um tipo superior de homem. De fato, a Natureza tem seus próprios objetivos e propósitos que são servidos pelo homem tal qual é. Assim, se um tipo mais elevado é possível, isto deve ser conseguido pela via antinatural. E a anti-natureza existe para Ouspensky como a possibilidade de consciência.
Tanto Ouspensky quanto Nietzche têm uma profunda desconfiança com relação às instituições estabelecidas, particularmente a academia. Ouspensky freqüentemente criticava o método das escolas, i.e, particularmente a supressão do livre pensamento como um fator de aceitação estática da tradição e, como mencionado anteriormente, uma de suas anedotas favoritas era que os professores estavam matando a universidade assim como os padres mataram a igreja. Compara Nietzche:
“Aprendendo a pensar: nossas escolas não mais têm qualquer idéia do que isto signfica. Mesmo em nossas universidade, a teoria, a prática e a vocação da lógica estão começando a morrer. Quem entre (nós) ainda conhece da experiência...!” (G-D, “O que falta aos alemães”).
Mais obviamente estamos impressionados pela concordância entre as duas sobre a importância do super-homem e a doutrina do eterno retorno, mesmo que no último caso Ouspensky critique a explicação de Nietzche da necessidade do retorno no espaço físico e tempo local. Como um contrapeso à poética de Nietzche (alguns podem dizer, obscuridades), Ouspensky tem um pendor pela literatura oculta prevalecente nos seus dias, mas somente na medida em que representava uma avenida para explorações adicionais de questões que a filosofia e a ciência haviam abandonado. Do mesmo modo ele descontava qualquer valor autêntico que estes mesmos escritos pudessem oferecer em termos de conhecimento real e os considerava mera fantasia.
Matemáticos e geômetras, especialmente aqueles cujas investigações pavimentaram o caminho para o alcance de, digamos, novas idéias introduzidas na física, eram tidos em alta conta. Os nomes de Bolyai, Gauss, Riemann e Lobatchevscky eram proeminentes. Na física, Minkovsky, Fitzgerald e Lorentz, Bohr e Einstein eram discutidos, contudo, Ouspensky sempre sustentou que a introdução (realmente, o triunfo) da física matemática na análise dos fenômenos estritamente físicos ao lado do desenvolvimento da aceitação difundida da teoria da relatividade era uma instância de uma falta de compreensão fundamental da natureza dos fenômenos derivada de uma perspectiva inerentemente limitada. Esta visão parte da tradição da filosofia ocidental a qual reconhece os postulados matemáticos como fundamentalmente a priori e não empíricos [deixando de lado o argumento de Kant com relação à natureza sintética a priori da matemática]. Para Ouspensky, supor que o fundamento da teoria empírica pode ser de alguma forma derivado da análise matemática pura é algo epistemologicamente errado.
Em “Um Novo Modelo”, Ouspesnky sublinha e argumenta contra a visão comumente defendida de que os “Principia” de Newton de certa forma posicionaram e legitimaram a gravitação como um fenômeno conhecido e, portanto, entendido. Pelo contrário, e de fato, ele nos aponta que Newton meramente concebeu uma fórmula para calcular os movimentos terrestres. Voltando às modernas concepções da teoria física como mencionado previamente, Ouspensky criticou o que lhe parecia uma mistura desnecessária e desordenada de teorias relativísticas devido à tentativa equivocada de reconciliar fenômenos incomensuráveis. De fato, se este amontoado de descrições não tivessem sido geradas por PHD’s, elas seriam aceitas como fantásticas e tratadas com a mesma incredulidade como as quimeras contra as quais se levanta a ciência. Por exemplo, a idéia usual do espaço como uma superfície não-euclidiana e “curvada” pela massa é derrubada desde que entendamos o “espaço tridimensional no tempo” como um simples recorte de um conjunto maior e mais extenso.
A visão de Ouspensky com relação à teoria dawiniana da seleção natural como um mecanismo para especiação era hostil (ainda que ele apreciasse as implicações filosóficas contidas na idéia da evolução e expressasse concordância com a idéia da modificação intra-espécies via variabilidade genética temporal). Ele concebia a vida orgânica na terra como algo em que parte podem ou não ter alguma relação direta com os propósitos do conjunto. Certamente ele considerava o Homo Sapiens o produto de ao menos algum tipo de progresso vital, mas supunha ingênuo acreditar que um processo puramente mecânico fosse de algum modo responsável pela existência e subseqüente aperfeiçoamento dos seres humanos.
Ouspensky considerava a vida em si em termos muito mais amplos e há indícios para crer que ele julgava o universo inteiro “vivo” – ao menos em certo sentido. Aqui devemos ser cuidadosos para evitar atribuir panteísmo ao pensamento de Ouspensky o qual em nenhum caso era religioso em qualquer sentido da palavra. Ainda, não há dúvida de que ele considerava o universo inteligente e, como tal, teleologicamente responsável pela emergência da vida (inclusive o home), ainda que ele não concordasse com as opiniões esposadas pela filosofia idealista tipificada por Fichte, Schelling, e Hegel (isto é, o homem como quintessência criada pelo Espírito ou o Ser como propósito da existência para expressar o entendimento e elucidação da realidade de modo que o Ser Absoluto como Ser possa de alguma conhecer reflexivamente a si próprio). Temos a idéia, ao ler Ouspensky que, que fato, o homem é um experimento, mas se é ou irá ser um experimento exitoso, esta é a grande questão.

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