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quarta-feira, novembro 30, 2005

Mitos Fundadores (Continuação II)

Os mitos relacionados ao dilúvio chamam-nos a atenção porque estão associados a lendas tão velhas quanto as da Atlântida e Lemúria (Ilha lendária engolida pelo mar e pela primeira descrita por Platão) e a uma gama extensa de referências em diferentes culturas. Para os gregos do VIII século A.C. a decisão de extirpar os homens da terra por intermédio de um dilúvio partira de Júpiter (Zeus), que se convencera a punir os homens ímpios que violavam o juramento da hospitalidade (uma virtude, "árete", bastante cara à "Paidéia"), repelindo os pedintes. O encarregado da execução da sentença foi Netuno. Em Ovídio, genial poeta romano, este episódio marcante da história humana é descrita com arrebatado ardor (1):
"O deus dos mares fere a terra com um golpe de tridente; ela estremece e a água jorra abundantemente dos mais profundos abismos. Os rios, transbordando, inundam a terra, arrebatam o trigo, as árvores, os rebanhos, os homens e fazem ruir os templos e casas. Quando um palácio resiste à impetuosidade da torrente, a água o cobre inteiramente e as próprias torres ficam submersas sob as ondas. Já estavam a terra e o mar confundidos. Este busca asilo numa montanha, aquele se lança num barco, e rema sobre o mesmo lugar em que costumava cultivar (...)".
Exatamente como na estória bíblica do Gêneses, Zeus extermina a humanidade, mas não totalmente. Havia um homem justo no meio dos mortais, Deucalião, que os deuses resolvem poupar, assim como sua mulher, Pirra. Os dois refugiaram-se em um barquinho (a arca de Noé helênica?) , ancorando no monte Parnaso (ora, não era o monte Ararat na Turquia?) ao término do dilúvio. Netuno então ordenou aos Tritões que fizessem ressoar suas conchas para que as ondas regressassem ao oceano, a terra apareceu aos poucos e Deucalião gritou:
"Ó minha irmã, ó minha esposa! Tu és a única que se salvou; o sangue e o casamento nos uniram outrora; hoje as nossas desventuras comuns mais ainda nos devem unir. Onde quer que o sol atire os seus olhos, só a nós dois é que se vê sobre a terra; o resto está sepultado para sempre debaixo das águas (...)".
Eivado de toques líricos, o "Noé Grego" e sua mulher não eram tão rudes e prosaicos como o semita que fizera sua arca por ordem de Javé. Oraram em um templo dedicado a Têmis (a justiça), todo coberto de musgo e a Deusa lhes proferiu oráculos que garantiram o futuro da espécie humana na tera. Tomaram então de pedras, das quais, ao lançarem ao chão, nasceram os homens e as mulheres.

(1) MÉNARD, René. Mitologia greco-romana. v.1. São Paulo. Opus Editora: 1991.



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