Contra Blavatsky: a Crítica de René
Guénon à Teosofia
Richard Smoley
(Traduzido por C. B a partir de:
http://www.theosophical.org/publications/quest-magazine/1696)
Originalmente impresso na Edição de
inverno de 2010 da “Quest Magazine”.
Através das últimas duas décadas, os acadêmicos
têm investigado o campo há muito tempo negligenciado da espiritualidade
esotérica. Entre eles singularizaram-se cinco figuras como luzes principais do
esoterismo ocidental no século XX: H.P. Blavatsky, Rudolf Steiner, C.G. Jung,
G.I. Gurdjieff e René Guénon. Destes, Guénon é de longe o menos conhecido.
Recluso e avesso ao mundo moderno, ele fez muito pouco para se tornar famoso.
Ainda assim, após sua morte em 1951, tornou-se alguém cultuado e ao longo da
segunda metade do século sua influência só aumentou – particularmente entre aqueles
que vêm a civilização contemporânea como espiritualmente deteriorada.
O pensamento de Guénon se assemelha à Teosofia em
certos aspectos importantes. Partilham a ênfase comum no ensinamento esotérico
central que subjaz a todas as religiões e até mesmo são acordes com relação a
muitos elementos deste ensinamento. Entretanto, Guénon era extremamente
agressivo no que tange à Teosofia e a denunciou em grande medida em seu livro
de 1921, o “Teosofismo: História de uma pseudo-religião”. Este trabalho não foi
publicado em inglês até o ano de 2003, quando apareceu sob o título de
“Teosofia: História de uma pseudo-religião”. Esta tradução não é inteiramente
acurada. O título francês original se refere não à “Teosofia” (“Théosophie”),
mas ao “teosofismo” (“Théosofisme”), uma palavra cunhada por Guénon para
sugerir que a Teosofia de Blavatsky nada tinha a ver com a teosofia genuína,
tal como praticada pelas escolas e tradições esotéricas do Oeste, sendo uma
caricatura perigosa.
Nascido em Blois, França, em 1886, Guénon recebeu
uma educação convencional em matemática. Em sua juventude ele começou a
explorar as correntes ocultas em Paris e foi iniciado em grupos esotéricos
conectados à Maçonaria, Taoísmo, Advaita Vedanta e Sufismo. Como Blavatsky, ele
sustentava que havia uma tradição esotérica que era a fonte de todas as
religiões, mas diferia muito dela sobre o que a constituía a genuína
continuação desta linhagem. A Teosofia, ele insistia, não o era. Mas por que
razão ele era tão duro quanto a isso? A questão causa mais perplexidade quando
aprendemos que Guénon foi pela primeira vez introduzido ao esoterismo por Gérard
Encausse (melhor conhecido sob o pseudônimo de Papus), que era um
correspondente de HPB e co-fundador da Sociedade Teosófica na França (Quinn,
111).
Ironicamente, uma razão para a atitude de Guénon
poderia provir do fato de que ele e Blavatsky não tinham pontos de vista muito
diferentes. De fato, o erudito Mark Sedgwick, cujo livro “Contra o Mundo
Moderno” é a melhor introdução ao impacto do pensamento de Guénon, enxerga a
Teosofia como uma de suas maiores influências (Sedgwick, 40-44). Já vimos antes
que Blavatsky e Guénon concordavam sobre a existência de uma tradição esotérica
universal. Ambos fizeram uso liberal dos termos sânscritos na exposição de suas
idéias e concordavam a respeito dos perigos do espiritualismo, argumentando que
as sessões espíritas não habilitavam alguém a fazer contato com indivíduos
mortos, mas meramente com seus ‘cascões astrais’, os quais são descartados assim
que o espírito ascende a planos mais altos. Guénon devotou todo um livro,
‘L’erreur spirite’ (“O Erro Espírita”), a esse assunto. Nele escreve: “É bem
sabido que o que pode ser evocado [em uma sessão] não representa o ser real,
pessoal... mas somente os elementos inferiores que o indivíduo de certa forma
deixou no domínio terrestre após a dissolução do composto humano que chamamos
“morte” (Guénon, “L’érreur spirite, 54-55)*.
Isto comporta mais que uma pálida semelhança com
o ensinamento teosófico. O próprio Guénon cita Blavatstky ao dizer que os
fenômenos espiritualistas são frequentemente causados por elementos astrais ou
“cascas” que foram deixados pelos que partiram. Ainda insiste, no entanto, que
os Teosofistas estão errados: “Os Teosofistas crêem que a ‘casca’ é um ‘cadáver
astral’, isto é, os restos de um corpo em decomposição, a despeito do fato
de que este corpo é pensado como não tendo sido abandonado pelo espírito por um
tempo mais ou menos longo após a morte (não sendo essencialmente atado ao
‘corpo físico’). "Para nós, a concepção em si de ‘corpos invisíveis’ nos parece
em larga medida errônea ".(Guéon, “L’érreur spirite, 57). Enquanto Guénon admite
que a distinção entre sua visão e a de Blavatsky é sutil, é difícil comprová-lo,
exceto na terminologia. Mas este é um problema comum em algumas formas de
pensamento, particularmente o esoterismo: quanto menor uma diferença é, tanto mais se
insiste nela. A história de
religião nos oferece muitos exemplos.
Guénon também reitera que HPB falou de forma dúbia
sobre o espiritualismo. E, de fato, ela estava profundamente engajada no
movimento espiritual no início dos anos setenta do século XIX. Comentando sobre
suas últimas opiniões de que os médiuns são geralmente fraudulentos ou
seriamente desequilibrados, ele escreve: “Parece que ela se defrontou com o
seguinte dilema: ou ela era apenas uma falsa médium à época de seus ‘clubes de
milagres’ ou era uma pessoa doente” (Guénon, Theosophy, 115-16). Os seguidores
de Blavatsky poderiam replicar que ela sempre pretendeu extrair a verdade do
falso no espiritualismo – conhecer a realidade de vida após a morte e mesmo em
larga medida do fenômeno espiritualista, enquanto mostrava que estes são de um
tipo sinistro e baixo. Uma de suas cartas, datada de 1872, diz “[os
espiritualistas] espíritos não são espíritos, mas espectros – restos, a segunda
pele jogada fora de suas personalidades, que os mortos depositam na luz astral
como as serpentes fazem com as suas na terra, sem deixar nenhuma conexão entre
o réptil e sua vestimenta prévia (Blavatsky, Cartas, 1: 20). Uma outra carta,
contudo, escrito em 1875, comenta: “Aqueles que procuram negar a verdade do
Espiritualismo irão encontrar um Dragão furioso em mim e uma denunciante
impiedosa, onde quer que estejam” (Blavatsky, Letters, 1:101).
O que HPB realmente buscou ao participar do
movimento espiritualista é difícil de se avaliar, especialmente porque qualquer
um que queira colher asserções contraditórias em seus escritos, nesta matéria
ou em outras, o faria prontamente. Entretanto, suas atitudes com relação ao
espiritualismo nos últimos quinze anos de sua vida dificilmente se distinguem
daquelas de Guénon.
O caso é bem diferente quando se trata de outras
duas doutrinas teosóficas: o Karma e a reencarnação. Guénon insiste que a visão
teosófica é pura fabricação e nada tem a ver com o ensino genuíno do Leste: “a
idéia da reencarnação..., assim como a da evolução, é uma idéia muito moderna,
ela parece ter se materializado em torno de 1830 ou 1848 em alguns círculos
socialistas franceses (Guénon, Theosophy, 104). Isto poderia ser verdade sobre
o termo “reencarnação” em si, mas o ensinamento pode ser encontrado no Oeste e
remonta a Pitágoras, sendo discutido à exaustão na República de Platão e no
Fédon, sem mencionar sua longa herança hinduísta e budista.
Mas Guénon nega tudo isso. Considerando a
transmigração das almas humanas em animais, ele diz:
“Na realidade, os antigos nunca conceberam tal
transmigração, assim como não o fizeram com relação de um humano em outros
humanos, ou seja, o que podemos definir como reencarnação. Há expressões, mais ou
menos simbólicas, que podem dar origem a esta má interpretação, mas somente
quando não sabemos o que eles realmente estão dizendo, que é o seguinte: há
elementos psíquicos no ser humano que se separam após a morte, os quais podem se
transferir para outros seres vivos, homens ou animais, embora isto não tenha
mais importância do que o fato de que, após a dissolução do mesmo individuo, os
elementos que o construíram possam ser usados na construção de outros corpos
(Guénon, “L’érreur spirite, 205-07).
Infelizmente, as avaliações dos antigos sobre a
reencarnação não dizem nada desta espécie. Ao final da República, Platão relata
o mito de Er, um soldado que havia passado por uma experiência de quase morte
na qual tomou conhecimento da sorte dos indivíduos após a morte (Platão,
República, 614b-621d). Em uma famosa passagem, Er vê os mortos escolhendo suas
condições para novas encarnações. Odisseus, o mais perspicaz deles, recusa uma
vida de rico e honras e, ao invés disso, escolhe a de um cidadão ordinário. Por
mais “simbólica” que a estória possa ser, é difícil crer como poderia ser
acomodada em uma teoria como a de Guénon. Podemos fazer a mesma observação
sobre um mito similar no Fédon e sobre os ensinamentos órficos e mistérios
pitagóricos, na extensão do que conhecemos deles.
As visões particulares de Guénon sobre o destino
do espírito após a morte são complexas. Ao definir a transmigração como aquilo
que considera o sentido da verdade, ele pondera: “não é o caso de retorno ao mesmo
estado de existência... mas, pelo contrário, a passagem do ser a outros estados
de existência, os quais são definidos... mas por condições completamente
diferentes daquelas pela quais o ser humano é sujeito... Qualquer um que fale
de transmigração está essencialmente falando de uma mudança de estado. Isto é o
que todas as doutrinas tradicionais do ensinamento do Leste e nós temos muitas
razões para acreditar que era também o ensinamento dos mistérios da
antiguidade; é a mesma coisa em doutrinas heterodoxas como o “budismo” (Guénon,
L’érreur spirite, 211).**
Guénon concebe a existência como um tipo de grade
tridimensional, com um eixo vertical cortando um número infinito de planos
horizontais. O eixo vertical representa o “Self”, a essência verdadeira de um ser dado, e cada um dos
inumeráveis planos horizontais constitui um plano separado de manifestação. A
vida humana na terra é somente um desses planos. Um ser determinado pode se
manifestar somente uma vez em cada plano particular. Assim, não podemos nascer
mais que uma vez como um humano.
Como grande parte do pensamento de Guénon, este é
rigorosamente preciso e seria irrefutável exceto por uma coisa: Guénon assume
que qualquer plano dado – tal como a vida humana terrestre – é estático. Mas de
fato não há nada que o prove. Pelo contrário, a Terra e a sua vida estão elas
próprias mudando de forma incessantemente, quer as olhemos sob a perspectiva
das idades geológicas, quer da história humana. As possibilidades da vida
humana na Terra hoje não são as mesmas que eram 1000 A.C. ou serão em 3000 D.C.
Nunca poderemos nascer na mesma Terra duas vezes, assim como não nasceremos
como a mesma pessoa duas vezes.
Além disso, há pequena evidência da alegação de
Guénon de que sua visão é o verdadeiro ensinamento do Hinduísmo ou budismo.
Professores destas linhagens frequentemente falam de reencarnação de formas que
são muito mais similares à visão teosófica que à sua. O Dalai Lama escreve:
“Ocorreram e são encontrados no tempo presente, muitos incidentes que ilustram
o renascimento, de muitos países no mundo. De tempos em tempos, as crianças
falam sobre seu trabalho em uma vida prévia e podem nomear a família com a qual
viveram. Por vezes é possível verificar estes casos e assim provar que os fatos
lembrados pela criança não são invenções, mas verdadeiros (Dalai Lama, 28-29). Isto
não condiz com o argumento de Guénon de que a encarnação como um humano se dá
apenas uma vez, e o status do Dalai Lama como expoente da Doutrina Tradicional
é bem mais alto que o de Guénon.
De uma perspectiva hindu, podemos nos voltar para o clássico “Autobiografia de um Yogi”, de Paramahansa Yogananda. Yogananda
cita seu guru, Sri Yukteswar: “aos seres com o karma terrestre não redimido não
se permite após a morte astral ir à esfera causal das idéias cósmicas, mas
devem ir e vir entre os mundos astral e físico somente” (Yogananda, 428). Este
processo de ir e vir do mundo físico sugeriria que a encarnação física não é
opção de uma só vez. E novamente, as credenciais de Yogananda e
Sri Yukteswar como transmissores do ensinamento tradicional são muito maiores que
as de Guénon.
A denúncia da Teosofia por parte de Guénon inclui
seus ensinamentos sobre o Karma, “pelos quais [dizem os Teosofistas], as
condições de cada existência são determinadas pela ações cometidas durante
existências prévias. Ele explica: “A palavra ‘karma’ simplesmente significa
‘ação’ e nada mais. Ela nunca teve o sentido de causalidade, e muito menos
designou aquela causação especial cuja natureza já indicamos (Guénon,
Theosophy, 107-108). Ao passo que é verdade que a palavra Karma pode
simplesmente significar ‘ação’, como diz Guénon, ela é usada em mais sentidos
do que este.
Uma vez mais, praticamente toda discussão sobre
esses assuntos por parte de um professor hindu ou budista não se afina com
Guénon, mas com a Teosofia. O Pandita
Rajmani Tigunait do Instituto Himalaio escreve, “Cada escola da Filosofia Hindu
aceita a lei imutável do Karma, a qual estabelece que para cada efeito há uma
coisa, e para cada ação há uma reação. Um homem executa suas ações e recebe
remuneração por elas (Tigunait, 24). Como vimos acima, Sri Yukteswar também usa
a palavra neste sentido.
Outras acusações de Guénon são igualmente
errôneas. Em uma nota de pé de página observa: “Os Teosofistas reproduzem ... a
confusão dos orientalistas não ‘iniciados”: o Lamaísmo nunca foi uma parte do
Budismo” (Guénon, Theosophy, 130). Mas aqui é Guénon quem está reproduzindo a
confusão dos “orientalistas” – os eruditos europeus do século XIX que foram os
primeiros a tratar a religião do Leste de forma acadêmica. O termo “Lamaísmo”
não existe ou tem qualquer equivalente em tibetano; de fato, é meramente um
nome para o Budismo Tibetano que foi inventado pelos orientalistas. Ainda em
1835, o Professor Isaac Jacob Schmidt declarou: “Dificilmente seria necessário
observar que o Lamaísmo é uma invenção puramente européia e não é conhecido na
Ásia”. Mesmo nos tempos de Guénon o termo havia caído em descrédito (Lopez,
15). Apesar de tudo, desafiando a existência dos Mahatmas de HPB, Guénon insiste:
“a própria palabra ‘Mahatma’ nunca teve o significado que ela lhe atribuiu,
pois na verdade a palavra indica um princípio metafísico e não pode ser
aplicada a seres humanos” (Guénon, Theosophy, 39). Esta opinião é refutada na
prática por toda a Índia, a qual usa o termo para se referir ao venerado
Mohandas Ghandi.
Tendo visto tudo isso, somos levados a perguntar
o que provocou a investida de Guénon. Uma reposta pode se encontrar nesta
afirmação: “Se a assim chamada Doutrina Teosófica for examinada como um todo, é
a principio aparente que o ponto principal é a idéia de ‘evolução’. Mas esta
idéia é totalmente estranha aos orientais, e mesmo no Oeste pertence a data
muito recente” (Guénon, Theosophy, 97). Ele acrescenta que os Teosofistas vêem
a reencarnação ‘como os meios pelos quais a evolução é efetivada, primeiramente
para cada humano em particular e consequentemente para toda a humanidade e
mesmo para o universo inteiro (Guénon, Theosophy, 104). Além disso, ele
escreve: “Nós ... apresentamos a doutrina da evolução como constituindo o
núcleo mesmo de toda a doutrina Teosófica” (Guénon, Theosophy, 293).
Aqui Guénon pisa em terreno mais firme. O
conceito de uma humanidade em evolução em um universo em evolução é muito
difícil de encontrar nos textos orientais tradicionais. Blavatsky parece ser
consciente disso quando escreve: “Deverá vir o dia... quando a ‘Seleção
Natural’ tal como ensinada por Darwin e Herbert Spencer formará somente uma
parte, em sua última modificação, da nossa Doutrina da evolução do Leste, na
qual Manu e Kapila serão esotericamente explicados (The Secret Doctrine, I,
600). Como a Teosofista Anna F. Lemkov observa, “Blavatsky integrou a idéia da
evolução com a venerável idéia da hierarquia do Ser (Lemkov, 128).
Antes do tempo de Blavatsky, enquanto as
doutrinas do Karma e reencarnação eram conhecidas no Leste e até certo ponto no
Oeste, estas idéias não abarcavam a evolução (uma estonteante exceção aparece
nas famosas linhas de Rumi: "Morri como mineral e tornei-me planta. Morri como planta e renasci animal. Morri como animal e tornei-me homem. Por que devo temer? Quando fui eu diminuído por morrer?". Isto é, não
se deveria pensar que uma mônada individual pudesse progredir ou desenvolver-se
meramente pela virtude de passar por infinitas encarnações; mas a reencarnação
era vista como um giro incessante que se dá sem fim e do qual moksha ou
liberação provê uma saída. Este é o fundamento da Roda da Vida na arte Budista,
a qual mostra os seis Lokas ou reinos – o dos deuses, semi-deuses, humanos,
animais, espíritos famintos e seres infernais – como um ciclo de servidão cujas cadeias são os Três Venenos do
desejo, raiva e ignorância. Pelo mérito, um indivíduo pode ser alçado ao mundo
dos deuses com sua abundância e prazeres, mas quando seu bom Karma é exaurido,
cai novamente nos reinos do inferno e recomeça tudo novamente. Somente a
iluminação pode quebrar o círculo. A carta da Roda da Fortuna no Tarô contém
ensinamento similar.
A Teosofia, em contraste, freqüentemente retrata
a evolução como mais ou menos automática. Passando por incontáveis encarnações
através de raças, rondas e globos, eventualmente cada mônada irá atingir a
divindade. O desenvolvimento esotérico é importante principalmente para
acelerar este processo para aqueles que desejam se mover mais rapidamente –
idealmente com o objetivo de prestar serviço ao próximo. Esta versão da
evolução diverge da visão darwiniana tradicional, pois esta última não tem direção
ou propósito; sendo meramente um resultado cego e casual da adaptação às
circunstâncias naturais.
Esta integração da evolução à doutrina esotérica
pode ser a idéia mais seminal que a Teosofia introduziu na cultura mundial. Ela
foi ecoada e amplificada por grande número de pensadores – Henri Bergson,
Teilhard de Chardin, Alfred North Whitehead, Sri Aurobindo – os quais têm pouca
ou nenhuma conexão com a Teosofia “per se”. Foi também apropriada pelo
Movimento da Nova Era e seus sucessores: O Web
Site “Reality Sandwich”, por exemplo, tem como “tag line” o seguinte dizer: “Consciência em
evolução, pedaço a pedaço”.
Seja certa ou errada a visão teosófica, ela não
parece ser danosa. Por que Guénon a odiou tão intensamente? Para Guénon, a
tradição é o “nec plus ultra” da vida
humana. Ele a concebe como uma hierarquia espiritual, com o
conhecimento mais alto emanando de um centro espiritual hoje escondido em
direção a toda a humanidade, por meio das tradições ortodoxas, entre as quais se
incluem (com muitas reservas e qualificações) as grandes religiões mundiais
assim como outra linhas como a Franco Maçonaria. Na era presente, a Kali
Yuga, a idade da escuridão, esta transmissão do conhecimento tradicional – a
“doutrina”, como ele frequentemente a estiliza –se tornou completamente
bloqueada. Por ser o resultado de um longo ciclo cósmico, não há o que se
possa fazer exceto esperar pelo seu fim e, neste meio tempo , encontrar refúgio em
alguns dos últimos redutos da tradição genuína. Guénon seguiu seu próprio
conselho. Em 1930 ele se mudou para o Cairo, onde se converteu ao Islã e viveu até
sua morte em 1951.
Para Guénon, a idéia da evolução é perniciosa
porque ela nega a verdade sobre a era presente. Nós não somos um arco
ascendente em direção a maior consciência; estamos no nadir de um ciclo, no que
ele chama de “reino da quantidade” (o título de seu livro mais famoso), e
fingir que estamos em desenvolvimento é mais que ilusão, seria praticamente
admitir a ação de sinistras forças
contrainiciáticas (Guénon, Theosophy, 272n).
Outras acusações de Guénon contra a Teosofia são
verdadeiras, mas muitos leitores hoje iriam hesitar em tomar seu lado nestes
assuntos. Ele corretamente nota, por exemplo, que a Sociedade Teosófica na
Índia lutou contra o sistema de castas, adicionando que “os europeus geralmente
demonstram tanto hostilidade às castas porque são incapazes de compreender os
profundos princípios em que se baseiam” (Guénon, Theosophy, 276). É verdade que
os Vedas, as Leis de Manu e o Bhagavad Gita todos eles invalidam o sistema de
castas pelo simples fato de que cada casta representa uma das partes do homem cósmico.
Mas não há provavelmente muitos hoje em dia que iriam sustentar tal
sistema, não importa quantos textos sagrados o endossem.
Há mais elementos na crítica de Guénon à Teosofia
em que se pode fazer-lhe justiça, principalmente sua negação da boa fé de HPB e
a existência dos Mestres. Tratar de tais assuntos – que têm sido explorados sob
vários ângulos – está além do escopo deste artigo.
O que podemos dizer disso tudo? Para começar,
Guénon merece seu lugar entre os esoteristas de proa no século XX. Seus
escritos metafísicos – tais como “O Homem e seu Devir segundo o Vedanta”, os
“Múltiplos Estados do Ser”, “O Simbolismo da Cruz” – são modelos de
profundidade e lucidez no campo que é fértil em verborragia profusa e sem
sentido. Mas de maneira curiosa, a maior força de Guénon também é sua maior
fraqueza. Sua visão da metafísica “tradicional” é de clareza cartesiana e
precisa (ainda que Guénon pudesse odiar a analogia). E assim é precisamente esta precisão cartesiana que constitui o
principal problema com seu pensamento. Ele não pode acomodar qualquer coisa
que não caiba em sua elegante estrutura geométrica, que não concebe a realidade
ordinária tal como é, o que reflete a profunda e indiscriminada raiva de Guénon
dirigida ao mundo moderno. Tudo na Kali Yuga é repreensível. Não há nada a
fazer senão se esconder em um dos últimos refúgios da “tradição” até
despertar de uma nova era.
Esta não é uma visão esperançosa; mais que isso, baseia-se na completa e ulterior ruína do mundo que vemos ao nosso redor. Anos
atrás um antigo tradicionalista (como são chamados os seguidores de Guénon)
confessou-me que teve de abandonar tudo aquilo pois estava fazendo com que
ficasse depressivo. Alguns tradicionalistas não ficavam satisfeitos com a
posição mais passiva de Guénon e procuraram minar o que viam como o mal, o meio
materialístico no Oeste Contemporâneo. Assim na Europa o tradicionalismo tem
freqüentemente alimentado um impulso em direção a políticos de extrema direita.
Um tradicionalista bem conhecido, o estudioso romeno de religiões comparadas,
Mircea Eliade, apoiou a Legião Fascista do Arcanjo Miguel (a qual tentou sem sucesso influenciar em linhas tradicionalistas) no período
anterior à II Guerra Mundial na Romênia (Sedgwick, 113-5); um outro, o nobre
italiano Julius Evola, não apenas era associado ao Partido Fascista de
Mussolini (o qual ele também tentou guindar em direção ao tradicionalismo,
igualmente sem sucesso; o que mais tarde também tentaria fazer com o Partido
Nazista Alemão) mas também foi ícone de elementos de extrema direita na Europa
do pós-guerra, alguns deles terroristas (Sedgwick, 98-109; 179-87). Uma outra
forma de tradicionalismo penetrou a Rússia durante e depois da Era Soviética,
na qual se transmudou em um movimento de influência crescente chamado
“Neo-Eurasianismo”, o qual sustenta que a Rússia deve dominar a massa de terra
Eurasiana como um contrapeso à influência americana (Sedgwick, ch. 12).
O Tradicionalismo também forneceu combustível à
reação contrária ao Ocidente no mundo Muçulmano. Enquanto o Tradicionalismo é
uma filosofia extremamente obscura no Oeste, “no Irã e Turquia ocupa uma
posição mais importante no discurso público que em qualquer outro lugar”, como
Mark Sedgwick observa em seu blog (um web site moderado por Sedgwick, http://traditionalistblog.blogspot.com em que se pode mergulhar em informação sobre esses assuntos). No Irã pré-revolucionário, o acadêmico
Tradicionalista, Seyyed Hossein Nasr era um protegido do Xá e sob seu patrocínio
estabeleceu a Academia Imperial Iraniana de Filosofia como um bastião
Tradicionalista. Alvo de ataques em seu país nativo, o Tradicionalismo de Nasr
ajudou a inspirar a revolução islâmica de 1979, forçando-o a emigrar para os
EUA, onde hoje é professor de estudos islâmicos na Universidade de Washington.
No mundo de fala inglesa, o Tradicionalismo tem
sido mais benigno e menos politizado. Seu mais proeminente advogado nos EUA é
Huston Smith, autor de “As Religiões do Mundo”, que publicou em 1976 a obra
intitulada “A Verdade Esquecida: a Visão Comum das Religiões do Mundo”,
contendo a exposição do pensamento de Guénon (incluindo um capítulo ecoando a
crítica de Guénon à evolução chamada “Esperança, Sim; Progresso, não”). Na
Inglaterra, o aderente mais proeminente desta escola é o Príncipe de Gales, que
lançou a Academia de orientação Tradicionalista Temenos em 1990, concebida como um
guarda-chuva para seus projetos culturais (Sedgwick, 214).
Também tem ocorrido alguma interpenetração
recente entre o Tradicionalismo e a Teosofia: o livro escrito por William Quinn
em 1997, “A Única Tradição”, tentou reconciliar os dois lados, enquanto a
Sociedade Teosófica imprimiu pela Quest Books “A Unidade Transcendente das
Religiões”, um importante trabalho de Frithjof Schuon, o discípulo mais
influente de Guénon.
Guénon permanece desconhecido para o público mais
amplo (o documentário de Bill Moyers em 1996 sobre Huston Smith não fez
nenhuma referência à influência de Guénon) e, ainda que sua presença
marcadamente permeie o mundo moderno, ele é desprezado. Atualmente, penso,
devemos analisar Guénon com a clareza e discriminação aplicada a qualquer
ensinamento esotérico – incluindo a Teosofia. Ele é alguém de brilho
incomum, mas contrariamente ao seu auto-retrato, ele não é uma figura olímpica
remota e serena. Tinha ojeriza ao mundo ao redor – que não temos dúvida,
era tanto pessoal e psicológica quanto espiritual – e, segui-lo muito longe
nesta direção, provavelmente nos levará à confusão e à angústia.
Referênciaa
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