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terça-feira, maio 24, 2011

Crítica à Krishnamurti. O “Não-Sistema” ou “Não-Pensamento” de Jiddu Krishnamurti – Uma Crença Perigosa sob a Capa de Autoconhecimento

(...) pobre Krishnamurti, tangencia a amargura da vida humana e sua falta de sentido mas não aponta caminhos, não indica os passos que devem ser seguidos. Lança o homem no abismo enquanto ele mesmo permanece mergulhado no presente, em um estado de permanente e atemporal satisfação com o instantâneo, uma postura diametralmente oposta à dos expoentes mais conhecidos da espiritualidade”.
Krishna jovem. Sempre elegante.
Ele foi chamado de o “Instrutor do Mundo” e veículo do Senhor Maytreia (ou Buda Vindouro) por seus mentores Charles W. Leadbeater e Annie Besant, respeitáveis lideranças da Sociedade Teosófica em Adyar, Índia. Responsável direto por uma organização com milhares de membros ao redor do mundo – A Ordem da Estrela do Oriente - e investido de atribuições condizentes com seu elevado posto e missão, Jiddhu Krisnamurti não só renunciou ao título de “Buda” como também frustrou as expectativas nele depositadas por uma enorme multidão de seguidores (que esperava ardentemente pela mensagem de um novo condutor espiritual).

Ao abrir mão de seu status de “guia” e devolver propriedades da ordem aos antigos donos, o menino a quem se atribui a redação de “Aos Pés do Mestre” (obra prima do ocultismo ditada por um Adepto a Krishnamurti) optou por um estilo de vida marcado pela transmissão ininterrupta de uma filosofia particular – se assim se pode dizer- baseada no autoconhecimento e no abandono dos condicionamentos como caminho preferencial para a autorrealização.

Há obras que difundem a visão de um Krishnamurti ingênuo e acostumado aos prazeres e facilidades de uma vida pequeno-burguesa, sempre acompanhado por belas damas em amáveis herdades, castelos e hotéis luxuosos da Europa Ocidental ou então desfrutando de aconchegante estadia em aprazíveis mansões da Califórnia.

Um verdadeiro Gentleman
Como um místico ou homem espiritual, desligado do mundo grosseiro da matéria, vemos por outro lado um Krishnamurti sempre cercado por autoridades do mundo politico, mestres religiosos afamados, autores mundialmente aclamados (Aldous Huxley, para citar um exemplo, foi seu amigo íntimo) e um punhado de supostos amigos como Rajagopal - seu editor por muitas décadas - que o manipulavam visando abocanhar os lucros da “Krishnamurti Foundation”. Em linhas gerais, este é o relato presente no “Babuíno de Madame Blavatsky”, um livro concebido como libelo contra a Nova Era, unilateral, injusto e insanamente mordaz para com todo pensamento esotérico dos séculos XIX e XX que o autor não se esforçou por compreender.

Outra narrativa dos fatos envolvendo esta notável personalidade do século XX pode ser encontrada na biografia escrita por Mary Lutyens e publicada no Brasil pela Editora Teosófica. Ao se assenhorar dos detalhes da vida do biografado, paulatinamente, o leitor sério não pode se equivocar sobre seu verdadeiro caráter e propósitos, condizentes com o que se espera de um homem digno e decente.

Filha de uma mulher que por muitos anos foi admiradora e amiga de Krishnamurti e tendo ela mesma intimidade tanto com o biografado como com os requisitos da vida espiritual e suas nuances, Lutyens estava habilitada para lançar luz sobre pontos outrora obscuros de K. enquanto homem sujeito às vicissitudes da vida ordinária. Apresenta um ser complexo, sujeito a processos espirituais que não podiam ser compreendidos pela maioria das pessoas e alguém que possuía em alto grau um denodado senso de deve a cumprir na sua passagem pela terra. Atendendo seja à sua própria vontade ou a de alguma misteriosa entidade que ele jamais nomina (às vezes fala da “coisa” em tom vago), é certo que Krishnamurti elaborou idéias originais e impressionou fortemente muitas pessoas com elas. Se estavam corretas, ou se atendiam àqueles que buscam respostas para os dilemas do espírito, só uma análise serena pode revelar.
De forma mais transcendental, fugindo do escopo mais limitado da ciência convencional, inúmeras testemunhas teriam visto e ouvido Krishnamurti ao longo de diferentes fases da vida sendo submetido a dois processos distintos, mas que podem sugerir o fato de seu corpo físico ter sido usado durante parte do tempo pelo que chamava de “morador interno”, aquele ser ignoto que poderia estar empregando-o como um veículo purificado e preparado para uma missão específica ao longo de sucessivas encarnações. Seus fins reais, entretanto, possuíam uma intencionalidade que escapava á compreensão do próprio K.

Um destes processos consistia em periódicos episódios de aguda dor - sobretudo ao longo da coluna espinhal – que para alguns podem remeter à tese da subida da “serpente”, Kundalini. Outro mais frequente ( verificado durante quase toda sua vida adulta ) consistia no que o próprio K. apelidava de “meditação”, um estado de plenitude e bem aventurança que experimentava, às noites, em seu leito. Há circunstâncias outras envolvidas na vida de K. que comprovam tanto sua clarividência e extrema intuição e sensibilidade assim como a presença generalizada de um sentimento de segurança e proteção que se estendia a todos que estavam diante dele. Além do sobrenatural envolvido em tais coisas, sobrepujando todos estes fatos (até certo ponto subjetivos e apoiados na observações de pessoas próximas) estava o claro testemunho fornecido pelas palestras públicas e escritos de um jovem não erudito e pouco versado nas disciplinas universitários, arredio aos estudos e com pouco treino em argumentação lógico-dialética, que, repentinamente, passou a falar com grande desenvoltura sobre espinhosos temas filosóficos.

Embora a vida de Krishnamurti em si seja intrigante e, em parte, maravilhosa, seus ensinamentos merecem ser analisados criticamente, sem a complacência daqueles que em público o declaram um mero “amigo”, um conselheiro (não alguém a que se deva seguir, uma vez que em seu próprio testamento ele exigiu isso) mas, em privado , idolatram-no como um guru do autoconhecimento. Estas interrogações sobre o pensamento de Krishnamurti são válidas na medida em que razoável parcela da literatura de autoajuda contemporânea (Osho, Eckhart Tolle, o “zen budismo” de revista e outros) parece enraizar-se no “leit motif” krishnamurtiano ao usar liberalmente expressões (pois K. jamais aceitaria o termo “conceitos”) como “condicionamentos”, “liberdade”, “viver o presente”, “a verdade é relativa”, “tempo psicológico e cronológico” e outras mais.

Tudo o que Krishnamurti disse ou escreveu carrega uma generosa dose de verdade. Fala diretamente à nossa intuição, parece correto a princípio. Mas somente a princípio. Em minha opinião diz algo, paradoxalmente, a dois extremos: o homem espiritual colocado em patamar mais elevado ou aquele que ainda sequer começou a galgar os degraus da verdadeira espiritualidade e se sente confortado com uma mensagem que faz com que as coisas pareçam ser mais simples do que são. O homem intermediário, aquele que tem algum conhecimento dos ensinamentos dos mestres espirituais, o homem que sofreu influencias de tipo superior e “cruzou” a estreita cerca entre o mundo profano e o ocultismo, este só pode encontrar em Krishnamurti um colega de jornada tão perdido quanto ele, não um amigo fiel. A voz sedutora do indiano lhe sussurra uma alternativa mais simples e menos penosa que o trabalho e a luta incessante contra si mesmo, algo muito nocivo ou mesmo mortal para o aspirante à vida superior.

Muitos de nós gostariamos de “tocar a orla” da iluminação com pouco esforço. Justamente esta promessa parece estar implícita em muitas das transcrições de palestras e escritos sobre K. Nestes viceja a proposição latente de que é possível dispensar guias, não abrir mão de qualquer coisa que seja e dedicar horas e que mais horas ao estudo ou à meditação é mera tolice. A própria meditação é apenas uma projeção do que está arraigado dentro de nós em nossa mente, uma enorme tolice. Também poderíamos descartar as opiniões que outros nutrem a nosso respeito ou mesmo relacionarmo-nos com eles. Amigos, pais, professores não importam. Não só qualquer dependência deles é nociva como podem nos inspirar padrões de comportamento tradicionais que irão nos impedir de descobrir nossos próprios caminhos.

Como regra, Mestres e gurus devem ser encarados com incredulidade. Krishnamurti os odiava, às vezes com razão como quando se entediou com a estúpida tagarelice de Maharish Mahesh Yogi em um vôo em direção à Índia. Na aprendizagem há apenas o processo de aprender, não há professores ou alunos. É mais difícil formar um bom professor que um bom aluno, pois o primeiro precisa, antes de mais nada, aprender a aprender e ouvir. O professor precisa ser ensinado.

Ora, isto vai de encontro a todo um precioso conjunto de instruções do Oriente e do Ocidente que defendem a importância de um instrutor qualificado, um Mestre que possa adequadamente orientar o discípulo ao longo de um percurso tortuoso, porém eivado de recompensas para os que ultrapassam a reta final. Não são “mestres” no sentido usualmente atribuído ao título no Ocidente, professores arrogantes empoleirados em suas cátedras caquéticas a arrotar uma pretensa erudição morta extraída dos livros. O instrutor de que fala a antiga tradição nada mais é que um homem e mulher que por si mesmo alcançou um estado superior de consciência, tornou-se um “Arhat”, um “Bodhisattwa”, um “Arya Bodhisattwa”, um “Buda”, um “Cristo”.

Por sua enorme compaixão e magnanimidade, os grandes conquistadores do mundo legaram à humanidade instruções precisas sobre a maneira como eles próprios obtiveram a vitória. Estas não são necessariamente idênticas, mas semelhantes, o que prova que os princípios e o método são inequívocos. Estas são as características dos ensinamentos dos verdadeiros instrutores. Eles não se dedicam apenas a descrever os estados que experimentam mas fornecem aos homens o método, o “algoritmo” para a resolução do grande problema humano. Por isso se diz do Senhor Buda, como exemplo, que ele fornece “instruções precisas e que não nos enganam”. Já o pobre Krishnamurti, tangencia a amargura da vida humana e sua falta de sentido mas não aponta caminhos, não indica os passos que devem ser seguidos. Lança o homem no abismo enquanto ele mesmo permanece mergulhado no presente, em um estado de permanente e atemporal satisfação com o instantâneo, uma postura diametralmente oposta à dos expoentes mais conhecidos da espiritualidade.

Para Krishnamurti, nas vidas dos homens são impressas basicamente duas heranças. Uma de origem material, ou seja, sua posição social, bens e obrigações para a coletividade. Outra é uma herança de caráter “psicológico” e que forma sua personalidade, enraizada em concepções, tradições, sistemas de pensamento e crenças que lhe foram inculcadas desde que nasceu na família, na escola ou em outros ambientes sociais. Estas duas marcas são perenes e criam condicionamentos dos quais ele dificilmente se livre, a menos que cultive a atenção no seu quotidiano, certa capacidade de estudar a si mesmo mediante a observação cuidadosa e sistemática dos seus sentimentos, pensamentos e atos, investigando-os e descobrindo por si mesmo porque eles são o que são.

Nesta via, que é íntima, não cabe o conhecimento formal, livresco. Este se adquire pela leitura e áridos estudos na escola ou nas religiões. Estas prescrições das escrituras sagradas de todos os cultos são apenas registros das experiências de outros homens e mulheres. Eles não são a verdade. A verdade em si não existe, ela deve ser descoberta sempre, a qualquer momento, mediante o autoconhecimento. Mesmo o autoconhecer-se não tem fim, ou verdadeiro conhecimento não vem de fora mas de dentro. Os textos podem apenas lhe trazer informações de segunda mão, mas o que importa é sua própria vivência, a compreensão que se tem desta vivencia quando é anulado o “Eu observador”.

Parte-se todo o tempo do princípio de que nada se pode aprender no mundo. Nada é integral, verdadeiro. Tudo se reduz a uma imensa rede de impressões captadas por um “Eu” egóico, um feixe de sentimentos, pensamentos, emoções que julga ser você porém não é o seu “Eu verdadeiro”. A mente atua como um experimentador, o “censor” que diz que aquilo é bom ou ruim desde que satisfaça ou não os seu desejo de prazer. Não se pode fazer nada a respeito disso, apenas deixarem os pensamentos flanarem e observá-los. Quanto mais atento o observador, tão mais rápido a mente irá se aquietar e você passará a perceber as coisas na sua integralidade. O bosque lá fora, os passarinhos crocitando no jardim, os gatinhos ronronando e os peixes na Lagoa cantarão hinos ao cosmos e o indíviduo (ou o não indivíduo) terá diante de si a verdadeira vida una.

Dizendo-se contrário a todos os sistemas de pensamento Krishnamurti lançou as bases do seu próprio. Nele não se reserva qualquer função ao esforço e ao gradual controle das faculdades inferiores do homem, o que deixa de ter qualquer importância. Não há qualquer hierarquia de seres no universo ou meta evolutiva, tudo se embaralha em um eterno processo de busca da autoconsciência rumo a uma vaga reintegração ao Todo. Nada impede, contudo, que o homem goze e saboreie os prazeres do “presente”, do “agora”. Não é preciso ter – como ele próprio salienta – compromissos com quaisquer causas terrestres. Estas causas apenas refletem um sentimento inato e egoísta de autogratificação. Nada de ser caridoso, nada de combater à guerra fratricida, nada de lutar em prol dos animais ou defender a natureza. Libertemo-nos de todo esse entulho imposto por nosso Ser “autocentrado” e sejamos atentos, observando tudo com esmero. Este é o “não-sistema filosófico” ou “não-pensamento” de Krishnamurti, a base ideal para uma era sem valores ou qualquer perspectiva de futuro como a nossa.